António Pinto: um recordista europeu dedicado à agricultura

Ex-maratonista, que agora faz "um pouco de tudo" em Amarante, onde tem uma quinta com vinha e mais de cem árvores de fruto, lembra histórias de uma carreira de sucesso
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António Pinto não gosta "de aparecer sem ser convidado". Mas, com o ex-atleta afastado dos holofotes mediáticos - entretido na sua quinta em Amarante, onde faz "um pouquinho de tudo" -, fica muita história por contar. Sabe aquela do "benfiquista doente que investiu muito dinheiro" para levá-lo para o Benfica (retaliação pela ida de Rui Águas para o FC Porto), a da sua relação especial com a Maratona de Londres ou de como a paixão inicial do maratonista era o ciclismo? Pois...

Pinto, de 50 anos, foi um dos melhores maratonistas mundiais da década de 1990 e ainda hoje conserva o recorde europeu da distância (2:06.36 em Londres 2000), juntamente com o estatuto de uma das maiores lendas do fundo português. Porém, "foram muitos anos ligado à modalidade, até àquele ponto em que ficamos um bocado saturados". Por isso, o ex-atleta afastou-se um pouco e não é presença habitual em eventos públicos. "Cada um nasce para o que nasce. Se não for convidado não apareço", justifica.

O antigo atleta de AD Amarante (1986-87), FC Porto (1987-88), Benfica (1989 -1993) e Maratona (1994- -2005) voltou às raízes. "Andei a estudar, trabalho na agricultura [tem vinha e 120 árvores de fruto], tenho uma escolinha ligada ao clube onde me iniciei (é a minha obrigação para com eles, para procurar novos talentos) e outros projetos em stand by", descreve.

Na sua quinta em Amarante - "uma pequena quinta", sublinha -, e apesar de estar na terra por eleição do vinho verde-tinto, o ex-atleta dedica antes a produção ao vinho branco. "O que eu tenho é branco espadal. A minha casa fica numa zona muito alta, que não é tão propícia ao verde-tinto, apesar de estar na freguesia do Terras de Pascoaes [marca de referência do verde-tinto da região]", explica o "produtor" António Pinto. "Mas é coisa para consumo interno, vá. Não comercializo. Isto costuma dar aí uma pipa e meia. É só para família e amigos, ofereço algumas garrafas aos professores dos meus filhos e pronto, não dá para muito mais", esclarece.

Quanto à fruta, tem de tudo um pouco. "Vou tendo a fruta da época. Aquilo que pega aqui no Norte, claro. Pêssegos, tangerina, morango, kiwi, cereja... Praticamente não preciso de comprar fruta cá para casa", conta o antigo maratonista, que mesmo assim ainda tem tempo para calçar as sapatilhas.

Mesmo com mais 17 quilos do que quando competia (então pesava 60), nunca deixou de correr: "Treino quase todos os dias. Só não o faço quando está muito mau tempo. Agora posso desfrutar do verdadeiro atletismo, sem pressão: vou a duas ou três meias-maratonas por ano [como a da Cidade de Amarante, em sua homenagem, a 19 de fevereiro] e a provas de 10 ou 12 km, com os amigos, pela diversão. Temos sempre o bichinho cá dentro."

Na verdade, no princípio, António Pinto até preferia pedalar do que correr ("adoro ciclismo"). "Mas há 35 anos havia poucas bicicletas e oferta para participar" na modalidade na sua terra natal: a alternativa foi experimentar o atletismo, na Associação Desportiva de Amarante. E, apesar do início tardio, já com idade de sénior, teve muito sucesso.

"As pessoas associam-me mais às maratonas de Londres e aos recordes. Londres marcou-me imenso: foram três vitórias, dois segundos e dois terceiros lugares, sete pódios no total e um recorde da Europa. Mas também bati o recorde europeu dos 10 mil metros [27.12,47, em 1999], o mundial da meia-maratona em Lisboa [59.43, mas não homologado pela federação internacional]; participei em quatro Jogos Olímpicos, fui campeão da Europa [dos 10 mil metros, em Budapeste 1998] e ganhei outras maratonas importantes, como a de Berlim [em 1994]", enumera António Pinto.

A lista podia continuar - e incluir títulos nacionais de 5000 metros, corta-mato e estrada ou presenças honrosas em mundiais (como o 5.º lugar nos 10 mil metros em Sevilha 1999). Mas Londres é que era realmente especial. "Tinha investidores com muito dinheiro e era muito competitiva, com campeões do mundo, da Europa, recordistas... Queriam lá os dez melhores e isso tornou-a a prova mais importante do mundo", conta o ex-atleta, lembrando que "onde se ganhava dinheiro era nas maratonas". "Abdicávamos de estar noutras provas para prepará-las, chegar lá e dar espetáculo. Em Londres gostavam de mim por isso: porque eu dava espetáculo. Era branco, europeu, dava o máximo e o público apreciava", frisa.

Ora, parte da piada do atletismo está na paixão do público pela modalidade. O ex-atleta mostra algum desencanto com o estado da modalidade em Portugal nessa matéria, criticando a "falta de cultura desportiva do país", demasiado centrado no futebol. "Se não há vedetas, as pessoas afastam-se", aponta, admitindo não vislumbrar um sucessor entre os valores atuais do fundo nacional. Afinal, apesar do despique recente entre Benfica e Sporting (que foram contratar vários atletas aos arquirrivais), longe vão os tempos de guerrilha entre clubes, como aquela que levou Pinto e José Regalo do FC Porto para o emblema da águia, em 1988.

"Toda a gente ficou surpreendida na altura. Foi um investidor benfiquista doente, o Marcel de Almeida, que tinha ficado magoado por o FC Porto levar o [futebolista] Rui Águas [e o defesa Dito] e investiu do bolso dele para nos levar para o Benfica. Tinha muito dinheiro: fizemos um contrato ao nível de um futebolista", relata o antigo atleta, um faz-tudo fugazmente convertido em contador de histórias.

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