Em que medida reclama o Emmy de Laços de Sangue como seu?.Quer o Emmy atribuído no ano passado à Plural quer o deste ano atribuído à SP Televisão constituem um reconhecimento do que são estes 20 anos em que me dedico a esta indústria. Sobretudo, no que diz respeito à formação dos técnicos e dos actores portugueses. Espero que este reconhecimento possa chegar aos nossos clientes e governantes de forma a que, de futuro, prefiram mais produtos portugueses. Gostava que este prémio pudesse constituir uma mais-valia para toda a indústria audiovisual portuguesa..Quando a novela foi nomeada, suspeitava que o prémio viesse para Portugal?.Não considerava que tivéssemos hipóteses de ganhar. Porque ser entregue ao mesmo País e em dois anos seguidos é difícil e é uma coisa, se calhar, nunca vista. Por outro lado, a Globo estava em força [com as nomeações da co-produção e da novela Araguaia], queria também o Emmy..Foi um prémio ao modelo de negócio em que a Globo está a investir agora, ou seja, as co-produções?.Aqui?.Sim, aqui em Portugal e no mundo inteiro..Sim. Acho que sim..Laços de Sangue já começou a ser comercializada? Para onde?.Já começou, está incluído - e essa é uma das vantagens desta co-produção - no catálogo da Globo. Não temos conhecimento das vendas, mas uma novela com um Emmy proporciona sempre maior apetite aos compradores internacionais..Há 20 anos, investiu num negócio conhecido por ser ruinoso. O que o levou a apostar na NBP?.Quando comecei com a NBP, a indústria audiovisual não existia. Desenvolvi o que existe hoje: quer a NBP [vendida em 2007], quer agora a SP. Apostei porque achei que havia uma grande possibilidade. Toda a gente me chamou louco (risos), sobretudo as pessoas que não acreditavam nesta possibilidade de nós virmos a ter, não só linhas contínuas de produção, como também virmos a ser reconhecidos internacionalmente. Recordo-me que 1999 foi o grande momento da ficção portuguesa, quando conseguimos ultrapassar as audiências da Globo em Portugal. Batê-las era um mito. Felizmente, mantivemos a qualidade e o interesse..Foi preciso muito para Nicolau Breyner o convencer a investir no negócio, em 1992?.Esta história não tem nada que ver com o Nicolau, embora reconheça que ele foi uma personagem muito importante no desenvolvimento desta indústria. O Nicolau tinha uma empresa chamada NBP, que não tinha feito nada. Só tinha o nome e o escritório na Rua do Sol ao Rato, em Lisboa. Na altura, ele convidou-me, mas também convidou uma quantidade de amigos meus para participarmos numa empresa. Nesse núcleo estavam o Raul Martins, o arquitecto Tomás Taveira... Éramos seis, sete ou oito..Mas ficaram só os dois....Na primeira reunião que tivemos, correu tudo muito mal e a maior parte das pessoas quis sair. Não havia nenhuma encomenda e eu fiquei sozinho com o Nicolau. Foi aí que começámos a criar a ideia de fazer uma indústria do audiovisual em Portugal. Trabalhei muitos anos, dez, com o Nicolau. Foi pena que a nossa ligação pessoal e profissional tivesse terminado, mas na vida nada é perpétuo. Reconheço que ele teve um papel preponderante, não no que diz respeito à montagem da indústria propriamente dita - porque era eu que me dedicava -, mas ele era um profundo conhecedor, como é hoje ainda, dos autores, actores e deu-me uma ajuda que reconheço..O que os levou à cisão? É que esse assunto continua por explicar....Acho que são formas diferentes de estar. Se calhar o Nicolau tem um coração maior do que eu....Como assim?.O Nicolau era mais tolerante, eu sou mais frio e objectivo..Há possibilidade de reatarem relações?.Não sei... há sempre possibilidade de reatarmos..O que falta para isso acontecer?.Não tivemos oportunidade. Não tenho nada contra o Nicolau, antes pelo contrário. Ele teve um papel fundamental no arranque disto..José Eduardo Moniz dizia de si, em 2006, que o seu "maior contributo para a ficção em Portugal é a capacidade de resistência como empresário e atracção pelo risco". Resistiu a quê e a quem?.(Pausa) Resisti a muita coisa. A RTP esteve três anos, ou quase, com pagamentos em atraso. Tive de mobilizar os meus meios pessoais e amigos para continuar a alimentar a indústria. Foi um momento muito difícil, conturbado, e só uma grande persistência e teimosia nos levou a resistir..Em que altura foi?.Nos anos 90, numa altura de mudança de governo, de grandes perturbações. Mas também, quando iniciei a actividade no audiovisual, encontrei muitas pessoas com quem fiz amizades. Alguns deles actores, técnicos e, a determinado ponto, não havia só um olhar empresarial, havia também muitos compromissos assumidos com quem me apoiou. Tinha obrigação de ultrapassar os problemas com eles..E que riscos correu?.Há sempre os riscos da falência, de se perder o que se conquistou..Está preocupado com o futuro?.Estou muito preocupado. Não me preocupa a privatização da RTP, mas a capacidade de os clientes continuarem a apostar na ficção. Porque, sendo um produto extraordinariamente barato se comparado com concursos ou reality shows, com a caída abrupta da publicidade, os orçamentos dos clientes são cada vez mais exíguos..Está com medo?.Tenho medo da continuidade desta situação e espero que haja bom senso, quer por parte dos nossos clientes quer por parte dos governantes, no sentido de continuar a dar trabalho e a reconhecer o mérito da ficção portuguesa..Está a deixar recados....É um recado porque a ficção tem um papel fundamental na educação das pessoas. Não são raras as vezes em que, sobretudo nas novelas, passamos mensagens importantes ou escrevemos história. Como é o caso, por exemplo, do Conta-me Como Foi ou do novo trabalho que vamos fazer para a RTP, Começar de Novo, uma produção que, parecida com o Conta-me, será sobre o pós-25 de Abril. É História que se vai fazer..Das empresas que tem [cerca de 50], continua a dar atenção preferencial à ficção?.Passava diariamente na NBP porque ficava a caminho de casa e era uma empresa com muito peso no grupo [Madre SGPS]. Houve uma altura que trabalhávamos para os três clientes [RTP, SIC e TVI] e precisavam da minha ajuda. Na SP tem sido mais fácil porque trouxe da NBP um grupo de profissionais muito habituado a trabalhar comigo e com muitas competências. Encontrei um sócio, o Jorge Marecos, com quem tenho confiança e me dá possibilidade de passar menos na SP. Mas todas as semanas venho. O momento é muito difícil para todas as empresas e as outras precisam também muito de mim..Mantém os 51% iniciais que comprou quando chegou à SP, em 2007?.Temos um acordo com o Jorge Marecos que nos dá mais um bocadinho do que isso..Quanto?.Não vou dizer. Tenho uma boa ligação com o Jorge Marecos, que quero preservar. Não quero mais da SP. Se houver modificação, é o negócio que vai exigir. Está bem repartido o que cada um faz..Quando a Globo e a SIC querem fazer uma produtora em Portugal e falam na SP, sente-se incluído ou sente que estão a negociar o que é seu, sem contar consigo?.Quer a SIC quer a Globo sempre nos consideraram nas negociações e fizemos sempre parte. Nunca me senti pressionado. Vejo a Globo como positiva para a SP porque, primeiro, tem mais experiência do que nós em alguns sectores e trouxe-nos mais-valia. Diria que aprendemos muito nos cenários, nos guarda-roupas. Depois, o facto de o nosso trabalho estar incluído no catálogo da Globo tem mais possibilidade de venda internacional. Será bom para todos se se vier a concretizar [o negócio}. Neste momento, não sei se será um projecto para avançar ou não..Porquê?.Não sei.....Está em stand by?.Não digo que esteja, mas estamos a viver um momento difícil no País e é natural que estas coisas precisem de maior reflexão do que há quatro ou cinco anos, em que o mundo ia ser outro..Interessa-lhe alienar parte?.Nunca falei em alienar parte, falei sempre em juntar o que temos a uma nova estrutura. Nós não estamos vendedores, estamos abertos a parcerias e é nesse sentido que podemos trabalhar. Alienar não faz parte dos nossos objectivos. Não nos podemos esquecer de que tão importante como a SIC é o cliente RTP..Vender obrigaria a exclusividade?.Tem de ser tudo muito bem ponderado. A SIC, neste momento, não tem na sua grelha uma quantidade de ficção que permita à SP viver só com ela. Estamos preparados com novelas para SIC e séries para RTP. Este conjunto, este binómio é que faz a viabilidade da SP..SP e Globo têm interesses comuns, sobretudo em Angola. Têm falado sobre isso?.Já fizemos uma série com Angola, Voo Directo. Neste momento, estamos a desenvolver outros contactos no sentido de aumentar a participação lá e talvez a Globo possa também ajudar na nossa intenção de reforçar esse trabalho.De que forma?.É muito cedo para estar a falar..Mas não era já para o ano que a SP queria estar em Angola?.Neste momento, o que há de concreto é que estamos a fazer uma novela juntamente com a Globo, Dancin'Days. Este período vai ser importante para definir tudo..Quando pensa na internacionalização da SP, fala de que países?.Falo de Angola, Moçambique, continuo a pensar no Brasil, mas é evidente que o nosso mercado de expressão portuguesa é pequeno..Investiu noutras áreas de negócio como o vinho. Está a voltar ao campo?.Não. Quando conhecemos outros mercados, olhamos para o País de fora para dentro e, ultimamente, tenho pensado e ido no sentido de que Portugal tem de regressar à terra. Deve desenvolver algumas das suas condições naturais e o agro-alimentar insere-se um bocadinho nisso. Temos estado a comprar algumas empresas, mas estamos ainda a completar o nosso portfólio nesse sector. Em breve, terei também aí algum peso..O que já tem?.A título pessoal tenho vinhos e estou também na Companhia das Quintas [com Paes do Amaral]. Comprámos recentemente uma produção muito importante de morangos, framboesas e citrinos do Algarve e estamos a negociar com outras indústrias agro-alimentar..Não tinha azeite?.Estamos a fechar, mas ainda não está (risos)..Tem uma horta?.Eu vivo no campo. Tenho uma horta, umas galinhas... Tenho essas coisas todas (risos). Nasci no campo, sou de Viana do Castelo. A minha mãe alimentou sempre os filhos com o que colhia no campo..Daqui a cinco anos chega à reforma. Vê-se em casa?.Não. Vou morrer a trabalhar. Quando retiramos algum prazer do trabalho, devemos tentar manter isso o mais possível..Tem tempos livres ou está sempre a trabalhar?.Estou sempre a trabalhar (risos). O meu trabalho é cerebral, tenho algum trabalho físico, mas tenho capacidade para continuar a fazê-lo por mais alguns anos..Teve o primeiro emprego com 16 anos. O que fez com o seu primeiro salário?.Entreguei-o à minha mãe e só deixei de entregar quando ela morreu, com 94 anos. Foi uma coisa que mantive sempre..Porquê?.(pausa) Por muitas razões... Estaríamos aqui muito tempo... Em Viana, depois da quarta classe comecei a trabalhar nas férias escolares. Acabei o curso comercial com 16 anos e vim para Lisboa trabalhar..Foi uma infância difícil?.Muito difícil. O meu pai morreu muito cedo e fomos [cinco irmãos] criados pela minha mãe..Em Lisboa aos 16, casou-se aos 19. Fez tudo muito cedo?.Fiz tudo muito cedo (sorriso)..Cedo de mais?.Se calhar. Mas a vida era assim..Tem quatro filhos [Paulo, com 35, Maria, 18, João, 14, e Marta, 12]..Está a prepará-los para serem empresários?.Devem seguir o que quiserem, mas nesta área, sei que têm talento. Mas as minhas empresas estão todas profissionalizadas para que não seja necessário ser sucedido por um filho..Deixava-os ser actores?.(Risos) Pois, tenho sempre conseguido evitar..Casou duas vezes. Voltava a fazê-lo?.Voltava (risos)..Que mulher procura?.Uma mulher que compreenda as minhas razões, as minhas angústias e os meus objectivos..Já encontrou?.Ainda não. Mas vou com certeza encontrar (risos). Estou a tentar!.A sério?.Tento todos os dias (risos)..Incomodou-o que a separação de Sílva Rizzo o tivesse exposto?.Sim, incomodou-me muito. A minha vida não tem de ser exposta..Como é que gostava que a história o guardasse?.Que dissesse que eu estudo, nesta indústria, para lhe dar prestígio e dignidade. Enquanto cá estiver, vou fazer para que se mantenha.