António Mexia deixa a gestão da EDP. Leia aqui a carta de despedida
Também João Manso Neto renuncia à hipótese de ser reconduzido na EDP Renováveis. Os dois gestores com mandatos suspensos por ordem judicial informaram não estar disponíveis para um novo mandato. Assembleia geral extraordinária em janeiro vai escolher os novos gestores da EDP. O atual CEO interino, Miguel Stilwell de Andrade, foi já nesta segunda-feira (30) convidado a formar um novo conselho de administração para o triénio 2021-2023.
Na carta enviada por António Mexia, a que o DN teve acesso, endereçada ao Presidente do Conselho Geral e de supervisão e também ao presidente da mesa da assembleia geral, Mexia comunica não estar disponível para um sexto mandato à frente da elétrica portuguesa.
Em comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a empresa informa que "na presente data, a EDP recebeu uma carta do presidente do Conselho de Administração Executivo (PCAE) suspenso de funções, Dr. António Mexia, e uma carta do membro do Conselho de Administração Executivo (CAE) suspenso de funções, Dr. João Manso Neto, informando da respetiva indisponibilidade para integrar qualquer lista candidata aos órgãos sociais da EDP para o próximo mandato (2021-2023)".
António Mexia, presidente da EDP, e João Manso Neto, presidente da EDP Renováveis, foram em julho suspensos de funções na empresa como medida de coação decidida pelo juiz Carlos Alexandre no caso EDP. O processo em curso, e a suspensão de funções imposta, é o motivo assumido por António Mexia para não continuar à frente dos destinos da elétrica portuguesa, nesta carta a que o DN teve acesso.
Entretanto, os acionistas da EDP representados no Conselho Geral e de Supervisão (CGS) pediram ao presidente interino da empresa, Miguel Stilwell de Andrade, uma proposta relativa à composição do Conselho de Administração Executivo para o próximo mandato (2021-2023).
"Exmo Senhor Dr. Luis Amado
M.I. Presidente do Conselho Geral e de Supervisão EDP, Energias de Portugal S.A.
Exmo Senhor Dr. Luís Palha da Silva
M.I. Presidente da Mesa da Assembleia Geral EDP, Energias de Portugal S.A.
Exmos Senhores Presidentes,
Há decisões difíceis na vida e esta é uma delas.
A minha liderança na EDP tem sido uma viagem extraordinária ao longo dos últimos quinze anos, justificando o enorme afecto que tenho pela companhia e pelas suas pessoas.
Juntos, soubemos desenvolver um sentido de propósito, de criação de valor e de contribuição decisivos para um planeta mais sustentável e equilibrado. Colocámos a EDP na linha da frente do combate a um dos principais problemas da humanidade, a disrupção causada pelas alterações climáticas. Demonstrámos capacidade de antecipar cenários num mundo em acentuada mudança e de executar, de forma sistemática, os objectivos e compromissos que fomos assumindo com todos os nossos stakeholders. Garantimos o controlo do nosso próprio destino através desta capacidade conjunta de imaginar o futuro, da ambição de crescimento, sem nunca abdicar da solidez, do rigor e da transparência.
Juntos, construímos uma história de sucesso indiscutível e que constitui um exemplo a nível mundial. Nestes anos transformámos a EDP num líder incontornável nas energias renováveis, com uma estratégia focada na transição energética, sem a qual teríamos sido conduzidos a uma total irrelevância estratégica. Garantimos uma presença global nos mercados mais competitivos do mundo, sendo hoje a EDP a maior multinacional de origem portuguesa com presença em 19 países, e sem a qual não teríamos a inquestionável pertinência que conquistámos. A naturalidade com que somos conhecidos e respeitados trouxe-nos a capacidade e a responsabilidade de intervir num dos temas mais estruturantes deste século. Exemplos disso mesmo são a presidência da Associação das Companhias Eléctricas na Europa e a contribuição para a redefinição da política energética .
Nos últimos quinze anos, a capitalização bolsista da EDP duplicou, tendo hoje o grupo as duas maiores empresas cotadas na bolsa de Lisboa, que representam em conjunto mais de metade do valor agregado deste índice. Sendo um player de incontornável relevância internacional, investimos neste período 34 mil milhões de euros, dos quais mais de 20 mil milhões na área das renováveis, sendo que mais de 11 mil milhões o foram em Portugal. Compreendendo cedo o novo papel das empresas numa sociedade mais exigente e que se quer mais justa e inclusiva, assumimo-nos ainda, num exercício de maturidade, como um verdadeiro agente de transformação social ao sermos um motor da inovação e da cultura nos principais mercados onde actuamos, em particular no nosso País, onde somos o maior investidor empresarial nestas áreas decisivas.
Todo este caminho só foi possível pela qualidade e talento de uma grande equipa, com colaboradores de mais de 44 nacionalidades, em que me permito destacar o crucial papel dos membros dos órgãos de gestão, e pela permanente confiança e demonstrações de apoio que nos foram sempre dadas de forma inequívoca pelos nossos accionistas.
E sublinho aqui: a gratidão que sinto pelo privilégio ímpar naquela que tem sido a mais completa experiência de transformação empresarial na minha vida; o orgulho pela convicção de que o trabalho está feito e que foi feito por todos nós na EDP; a certeza de que o que construímos representa, provavelmente, o maior caso de sucesso de uma empresa de Portugal no mundo.
Sempre procurei fazer com que todos déssemos o melhor de nós, preservando sistematicamente os limites que nos são impostos pelo bom senso, pela lei e pelos valores éticos e morais sem os quais nem eu nem a EDP sabemos viver.
Em Junho de 2017, fomos confrontados pela primeira vez com o apelidado "processo dos CMECs", vindo depois a saber que este tinha começado em 2012 com uma denúncia anónima e tinha já cinco anos de investigações. O mesmo processo que veio a conhecer em Julho de 2020 incompreensíveis desenvolvimentos. É com profunda indignação e espanto que nestes últimos mais de três anos continuo a assistir ao desenrolar de um processo baseado em insinuações e suspeitas, alicerçado numa construção fantasiosa e puramente especulativa, sem qualquer aderência à verdade dos factos.
Toda a nossa atuação - a minha e a da equipa - ao longo destes anos, foi na persecução dos interesses da EDP, no estrito cumprimento dos nossos deveres legais e obrigações perante todos os stakeholders , desde logo e sempre do próprio Estado Português, nomeadamente enquanto foi nosso principal accionista. Todas as decisões foram aprovadas de forma unânime pelos órgãos competentes da EDP. Todas as questões levantadas foram clarificadas, e aceites como tal, não só por estudos, mas sobretudo por validações e decisões de entidades independentes, com destaque para a Comissão Europeia, no que diz respeito à adopção do regime dos CMECs, assim como a extensão do Domínio Hídrico. Sempre no contexto de cada momento e no rigoroso cumprimento da lei.
A consciência do que fizemos e a realidade dos factos, justificam que nos sintamos absolutamente tranquilos no que se refere à resolução deste processo, ainda em fase de investigação.
Não posso deixar de destacar aqui o apoio e clareza dos órgãos de gestão e fiscalização da EDP, que, após análise profunda de todos os temas, confirmaram a inexistência de qualquer benefício ilegítimo para a companhia ou de qualquer conduta por parte desta ou dos seus representantes não conforme com a lei. Isso mesmo foi partilhado com o mercado em diferentes momentos do tempo, através de comunicados, nomeadamente logo em Junho de 2017 e mais recentemente em Setembro de 2019 e em Julho de 2020.
Por último, assinalo ainda o termos sido eleitos para o actual mandato, 2018-2020, já com o mencionado processo em curso, o que revelou, de novo, a confiança dos accionistas nos factos que falam por si, nas pessoas e na lisura da sua actuação.
Mesmo neste cenário de adversidade, nestes últimos três anos e sob a minha liderança, a EDP reforçou o seu crescimento internacional, alargou mercados, reforçou a sua estrutura de capitais. Num tempo excepcionalmente exigente e difícil soubemos manter o rumo da empresa. Desde Março de 2019, momento da última actualização do nosso plano estratégico, a EDP viu uma valorização de quase 60%, tendo a EDP Renováveis mais do que duplicado o seu valor, num período em que o índice do sector europeu das utilities valorizou 30% e o índice português sofreu mesmo uma evolução negativa. Ficou uma vez mais clara a capacidade da EDP criar futuro e de se reinventar com um conjunto de operações ímpar na história da companhia.
A qualidade desta equipa de gestão e o talento na empresa, que bem conheço, são indiscutíveis e continuarão a marcar a diferença. O processo de transformação da EDP na liderança da transição energética é irreversível.
Em Julho de 2020, oito anos de investigação volvidos e sem quaisquer factos novos, procedeu-se a uma aplicação injustificada de novas medidas de coacção, com destaque para a suspensão das minhas funções, legitimamente conferidas pelos accionistas da empresa, que é desde 2012, recordo, uma empresa privada. Este facto, que ilegalmente me impede de trabalhar, de exercer o meu actual mandato na EDP desde Julho último, o estarmos a um mês do seu final, aliados a uma investigação artificialmente arrastada, levam-me a considerar que é tempo de mudar.
Senhores Presidentes, venho assim, após profunda reflexão, dar nota da minha indisponibilidade para integrar qualquer lista candidata ao novo mandato que se iniciará em Janeiro de 2021.
Faço-o independentemente da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal de Relação de Lisboa no tocante ao recurso que foi interposto relativamente às medidas de coacção aplicadas há quase seis meses atrás. Caso, como se espera, a Relação de Lisboa venha a reverter as medidas de suspensão de funções terei como intenção, como já o demonstrei, contribuir para esta transição, que permite que a EDP desenvolva, sem sobressalto, todo o enorme potencial identificado e em plena execução, dando sequência ao trabalho feito até hoje e que é amplamente reconhecido pelo mercado.
Manterei, como não poderia deixar de ser, a minha completa determinação em que fiquem taxativa e indubitavelmente demonstradas a inexistência de quaisquer benefícios ilegítimos para a EDP, bem como a legalidade de todas as decisões tomadas.
Quanto ao futuro, só poderei estar associado a desafios profissionais em novas áreas que tragam aquilo que temos sabido fazer: contributos importantes para um mundo mais sustentável do ponto de vista ambiental, económico, social e cultural. De uma coisa estou certo: nunca serão conflituantes com os interesses e projectos da EDP.
Termino da mesma forma como comecei.
Há decisões difíceis na vida e esta é, seguramente, a mais difícil da minha vida profissional, acima de tudo por resultar de um contexto de incompreensível injustiça. Mas tomo-a pensando na EDP e em quem sempre confiou em mim - os nossos clientes e os nossos parceiros, mas sobretudo, as quase 12.000 pessoas que são a força desta empresa, que sempre corresponderam às minhas expectativas e sempre me inspiraram, e os mais de 100 mil accionistas que nela acreditam e os accionistas de referência que, para além de acreditarem, pela sua actuação têm sido decisivos para o sucesso da companhia.
Senhores Presidentes, esta é uma carta que poderá parecer longa mas que será sempre curta perante tudo aquilo que teria para dizer e partilhar. Mas algo seguramente transparecerá nestas linhas: foi uma verdadeira honra estar por cinco mandatos, ou seja quinze anos, à frente dos destinos desta excepcional empresa, cujo carácter, propósito e impacto nos orgulha.
Deixo uma palavra final a todos - obrigado.
António Mexia "
atualizado às 19.48