António Mendonça: "É necessário que a utilização dos fundos do PRR produza resultados"
Dia 30 há eleições legislativas. Como convencer um abstencionista a ir votar?
A abstenção tem sempre lugar em todos os processos eleitorais democráticos, em que o voto não é obrigatório. Nas condições atuais, o efeito covid também é uma grande incógnita, não obstante todas as medidas tomadas para mitigar os impactos em termos de participação eleitoral. Em qualquer caso, penso que a decisão de abstenção tem mais a ver com uma acumulação de insatisfação e de impotência relativamente à evolução económica do país nos últimos anos. É necessário que os potenciais abstencionistas se convençam que estas eleições são importantes para o seu futuro e para o futuro do país e que o seu voto pode ser decisivo. E que o podem fazer com segurança.
Na sua opinião o que seria melhor para Portugal: um governo de maioria absoluta ou de coligação entre vários partidos?
Não tenho uma opinião definida, à partida. Em qualquer caso, serão os cidadãos eleitores a decidir, em primeiro lugar. Depois caberá ao vencedor saber ler os resultados e agir em conformidade. O país necessita de um governo estável, de uma visão de médio/longo prazo e de apoio parlamentar em conformidade. A negociação faz parte da democracia.
Qual a primeira medida na sua área que o governo deveria tomar?
Tenho sempre resistência em responder a perguntas deste género, porque uma ação governativa não se faz com um somatório de medidas avulsas. Este tem sido um dos principais problemas do país nas últimas duas ou três décadas. Deve existir, em primeiro lugar, uma definição estratégica coerente e nesse quadro as medidas ganham sentido e articulam-se umas com as outras. Destacaria, nesta perspetiva, uma reforma fiscal orientada para o crescimento, conciliando recuperação de rendimentos das classes médias com incentivos à inovação e capacitação empresarial. Obviamente sem perder a perspetiva da sustentabilidade orçamental.
E qual a primeira medida para o país, em geral?
Ainda na perspetiva do crescimento, um pacote de medidas orientadas para a valorização e retenção da juventude em Portugal, cada vez mais qualificada e cada vez menos reconhecida em termos profissionais. Medidas de natureza fiscal, de apoio à habitação, de redução da precariedade laboral, de incentivo à valorização profissional. E também medidas de apoio à constituição de família, se queremos aumentar a natalidade do país.
O PRR pode mudar o país? Qual a sua expectativa em relação à execução do PRR durante esta legislatura?
Pode mudar o país, sem dúvida. Mas é necessário que a utilização dos fundos produza resultados. Dependerá também do que se passar na economia europeia e na economia mundial. Em larga medida o PRR está definido, mas há muito trabalho a fazer em matéria de acompanhamento e de desenvolvimento de sinergias. A sociedade, as instituições, os agentes económicos e os cidadãos em geral, devem estar atentos e acompanhar a execução do plano. A Ordem dos Economistas terá de ter aqui um papel fundamental.
Fiscalidade: o novo governo deve baixar primeiro os impostos às famílias ou às empresas? Qual das soluções trará mais rápido crescimento ao país?
Como já se disse antes, o país necessita de uma reforma fiscal integrada e orientada para o crescimento. Mas esta reforma só por si não é a panaceia para todos os problemas que afetam a economia portuguesa nas últimas duas ou três décadas. Deve ser articulada com outras medidas de política económica, designadamente o reforço do investimento público, incentivos ao investimento privado e atração de investimento externo.
Escolha dois ou três políticos da História de Portugal (que não sejam candidatos a estas eleições) e que continuam a ser uma inspiração para si?
Enquanto economista, particularmente quando penso nos desafios que temos pela frente, não posso deixar de olhar para o Marquês de Pombal ou para Fontes Pereira de Melo, homens que estiveram à frente do seu tempo. Mas, mais recentemente, acho que posso referir o General Ramalho Eanes, pelo contributo que deu à estabilização democrática do país, ou Mário Soares, pela intuição política e pela tenacidade e capacidade de luta que demonstrou até ao fim da vida.