A política portuguesa é dada a construir pontes, ou seja, ao esforço de negociação e compromisso que permita aproximar o que o espectro partidário separa? António Costa Pinto não tem dúvidas na resposta. Esta é "uma marca que, ao contrário do que se possa pensar, se deve associar à política nacional. Se virmos as pontes enquanto modelos de compromisso entre partidos políticos, à direita e à esquerda, se considerarmos as pontes como propostas e negociações que dão origem a compromissos políticos, sim, podemos falar de pontes na democracia portuguesa". Aliás, "começaram bem cedo, logo na fase de consolidação democrática, em que muitas vezes a ausência de maiorias estáveis forçou os partidos a realizar compromissos de governação"..Para o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, "sob o ponto de vista de funcionamento do sistema democrático foram alguns poderes internacionais os primeiros a forçar os partidos a realizar pontes", de que é exemplo a "coligação anticomunista PS-PSD-CDS". "Num certo sentido, historicamente, essa primeira ponte da democracia é feita em 1975, em parte sob a direção de Mário Soares", diz António Costa Pinto. Mas há outro nome dos primeiros anos da democracia portuguesa que o politólogo evoca como um fazedor de pontes - o Presidente da República Ramalho Eanes.."Sem dúvida nenhuma, o primeiro, em grande parte forçado - estávamos numa conjuntura de semipresidencialismo, em que o Presidente da República tinha poderes reforçados por comparação com os que tem hoje -, foi Ramalho Eanes, ao tentar condicionar coligações eleitorais e mesmo chegando a apresentar governos independentes. Isto num primeiro momento, depois as tensões com os partidos fizeram que isso, de alguma forma, desaparecesse.".Mas esta é uma marca que atravessa a política portuguesa. "Ao contrário do que pensamos, no dia-a-dia do Parlamento existem muitas propostas negociadas", em que os partidos constroem pontes entre si, muitas vezes com o espectro oposto do sistema político - não confundir com coincidências ocasionais de posição que, sobretudo na atual composição do Parlamento, resultam por vezes em maiorias de geometria tão variável quanto improvável e nas hoje famosas "coligações negativas". Mas estas "são posições coincidentes a propósito de políticas concretas", não convergências que resultem de um esforço de compromisso..Pontes são outra coisa. António Costa Pinto dá um exemplo "claro": o que foi senão uma ponte aquilo que Jerónimo de Sousa lançou na noite de 4 de outubro de 2015 quando, no discurso após as eleições legislativas, disse que o PS tinha todas as condições para formar governo, repetindo nos dias seguintes que os socialistas só não formariam governo se não quisessem? O que veio a ser a geringonça - o acordo de legislatura estabelecido a pares entre o PS, o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV - era a "ponte que faltava fazer na política nacional", diz o politólogo, pondo então fim a "um velho lastro da democracia portuguesa".."Todo o passado da política portuguesa apontava para essa clivagem muito dura. Primeiro entre o PS e o PCP, depois entre o PS e o Bloco de Esquerda. Convém não esquecer quem derrubou o governo do engenheiro Sócrates [em 2011]", lembra o professor e investigador da Universidade de Lisboa, sublinhando que o compromisso assumido no final de 2015 parecia tão improvável à luz da história das últimas quatro décadas e meia que "apanhou a direita e a própria sociedade de surpresa"..Razão e consequência desse compromisso, se há um fazedor de pontes na política portuguesa da atualidade, não sobram dúvidas quanto ao nome a escolher: "É António Costa com a geringonça, isso está marcado como um ponto de mudança de governos em Portugal.".As pontes entre a política e os negócios.Há outras "pontes" de que se pode falar na política ou talvez o mais correto seja falar em travessias - e muitas foram sendo, nas últimas décadas, do mundo da política para os negócios. É um "movimento perfeitamente evidente", diz António Costa Pinto, que ocorria "tradicionalmente mais à direita do que à esquerda do espectro político", uma distinção que se "se dissolveu" nas últimas décadas..Este é um problema, argumenta o politólogo, que "remete muito mais para as atividades de lóbi informal do que para as atividades formais": "A falta de transparência, a promiscuidade, dá-se sobretudo na dimensão informal." E Portugal tem como fazer frente a este vaivém? "No geral, o país tem adotado a legislação europeia, que também existe noutras democracias. Mas não é possível que seja a legislação a assegurar a integralidade" da resposta a este problema. "Senão chega-se ao paradoxo absolutamente ridículo do sobrinho que não pode candidatar-se a concursos públicos porque o tio é secretário de Estado. Isso mostra a insustentabilidade dessa opção legislativa", defende António Costa Pinto, apontando antes para a eficácia da censura social e para a autonomia dos tribunais como marcas primeiras dessa vigilância.