Antigo militar argentino condenado em Espanha
A justiça espanhola condenou ontem um antigo militar argentino a 640 anos de prisão por crimes contra a humanidade, detenções ilegais e torturas graves durante a ditadura na Argentina (1976 a 1983). O ex-capitão de corveta Adolfo Scilingo tornou-se o primeiro membro do antigo regime militar a ser condenado, sem ser à revelia, no estrangeiro. "É uma sentença histórica", disse o advogado dos familiares das vítimas, Carlos Slepoy.
A Audiência Nacional, a mais alta instância judicial em Espanha, considerou Scilingo responsável pela morte de 30 pessoas. Por cada uma das suas vítimas, o ex- -militar foi condenado a 21 anos de prisão e pelos outros crimes a dez anos, chegando o cúmulo jurídico a 640 anos. Contudo, segundo o Código Penal vigente em Espanha desde 1973, a sentença efectiva será de 30 anos. Destes, Scilingo já cumpriu quatro, esclareceu o juiz Fernando García Nicólas.
O antigo capitão de corveta, de 58 anos, esteve durante cerca de um ano a trabalhar na Escola de Mecânica da Armada (Esma), um dos maiores centros de detenção e tortura do regime militar argentino. Apenas neste centro - um em mais de 300 - estiveram detidos cinco mil dos 30 mil "desaparecidos" durante a ditadura do general Jorge Rafael Videla.
Durante esse tempo, Scilingo (na altura um jovem tenente de 30 anos) terá feito parte dos "grupos de acção" encarregues de raptar, torturar e fazer desaparecer os detidos. Em 1997, o ex-militar reconheceu ter feito parte dos "voos da morte" perante o juiz espanhol Baltasar Garzón, encarregue da investigação de torturas e assassínios de cidadãos espanhóis na Argentina. Aquilo que era um simples testemunho acabou na sua detenção.
Numa entrevista ao jornalista Horatio Verbitsky, em Fevereiro de 1995, Scilingo tinha já contado como se procedia às execuções de prisioneiros políticos estes eram drogados, despidos e depois lançados de aviões sobre o oceano Atlântico. Na mesma entrevista, tal como perante Garzón, relatou que na Esma - que apelidou de "campo de concentração" - havia salas de parto onde nasciam os bebés das detidas, que eram depois roubados e entregues a famílias de adopção.
Contudo, perante a Audiência Nacional, Scilingo disse estar inocente de todos os crimes. Durante o julgamento, que contou com vários testemunhos emotivos de antigas vítimas, o ex-militar somente reconheceu ter visto de passagem uma jovem grávida e insistiu que nunca integrou os "grupos de acção". Para nunca esquecer o "combate contra a subversão" da ditadura argentina, a Esma deverá acolher em breve o Museu da Memória.
Scilingo estava também acusado de genocídio, mas o tribunal considerou "mais adequado" alterar a acusação para crimes contra a humanidade. Esta sentença poderá criar jurisprudência a nível internacional, já que pela primeira vez alguém foi considerado culpado por crimes contra a humanidade num tribunal nacional e não numa audiência criada especialmente para o caso - como acontece com o Tribunal Penal Internacional de Haia, para a ex-Jugoslávia.
Scilingo foi ainda o primeiro ex--militar argentino a ser julgado presencialmente no estrangeiro. Outros, como os antigos generais Guillermo Suárez Mason e Santiago Riveros ou o ex-militar Alfredo Astiz, foram condenados "em ausência" a prisão perpétua em Itália e França, respectivamente.
reacções. Quando o julgamento terminou ouviu-se do meio da audiência "Assassino, apodrece..." As reacções do advogado que representou os familiares das vítimas foram mais prudentes. Mostrando-se satisfeito com a sentença, apesar da reserva por Scilingo não ter sido considerado culpado de genocídio, Carlos Slepoy disse que esta foi a "coroação de um longo processo e uma sentença que tem um carácter histórico".
Para a Amnistia Internacional, esta condenação é "uma mensagem clara" para lembrar aos suspeitos de crimes de guerra que "não têm fuga possível". Já para as Avós da Praça de Maio, que todas as semanas se manifestam na praça central de Buenos Aires, é "maravilhoso" que se tenha condenado "este delinquente".