Antes do brexit, o zexit: o fim da linha aproxima-se para Zuma

A saída de cena do controverso Jacob Zuma estará por dias. O vice-presidente e líder do ANC, Cyril Ramaphosa, está a ultimar as negociações para assumir a presidência
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Fraude, corrupção, lavagem de dinheiro e extorsão: uma multimilionária compra de armas, em 1999, quando era vice-presidente, voltou do passado para assombrar o mais controverso líder de África do Sul desde o fim do apartheid. As contas a prestar à Justiça e o dinheiro para pagar as contas durante a reforma serão os temas que agarram Jacob Zuma à cadeira do poder. Neste momento é quase consensual que a dúvida não é se o presidente vai cumprir o mandato, mas quando sai de cena. À imagem dos britânicos na União Europeia, o processo foi cunhado de zexit.

Dizem os sul-africanos que Jacob Zuma está a provar do seu próprio veneno. Em 2008, forjou a queda do presidente Thabo Mbeki meses antes do fim do mandato. "A decisão não foi tomada de ânimo leve, mas teve de ser tomada no interesse de fazer avançar o país. Como partido no poder, precisamos manter a confiança do nosso povo no ANC e no seu governo. Uma vez que esse nível de confiança enfraqueceu, o ANC não tem alternativa senão agir", anunciou no final de uma reunião da comissão executiva nacional. Na prática, Zuma, que chegara à liderança do Congresso Nacional Africano vencendo Mbeki, estava a tirar o tapete ao presidente.

Dez anos volvidos, é a vez de Zuma ser vítima do atual líder do ANC, Cyril Ramaphosa. Vencedor da eleição que o opunha a uma ex-mulher de Zuma, Nkosazana Dlamini-Zuma, num atribulado conclave que decorreu em dezembro, Ramaphosa, que é também o vice-presidente do país, não esconde a ambição de tomar as rédeas da presidência o quanto antes.

Ramaphosa terá querido usar o púlpito do discurso sobre o estado da nação, que se realiza no Parlamento, para se dirigir pela primeira vez aos compatriotas enquanto presidente. No domingo, os dirigentes de topo do partido encontraram-se com Jacob Zuma para o convencerem a sair. O tesoureiro do partido, Paul Mashatile, contou numa reunião - cujo conteúdo foi revelado pelo News24 - que Zuma perguntou "o que é isso de transição"aos seis homens do ANC. "Estávamos a dizer ao presidente que não queremos dois centros de poder. Queremos que o presidente Ramaphosa tome o controlo não só do ANC mas também dos assuntos do Estado. E nós fomos muito claros sobre isso", contou Mashatile. Ao que o presidente terá respondido: "Não vou a lugar algum, vocês não me convenceram, portanto eu não vou renunciar. Podem informar a comissão executiva nacional de que eu não vou demitir-me."

Em consequência, o discurso do presidente foi adiado sine die e uma reunião extraordinária da comissão executiva do ANC foi cancelada.

Apesar de ser um presidente com um currículo carregado de controvérsias, e de deter baixa popularidade, em especial nas zonas urbanas, Zuma mantém - ou mantinha - um largo grupo de fiéis no Congresso Nacional Africano.

Na quarta-feira, Cyril Ramaphosa anunciou no Twitter que tinha iniciado "negociações diretas sobre a transição e assuntos relacionados com o cargo de presidente da República". Conversações que rotulou de "construtivas". Ontem, o vice-presidente dirigiu-se ao grupo parlamentar do ANC e assegurou que as discussões com Jacob Zuma devem concluir-se "num ou dois dias".

Um dos temas que tem sido alvo de aceso debate e especulação é se as negociações incluem imunidade para o ainda chefe de Estado. "[Ramaphosa] Foi categórico ao dizer que não pode envolver-se em nada ilegal ou comprometer-se com Zuma em qualquer coisa que não seja da jurisdição do poder executivo", disse um deputado ao News24. As informações dadas pelos parlamentares foram desmentidas pela porta-voz do líder da bancada do ANC.

As condições financeiras com que Zuma ficará é o outro tema que o Huffington Post garante estar em cima da mesa. O site lembra que as quatro mulheres com quem está oficialmente casado, bem como os 21 filhos, representam um pesado encargo.

A luta partidária extravasa o maior partido sul-africano. O anticapitalista EFF, de Julius Malema, anunciou que os partidos da oposição estão a discutir uma data para uma manifestação nacional para forçar a demissão de Zuma. O EFF também quer agendar para terça-feira uma moção de censura no Parlamento.

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