"Antes de ser Avô Cantigas gravei um álbum de rock progressivo chamado Changri-la"

Entrevista a Carlos Alberto Vidal, o Avô Cantigas, uma personagem nascida no Passeio dos Alegres, na RTP, e prestes a celebrar 37 anos. Agora com 64 anos, o cantor já não precisa de pintar o bigode nem as sobrancelhas, mas ainda espera que os dois filhos lhe deem netinhos de verdade. No início da carreira, experimentou vários géneros musicais e em 2019 vai haver um álbum que promete surpreender. Hoje atua em Lisboa, na Praça do Município, nas Histórias de Natal do DN/KIA.
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Sei que o Carlos Alberto Vidal tem 64 anos, e o Avô Cantigas quantos tem?

36 anos!

Foi criado como personagem quando?

Em 1982, a 24 de janeiro. O avô cantigas tem 36 anos, quase 37. Estamos no fim de dezembro, para o mês que vem faz 37 anos. Nasceu num programa de televisão, no Passeio dos Alegres, que teve um sucesso estrondoso, conduzido pelo Júlio Isidro e da sua autoria, e penso que também está aí no sucesso do programa alguma da explicação para esta longevidade do Avô Cantigas, porque pode-se dizer que tive um lançamento estrondoso.

O que é que o Carlos fez nos 27 anos da sua vida pré-Avô Cantigas ? Onde é que nasceu, o que estudou e como é que entrou na vida musical?

Nasci na Lousã, onde vivi até aos 11 anos. Fiz lá a escola primária e o princípio dos estudos a seguir à primária. Sofro, ainda hoje, influências desses anos da minha vida, porque foram anos em que vivi num espírito provinciano que moldou a minha personalidade no que diz respeito ao apreciar a natureza.

E aos 11 anos vem para onde?

Vim viver para Cascais porque os meus pais, na procura de uma vida melhor tanto para eles como para mim, que sou filho único, decidiram aproveitar uma oportunidade de emigrar para a cidade e foi em boa hora porque provavelmente se tivesse continuado na Lousã não sei o que teria sido a minha vida, se teria sido artista ou não. A verdade é que já na infância mostrei tendência para gostar da música e cantar, imitava os artistas famosos de altura ao espelho, participava na festa de Natal onde o meu avô e a minha mãe trabalhavam, uma fábrica de papel que ainda hoje existe. Tinha aquela queda para já ser um miúdo pequenino que de forma muito engraçada subia para o palco e cantava umas canções.

Não havia ninguém na família com tradição musical?

Não. O meu avô materno tocava na banda filarmónica da Lousã, posso ter herdado dele o jeito para a música, mas depois ao vir para a cidade essa tendência continuou a manifestar-se e aí sim, tive a oportunidade de começar a entrar de forma mais vinculativa nesse pormenor da minha personalidade, que era esse de gostar de música. Estudava nos Salesianos do Estoril e participava em todas as atividades extracurriculares, e havia muitas. Havia uma banda, eu tive de entrar, e também entrei em peças de teatro. Fiz ainda, sem completar o curso, o Conservatório. Estive lá quatro anos e não acabei porque entretanto gravei o meu primeiro disco e partir daí fui um mau aluno.

Tinha que idade quando gravou esse disco?

Foi dos 17 para os 18 anos.

Que música era?

Era música popular. Música ligeira que entrava facilmente no ouvido do público, alguma sátira à mistura. Lembro-me de que a minha primeira canção se chamava A Filha da Tia Anica, que retratava a imagem das raparigas muito resguardadas pela família dentro de casa mas que tinham o sonho de se expandir. As mulheres, naquela altura, eram bastante oprimidas e essa canção falava dessa opressão.

Estamos a falar de 1973. Não teve a tentação, com o 25 de Abril de 1974, de música mais revolucionária?

Não em termos de gravar discos com essa característica de intervenção, no entanto deixei-me tocar, e muito, pelos cantores de intervenção que de certa maneira também foram uma escola para mim. Toco guitarra e na altura aprendi inúmeras músicas do Zeca Afonso, do Fausto, do Zé Mário Branco. Ainda hoje sou grande apreciador desse tipo de música e dou muito valor à atitude que esses artistas tiveram porque foram veículos para uma luta pela liberdade que hoje muito prezo e à qual também a eles lhes agradeço, porque com a sua arte também eles foram revolucionários ativos - que eu nunca fui mas estive sempre ao lado deles, sempre.

A partir dessa gravação do primeiro disco, dava para viver da música?

Consegui porque tive a sorte de o meu primeiro disco ter tido boa aceitação pelo público, caí nas graças do público. Sem ficar espampanantemente famoso, fiquei com uma certa dose de fama, uma boa dose. Entrou muito a canção da Tia Anica e essa popularidade levou a que tivesse logo nessa altura os primeiros convites para programas de televisão e espetáculos.

Lembra-se do primeiro programa a que foi na televisão?

Sim, era com o Fialho Gouveia e chamava-se Movimento. E lembro-me do meu primeiro espetáculo que foi no Algarve, em Quarteira.

Uma multidão?

Quer dizer, sim e não. Naquela altura não havia esta coisa de milhares e milhares de pessoas mas correu bem e foi um incentivo para continuar. Considero-me um artista que não tem motivos para frustração porque quando subo ao palco a coisa resulta sempre bem. As pessoas gostam de mim, tenho o carinho do público e eu, com a minha arte, dou o melhor que sei.

Depois desse sucesso inicial houve algum momento menos bom que o forçou a pensar na personagem do Avô Cantigas?

Nunca pensei que precisava de criar algo novo para ter um upgrade na minha carreira porque ela corria bem. Andei nove, dez anos a gravar discos e a fazer espetáculos e não havia necessidade de mudar nada. Porque é que houve essa mudança? Tem uma explicação: eu era artista da Polygram, hoje Universal, e numa das festas de Natal da empresa, eu e outros artistas da casa fomos convidados, depois dos comes e bebes, a fazer uma brincadeira. Eu, que já tinha tido um convite do Júlio Isidro para participar num programa que ele tinha para crianças, chamado Arte e Manhas, saí-me muito bem nesse programa, mas era uma perninha, não era porque quisesse estar a querer iniciar outra trajetória. Era um cantor de música não para crianças que foi convidado em jeito de brincadeira para fazer uma coisa dedicada às crianças, e então saí-me tão bem que depois fui várias vezes ao programa. Também na altura em Cascais havia uma dupla de palhaços, chamada Croquete e Batatinha, eram amigos meus e convidaram-me para trabalhar com eles num programa de televisão que eles tiveram na altura, chamado Palhaços à Solta. Ou seja, de repente vi-me envolvido em trabalhos para crianças. Quando depois dessa festa de Natal, como já tinha essas experiências, cantei algumas dessas canções, revelei ali uma grande facilidade de contacto com as crianças, saí-me muito bem. Um dos funcionários disse-me que devia fazer coisas para crianças, para fazer uma coisa mais a sério e não tão avulso, como estas que fazia, que tinham data para terminar porque a minha carreira continuaria normalmente com um novo disco de música ligeira. E eu pensei "porque não?" e isso coincide com esta coisa. A vida das pessoas explica-se pelos acasos. Nada estava programado, mas o programa Passeio dos Alegres estava a ter um sucesso estrondoso, tão grande era esse sucesso que as crianças também viam o programa, nos domingos à tarde. O país parava. Mas não havia um momento no programa que fosse inteiramente dedicado às crianças, mas como o Júlio Isidro já me conhecia, como na editora tinham reparado que tinha jeito para trabalhar com as crianças, mais a experiência dos Palhaços à Solta, que teve muito sucesso e nos deu muita popularidade nessa área, tudo se juntou de uma forma que levou a que esse funcionário da Polygram, que se chamava Pedro Oliveira, me tivesse sugerido a criação de uma personagem. Acabámos esse almoço em que tivemos essa conversa e voltámos para a editora, que nessa altura tinha o António Pinho como responsável pelo repertório nacional. Aí eu e ele invenámos o Avô Cantigas. Veja lá a minha sorte de me estrear num programa de tanto sucesso... de repente transformei-me numa estrela. Aparecia todas as semanas a cantar uma canção diferente para as crianças e essas canções deram origem ao primeiro disco do Avô Cantigas em 1982.

Um sucesso logo?

Um sucesso muito grande. Virei uma estrela, que não era. Naquela altura estrelas eram o Paulo de Carvalho e o Rui Veloso.

De repente, é uma figura que toda a gente conhece em casa?

Toda a gente conhece em casa e na área infantil, naquela altura, era o maior. Estamos a falar de um avô cantigas de 27 anos!

Como é que se caracterizava?

Como comecei por aparecer na televisão tinha as caracterizadoras da RTP. O cabelo não pintava porque tinha uma cabeleira grisalha. Pintava as sobrancelhas, as pestanas, as patilhas, o bigode, e depois vestia as tradicionais jardineiras do Avô Cantigas, com uma camisa aos quadrados, um cachimbo, um cavaquinho. Depois o cachimbo tiramos da personagem porque não era um bom exemplo. Também tirei o cavaquinho uns anos depois porque sempre fui um avô muito moderno.

A primeira música de sucesso foi...

"Eu sou o Avô Cantigas, todas as crianças são minhas amigas".

Não havia nenhum miúdo que reparasse que não parecia um avô?

Os miúdos acreditavam, os pais é que notavam que estava ali a compor uma personagem de forma teatral. Aliás, quando essas crianças ficaram mais adultas, disseram-me "nem sabe a deceção que tive quando me apercebi de que o Avô Cantigas não era de verdade, era um jovem que se mascarava". Mas era uma deceção com conta, peso e medida. As pessoas continuaram a gostar e não me rejeitaram por isso. Curiosamente, a minha carreira viria a ter a longevidade suficiente para que eu hoje, já sem me caracterizar, possa continuar a ser o Avô Cantigas.

Depois desse sucesso inicial, quais foram as músicas que foram dando novo fôlego?

A seguir gravei dois singles que correram bem e foi o suficiente para manter a carreira viva. Cinco anos depois de iniciar o Avô Cantigas gravo um álbum chamado Histórias do Corpo Humano, esse sim com um sucesso espetacular que me deu balanço para mais uns anos. Depois gravei o álbum Planeta Azul, a convite da Secretaria de Estado do Ambiente. Faço esse álbum que também sai muito bem e toda esta popularidade depois foi uma bola de neve. Como as coisas correram bem e era muito popular era muito solicitado. A imprensa era o combustível que fez com o que Avô Cantigas cada vez engrandecesse cada vez mais a sua popularidade.

Tem dois filhos. Como é que duas crianças que são filhas de Carlos Alberto Vidal e netos do Avô Cantigas viviam com isto?

Só tive o meu primeiro filho depois de iniciar o Avô Cantigas. Quando ele nasceu, enquanto bebé nem tinha noção do pai que tinha. Quando começou a ter noção, com 3 aninhos, já o Avô Cantigas ia em velocidade de cruzeiro.

Ele não achava estranho ver o pai na televisão vestido daquela maneira ou não reconhecia?

Reconhecia, já tinha essa noção. Penso que não achava estranho porque começou a perceber que era eu, o pai dele. Quando eles cresceram, já com 9, 10 anos, tinham uma adoração especial pela figura do Avô Cantigas, tinham uma relação muito bonita. Eles eram de certa maneira pessoas das quais me servia para fazer testes. Quando estava a compor as canções em casa eles eram os primeiros a ouvir e eles acabavam por aprender as canções e faziam-me notar quais auelas de que gostavam mais.

Havia também uma Avó Cantigas, certo?

Sim, era a mãe deles. Chamamos-lhe Avó Cantigas porque era a minha mulher na altura mas ela nunca adotou esse título. Era só uma brincadeira, ela era professora.

O Fantasminha Brincalhão, grande sucesso, é de quando?

É de 2007.

Já é numa fase avançada do Avô Cantigas

De 1982 a 2007 vão os anos que foram preciso passar para que surgisse esse outro grande mega sucesso, que embora tivesse tido sucesso com outros álbuns, este foi um nível diferente. Eventualmente já muitos anos depois de começar o Avô Cantigas eu poderia pensar que estava a chegar a uma altura em que podia gravar um disco como Crlos Vidal, mas não. Edita-se o Fantasminha Brincalhão e foi uma coisa estrondosa.

Tem ideia do número de CD que vendeu?

Tenho. Posso dizer que o álbum Fantasminha Brincalhão, nesse ano, foi o que vendeu mais em toda a música portuguesa. Estive cerca de 12 semanas em primeiro lugar do top de vendas. Na altura como havia o programa Top+, como estava em primeiro lugar todas as semanas passavam o meu vídeo, o que veio ajudar ao sucesso. Hoje tem milhões e milhões de visualizações no YouTube. E a forma como descolei do primeiro lugar também foi muito lenta porque depois fiquei em segundo e terceiro lugar muitas semanas. Só sei que o disco esteve cerca de uma ano no top. Se hoje ainda existo como Avô Cantigas devo obviamente ao conteúdo do meu repertório que foi muito bem pensado, e tenho de me valer pelos valores que transmito e pela qualidade do meu trabalho, mas com uma ajuda espetacular desses grandes sucessos.

O Carlos hoje em dia continua a viver da música. São mais os espetáculos do que os discos?

Hoje em dia é mais assim. Os discos vendem-se cada vez menos, a indústria da música tende a passar por outros formatos, as canções compram-se na internet. No entanto a presença física do CD continua a ser importante, como os livros. Podemos ler livros de forma eletrónica mas eu como leitor viciado espero que nunca desapareçam os livros para eu poder pegar-lhes.

O que é que gosta de ler?

Policiais, romances. Não consigo estar mais de dois dias sem iniciar um novo livro depois de acabar outro. É assim e o atletismo, que adoro. Gosto de correr, já fiz dezenas de meias-maratonas em provas populares, sou um atleta. Aliás sirvo-me dessa paixão pelo desporto para ter uma boa preparação física que me permita apresentar hoje, com 64 anos, um espetáculo efervescente.

E os espetáculos tanto podem ser no Coliseu dos Recreios em Lisboa como numa coletividade numa terra pequena?

Sim, aliás esses são a maioria. Eu vivo da música, não mudo de profissão desde 1973 porque sempre pude ter trabalho e ainda hoje a coisa funciona e a maior parte dos meus espetáculos são feitos na província, com comissões de festas, em festas de empresas, já apresentei musicais - o meu primeiro foi no Villaret quando o Avô cantigas fez 20 anos. Depois tive mais dois musicais no teatro Mundial, fiz outro no Tivoli há pouco tempo e agora tenho um espetáculo em que me apresento acompanhado de uma atriz que faz de minha netinha, e que é um musical que não está sediado numa sala mas que apresento nos meus espetáculos ao vivo, sejam onde forem. Não tenho motivos para frustrações. Sinto que funciono em pleno e tudo indica que está aí para dar e durar.

O Avô Cantigas, ou melhor o Carlos Alberto Vidal, ainda não é avô?

É uma curiosidade. O Paulo tem 35 anos e o Luís 31 e ainda não me deram nenhum netinho de verdade. Eu sou o avô de milhares de netinhos de norte a sul mas de sangue ainda não tenho nenhum.

Tem 64 anos, esta vida musical começou muito antes do Avô Cantigas. Tem projetos para o Carlos Alberto Vidal ressurgir musicalmente sem ser o Avô cantigas?

Felizmente faz-me essa pergunta numa altura em que tenho novidades para dar. Mas antes uma introdução: nestas quase quatro décadas de Avô Cantigas diziam-me que o Avô Cantigas tinha matado o Carlos Vidal e eu nunca senti esse impulso. Mas muitas vezes a questão era-me colocada. Agora, curiosamente, tantos anos depois, surgiu a oportunidade de fazer um trabalho não dedicado às crianças. Eu, com tantas vezes essa pergunta feita, acabei por pensar "eh pá, se calhar..." Continuei a compor outras músicas, é uma coisa que não se perde, esta veia criativa de criar canções, mas guardei-as para mim. Mas depois pensei "qual é a editora que está para me aturar numa altura em que as coisas não estão fáceis?". Então surgiu esta coisa boa que é o fundo cultural da SPA que atribui algumas verbas a alguns artistas para efetuarem trabalhos seus. Foi o próprio Tozé Brito que me disse que podia fazer isto e que talvez a SPA pudesse apoiar-me. "Porque é que não te candidatas?". A verdade é que me candidatei, a candidatura foi aprovada, já tenho terminada a produção do álbum do Carlos Vidal, que tem edição prevista para fim do primeiro trimestre de 2019. Vem aí uma experiência que talvez as pessoas mais velhas possam querer ouvir com curiosidade porque este trabalho que vou editar em nome próprio é com canções de uma vida.

De que música é que podemos estar à espera?

Música romântica. Não é uma coisa popular nem de rock. Eu gravei um álbum de rock progressivo chamado Changri-lá que está bem cotado porque é um disco de culto. Até foi reeditado há pouco tempo para baixar o preço porque ele estava bem cotado na internet, assim do género 400, 500 euors. Vamos dizer que este é um disco de afetos. Não é só romântico do ponto de vista do amor entre o homem e a mulher, mas muitas vezes o romantismo ultrapassa essa particularidade. Lembro-me de uma cantiga que vem nesse disco chamada "Luísa vai para a escola", que fala do grande romantismo de uma criança que saltitando com a sacola às costas vai para a escola desfrutando das belezas que a manhã pode trazer a uma criança.

Quais são as suas referências hoje em dia?

Sou fã incondicional do Rui Veloso, gostava muito da Lena d'Água. Gosto muito de alguns novos fadistas, desta fusão que o fado teve nos últimos anos, na nova abordagem, na nova forma de vestir o fado. Para mim o fado está no fadista e não tanto na forma como é orquestrado. Hoje em dia vivemos um tempo em que o fado está arranjado de uma maneira que foge ao fado tradicional e que tem em mim um fã.

E lá fora há alguns nomes que lhe digam mais?

Nesse aspeto tenho andado distraído em relação aos nomes. Ouço muita música na rádio, ouço as canções, aprendo a gostar delas mas depois muitas vezes não sei quem é que as canta. Mas já agora, numa outra época tive grandes ídolos, sou grande fã dos The Beatles, dos Supertramp, de Michael Jackson, Phill Collins.

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