Antena divertida

Na véspera do regresso de uma das mais famosas rubricas do éter nacional - <i>O Homem que Mordeu o Cão</i>, de Nuno Markl - o diretor da Rádio Comercial, Pedro Ribeiro, fala da liderança de audiência nas manhãs, da <i>Mixórdia de Temáticas</i> de Ricardo Araújo Pereira, da importância do humor e dos desafios para o futuro.
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Quando, pela primeira vez, a Comercial conseguiu suplantar a RFM nas audiências, em julho do ano passado, que reação sentiu?_As audiências saem de três em três meses e nós celebramos durante um dia. Depois, continuamos a trabalhar. Não aconteceu nada: tudo continua como dantes - ninguém ganha mais, tudo igual. Nesse sentido, é uma aprendizagem. Porém, quando cá chegámos, em 2003, tínhamos seis pontos e eles [RFM] tinham 16. Agora tudo se inverteu! É do caraças! Mas isso não chega... As coisas não param, eles estão a reagir e nós temos de zelar pela liderança. Isso é o mais difícil. E o que é incrível é que chegámos a líderes em períodos de menor consumo de rádio. Porque é que nesses períodos há menos gente a ouvir rádio? Porque há uma crise, menos gente a conduzir, menos trânsito. Creio que isso torna a nossa vitória ainda mais meritória.Não haverá uma obsessão com o humor nas manhãs de todas as rádios?_Sempre existiu...Mas antes era mais a chamada «boa disposição», não era?_São coisas diferentes. Penso que marcámos um caminho e um território no humor nas manhãs. Quem quiser agora ir por aí vai ter dificuldades. É difícil olhar à volta e tentar perceber quem pode ter mais piada do que o Nuno Markl, o Ricardo Araújo Pereira ou o Vasco Palmeirim. Esse território foi conquistado por nós. E essa conquista foi gradual: primeiro era apenas eu e a Vanda Miranda, depois fui buscar o Vasco e por aí adiante... O humor na Comercial foi sempre subindo patamares. As pessoas querem humor na manhã porque a vida está difícil. Ninguém gosta de acordar cedo. É uma altura do dia mesmo tramada, mas se essas primeiras horas se apresentarem de forma menos resmungona e fizerem esquecer a crise e a falta de dinheiro, então...melhor. É um serviço que nós prestamos. Um serviço gratuito. Estamos constantemente a receber e-mails de pessoal que se queixa de que o chefe lhes deu na cabeça por terem chegado atrasados e que a culpa era nossa pois as rubricas estavam demasiado engraçadas. Mas sim, todas as rádios agora têm um humorista... Só que ninguém tem os nossos...Como conseguiu convencer o Ricardo Araújo Pereira?_Eu conheço o Ricardo há muitos anos e andava sempre a chateá-lo... até que houve um dia em que aceitou. Ele por vezes comentava o programa da manhã por SMS. Nós dizíamos sempre: «Ele está a ouvir, porque é que não está aqui connosco!?» Digamos que eu fui muito insistente. E o que foi incrível é que depois ficou mesmo muito entusiasmado. A reação das pessoas surpreendeu-o! Julgava que a rádio não tinha este poder. Há uma coisa que ele diz e que me tocou e que tem que ver com o facto de já ter feito o Gato Fedorento na TV e outros programas com milhões de espetadores, mas que nunca teve este tipo de reação. Antes brincavam com ele na rua, agora agradecem. Isto faz toda a diferença. Pessoas que perderam o emprego ou que estão sem dinheiro têm-lhe confessado que às 08h15 conseguem rir... Penso que é um grande motivo de prazer para ele. Prazer e coragem, pois vem para cá todas as manhãs. Às 08h15 está hipermotivado. Às 08h18 já está: «E amanhã!? Vou falar....de quê?» Está sempre a dizer-me «como é que vamos fazer isto mais tempo, quando acabar o contrato?». Ao que lhe respondo: «Não me venhas com tretas! Vais ter de renovar. Ainda agora chegaste - isto é uma maratona...»Acabou o Mixórdia de Temáticas. O Ricardo vai continuar a colaborar com a Rádio Comercial?_Acabou a série Ribeiro. O Ricardo continua a fazer parte da equipa e continuará a colaborar com as manhãs.Há momentos enormes de publicidade nas vossas manhãs... Não será demasiado?_Isto é gratuito. O ouvinte não paga nada. Alguém tem de pagar isto. As estações estatais têm o dinheiro dos contribuintes, a RFM tem outras formas de financiamento. Claro que temos de tentar equilibrar... Mas atenção, não cuspo na publicidade. Há anúncios que até ajudam o programa, têm muita qualidade. Tentamos é equilibrar na quantidade. Penso que podemos cortar um bocadinho. Não podemos cortar muito porque é isso que paga os ordenados. Não sei quanto vale um anúncio nas manhãs nem quero saber. Não é a minha área. Da mesma maneira que não quero que o diretor comercial venha para aqui dizer para pôr este ou aquele locutor.Como é que viu o contra-ataque da RFM à vossa ultrapassagem nas audiências?_Vi da mesma forma como se deve olhar para o concorrente. Percebo que quem foi líder durante uma década e depois deixa de o ser é obrigado a reinventar-se. A postura da RFM teria de ser outra. De líderes passaram a ser desafiadores. Acho que estão a tentar fazer isso à sua maneira e já perceberam que têm um caminho diferente para trilhar. Estou a assistir a isso com o interesse que me merece... E é claro que tenho de ouvir a concorrência, faz parte da minha função.Mas não ouve de forma obsessiva..._Não... Às vezes, passam-se semanas sem ouvir, mas de vez em quando vou lá picar para ver o que lá acontece.A rádio parece estar de novo na moda. Nunca se falou tanto em estrelas de rádio..._Nos últimos dez anos, a rádio, enquanto meio, não diminuiu as audiências. Manteve-se mais ou menos na mesma. Não era tanto mediatizada porque era uma coisa que estava lá a tocar, onde não acontecia nada. Se há mérito da Comercial - e isso reclamo para nós - foi começar a criar acontecimentos. De repente, uma Caderneta de Cromos esgotou o Coliseu no Porto e em Lisboa, gajos da manhã que não sabem cantar mas esgotam o Rivoli e a Casa da Música. Além disso, a rádio soube tirar partido da net como os outros meios não tiraram. Por exemplo, a música mais partilhada do Vasco Palmeirim no YouTube tem quase um milhão de partilhas. É uma coisa absurda! É um fenómeno viral. Agora, a rádio ganhou notoriedade, coisa que não tinha.As pessoas descobriram que gostam mesmo de ouvir rádio..._Perceberam que o meio rádio é um meio de afetos. Os ouvintes gostam mesmo de quem faz rádio. As pessoas não nos querem oferecer a refeição lá no restaurante. Querem sentar-se connosco. Essa é a diferença em relação à televisão. Na rádio as pessoas querem sentar-se connosco, serem nossos amigos, com a televisão querem pagar a conta e tratar as estrelas por você. Connosco é tratamento por tu. Somos as primeiras vozes que as pessoas ouvem de manhã, há uma grande intimidade. É um diretor com uma estratégia fixa ou segue antes uma via mais assente em acreditar no instinto?_Tenho uma estratégia mas também tenho muito feeling. Temos de saber bem qual a música que o nosso público-alvo gosta e quer e o que é absolutamente fundamental ter num programa da manhã. A nossa primeira grande vitória foi a do campeonato da música. A maior parte das pessoas que escolhe uma rádio é pela música. Se não lhes dás a música certa, perdes o ouvinte...Como se acerta a música? Acertar na unanimidade..._É ir buscar o mainstream puro e duro, o que é Portugal. Saber o que as pessoas gostam à partida e, pelo meio, deixar a marca da Comercial, ou seja, arriscar em algumas coisas que não eram assim tão mainstream. Como Dave Matthews Band, uma insistência nossa. Achámos que tem tudo para ser também mainstream. O mesmo aconteceu com Florence and the Machine. Enfim, há uma série deles que vamos pondo devagarinho e que resultam...E fazem o mesmo com a música portuguesa?_Com a música portuguesa dá-se um caso muito curioso: estou muito orgulhoso com o papel que nós temos tido, sobretudo em lançar gente nova. Fomos os primeiros a tocar Rita Redshoes, Aurea, Amor Electro, Mikel Solnado, os Klepht, etc. Ajudámos muita gente a ter uma carreira. A par de ser o diretor, continua a ser um animador de rádio. Pergunta com resposta previsível: o gozo de estar no ar mantém-se?_É o que tenho mais gozo. Aliás, não tenho grande gozo em ser diretor. Fazer rádio é tudo aquilo que sonhei.Era incapaz de ser apenas o diretor?_Impossível...O que faço relativamente bem é rádio, ser diretor... bem... dou um jeito. Mas tenho mesmo de gostar de fazer rádio, pois estou no ar todas as manhãs desde 1996. Nunca tive um interregno. Nada mais dá gozo do que chegar aqui e ligar o microfone. É mágico e eu já fiz e continuo a fazer muita televisão. Não tem nada que ver uma coisa com a outra. Sou mesmo estúpido, se quisesse continuar a enriquecer tinha continuado a fazer mais televisão...Apesar de haver webcams [as manhãs da Comercial são filmadas com uma câmara fixa e podem ser vistas online] no estúdio, creio que isto não se pode chamar rádio televisionada..._Não, mas temos um projeto do qual não posso falar. Os nossos filhos e os nossos netos no futuro não vão dar relevância a um meio que se resume a um canal de áudio. A rádio não vai morrer, irá sempre existir, mas será economicamente viável e atraente para as novas gerações? A rádio terá de se reinventar hoje. Já! E cada vez mais terá de ter imagem. Mais imagem.O seu nome e imagem são muito associados à narração e ao comentário de futebol. Curiosamente, na rádio nunca comenta ou relata futebol..._Aqui na rádio não tenho de ser o índio da bola! Falo muito pouco de bola na rádio, quanto mais não seja porque é um assunto que polariza. As pessoas não têm grande poder de encaixe quando se brinca com a sua cor desportiva... Isso pode gerar animosidade e eu não quero isso. Mas as pessoas sabem qual o meu clube... Mesmo quando fiz o Euro na TVI e as narrações na SportTv, todos sabiam o meu clube - não tenho de esconder isso. Seja como for, dá-me muito gozo comentar bola. E também já fiz relatos na rádio e o gozo era imenso também. É muito giro e muito diferente do relato na televisão.Como era cantar um golo do Benfica?_Fantástico! Fiz o famoso Arsenal-Benfica em Londres, em 1991. Estava lá! Por outro lado, na Comercial fiz o relato do Porto a ganhar 5-0 na Luz, para a Super Taça.Haverá a tendência a aumentarem o número de espetáculos ao vivo com o pessoal da Comercial?_Se houver patrocínio. Essas coisas custam dinheiro. Mas há essa ideia e as solicitações são quase diárias... Os teatros municipais estão todos a pedir. As salas estão todas vazias. Tem uma relação de amizade forte com o Nuno Markl e isso passa nas vossas emissões._Quando o Nuno saiu da Comercial, estivemos oito anos sem fazer rádio. No dia em que voltou, a sensação era de que nunca se tinha ido embora... Há uma linguagem não dita que funciona. Percebemos os silêncios e as pausas um do outro. Há muito de nós e pessoal nisto. Penso que tem que ver com o facto de ambos termos começado há mais de vinte anos no Correio da Manhã Rádio e de termos sido chutados a certa altura da Comercial ao mesmo tempo. Vivemos isso juntos e há um percurso juntos. Sinceramente, não me vejo deixar de fazer rádio com ele. Ele é muito bom. Continua a ser especial. Era um desperdício dois tipos da rádio com esta relação estarem separados.Como encara o regresso de O Homem Que Mordeu o Cão, talvez uma das mais acarinhadas rubricas que os ouvintes recordam? _É um regresso que assumimos com carinho, porque é uma rubrica que nos deixou saudades e merece estar na antena quando a Comercial é nº 1 de audiências. Não, não se trata de uma substituição da Mixórdia. É só a nova rubrica do Nuno Markl nas Manhãs da Comercial, acabando com as Traquitanas, que estiveram no ar até agora.O homem volta a ladrarNuno Markl deixou de ter vida. A culpa foi da Grandiosa História Universal das Traquitanas, a rubrica diária que ultimamente tinha na rádio. Agora, para suprimir a saída da Mixórdia de Temáticas e para voltar a ter vida, regressa com O Homem Que Mordeu o Cão. É já amanhã que uma das mais populares loucuras radiofónicas volta ao éter: «É um regresso romântico, porque, feitas as contas, estou a regressar a um tipo de pureza radiofónica original que se baseia naquilo que eu acho que a rádio deve ser: um dos, senão o melhor meio para contar histórias e para fazer todos os dias algo de novo e surpreendente. Eu adorei fazer a Caderneta de Cromos e as Traquitanas, mas tinham conceitos muito fechados - os anos setenta e oitenta num, a história das invenções no outro. O que me fascina e volta a desafiar-me no Homem Que Mordeu o Cão é a tela em branco que cada edição representa. As histórias bizarras reais são o ponto de partida, mas de resto tudo é válido no universo do Cão.» Os que já eram fiéis da rubrica anterior vão perceber a justificação: «Era o tipo de rubrica que requeria uma equipa de autores para funcionar todos os dias, entre quem pesquisa e quem escreve. Um homem sozinho enlouquece a fazer aquilo e deixa de ter vida!» Se há fãs que vão sentir a falta do génio de Ricardo Araújo Pereira, existe também uma legião saudosa do Cão: «O entusiasmo das pessoas pelo regresso da rubrica é impressionante. Em dois dias, o Facebook que abrimos para a rubrica já tinha seis mil pessoas e uma grande quantidade de mensagens de alegria pelo regresso. Ironicamente, por muito que voltar a um conceito antigo possa significar que se acabaram as ideias, o Cão é o conceito onde cabem mais ideias por dia. E isso dá-me uma valente pica.» Na comédia radiofónica, as ideias têm permissão para reciclagem...

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