Ânsia por praia gera receita histórica no Algarve a caminho dos 1,35 mil milhões
Depois da tempestade vem a bonança. E depois de dois anos de pandemia, vem o melhor verão de sempre para o Algarve no que a receitas diz respeito, podendo atingir 1,35 mil milhões de euros no fecho do ano. No final do primeiro semestre de 2022, o Instituto Nacional de Estatística (INE) dava conta de um aumento dos proveitos totais dos empreendimentos turísticos superior a 42 milhões de euros face àqueles que tinham sido os registados na mesma altura, no ano recorde de 2019. Por outro lado, as dormidas acumuladas ficavam 12% aquém daquele período. Conclusão? "A atividade turística do Algarve está a crescer muito mais em valor do que em volume", explica ao Dinheiro Vivo o presidente da Região do Turismo do Algarve, João Fernandes.
A escalada dos ganhos deve-se, sobretudo, ao "brutal aumento dos custos, que superou todas as expectativas e que vai levar a que as empresas cheguem ao final do ano com maior faturação, mas com muito menos resultados", refere Hélder Martins, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA).
"Todos vaticinávamos, nas melhores das expectativas, que em 2023 estaríamos nos níveis de 2019", destaca o dirigente da RTA.
O rumo tomado foi outro e a sede de voltar à normalidade levou a que a retoma fosse mais rápida do que o esperado. Em julho, a taxa de ocupação/quarto chegou mesmo a superar em 4,3% o período homólogo do melhor ano, verificando-se um aumento de 17,2% no volume de vendas, segundo os dados avançados pela AHETA. Quanto à aviação, apesar de ainda estar abaixo dos níveis de 2019, o número de ligações aéreas registou um aumento em relação ao ano anterior. Das nove transportadoras que operam atualmente no aeroporto de Faro, a Ryanair, easyJet e Jet2 continuam no pódio do transporte de passageiros.
No fundo, indicadores positivos que sustentam bons presságios para os meses seguintes. "Em agosto, o feedback está em linha com o percurso de recuperação progressiva da procura, devemos ter estado próximos dos valores de 2019, mas com mais proveitos", avança João Fernandes.
Já até ao final do ano, a previsão é de que o ritmo se mantenha, com o golfe - cujas voltas aumentaram 8% para um valor recorde 1,4 milhões nos primeiros seis meses do ano -, o turismo de natureza, negócios, náutico e desportivo a contribuírem para as reservas em carteira. Outros segmentos de nicho, como os casamentos, têm favorecido a atividade turística da região.
O prognóstico está revelado: "Mantendo-se as condições que temos em perspetiva, acabaremos o ano com uma receita entre 5 e 10% superior à de 2019", tempo em que o turismo do Algarve alcançou proveitos de 1,23 mil milhões de euros. Tendo esse número em conta, a atividade turística da região em 2022 poderá vir a atingir resultados históricos que se situam entre 1,29 e 1,35 mil milhões de euros.
Hoteleiros otimistas
Os grupos hoteleiros mostram-se otimistas no balanço que fazem do verão de 2022. "Um verão de recuperação com ótimos resultados, níveis de ocupação ligeiramente superiores a 2019 e um aumento no preço médio", resume Jorge Beldade, diretor regional de operações do Grupo Tivoli, ao DV, mencionando "um maior nível de exigência e uma predisposição maior ao consumo" por parte dos clientes. A taxa de ocupação tem sido progressiva, consoante os meses de verão, estando já agosto com uma lotação de 90%.
Viajando até Vilamoura, o diretor de sales & marketing do Hilton, João Rosado, refere "um crescimento da tarifa média" em todo o setor hoteleiro. O hotel revela uma "operação marcada por uma elevada procura, mas com enorme falta de staff, que restringiu a abertura de mais espaços no resort". O aumento dos custos da energia é também uma preocupação para a marca, que prevê um outono/inverno "muito animado".
Rita Pereira, responsável pela strategy & business development da Amazing Evolution, diz também que a procura pelos hotéis da cadeia "tem vindo a superar todos os registos de anos anteriores", sublinhando a importância do mercado nacional, que é "sempre um dos principais emissores no Algarve nesta época". Até ao final do ano, as perspetivas mantêm-se positivas.
Algazarra europeia
A reviravolta do turismo algarvio foi, em grande parte, explica o presidente da RTA, motivada por um fenómeno ocorrido à escala europeia. Falamos do consumo de revolta. Após dois anos arrasados pelas restrições impostas pela pandemia de covid-19, altura em que as poupanças das famílias aumentaram significativamente, observou-se uma maior predisposição nos europeus para viajar e consumir. A preferência foi dada ao sul da Europa.
Não obstante a disponibilidade financeira, o conflito a leste também "empurrou as pessoas para destinos mais longínquos". À lista somam-se os constrangimentos verificados nos aeroportos europeus. Pelas palavras de João Fernandes, o país e a região tiveram um desempenho de destaque durante a pandemia e não perderam notoriedade enquanto destinos turísticos. A conjugação de fatores, refere, levou a que se esteja agora a beneficiar de tamanha procura.
Neste mesmo sentido, é destacada a prestação dos portugueses, que continuam a assumir a maior talhada de dormidas da região a sul. Já os hóspedes estrangeiros registaram uma quebra face aos anos anteriores, situando-se em junho 7,2% abaixo do valor verificado no igual mês em 2019. Enquanto o mercado alemão sofreu uma baixa, o norte-americano somou pontos, refere Hélder Martins.
Em sentido contrário, o número daqueles que escolhem o Algarve para viver, "que são uma fonte de sustentação da procura fora da época alta", aumentou de 71 mil, em 2008, para 105 mil, em 2021, segundo as estatísticas do Pordata.
Neste inverno, com os preços da energia a disparar, portas se abrirão a novos emissores. "Muitos países do norte da Europa vão ser tentados a fazer férias mais a sul, conjugando, eventualmente, a possibilidade de reduzir custos como o desse bem, que está sob stress", adianta o responsável, dizendo que o Algarve ambiciona gerar um fluxo de visitação nessa época.
Nuvens no caminho
As reservas em carteira e a perspetiva da capacidade aérea oferecida são animadoras. Contudo, há que ter em conta as muitas nuvens que existem no caminho - a começar pela confiança da Zona Euro, que registou o valor mais baixo em série, assim como o Reino Unido, que viu o valor mais baixo desde 1974. "Estamos a falar de um dos nossos principais mercados emissores, cujo banco central anunciou uma taxa de inflação esperada de 13%", alerta o dirigente. A previsão é de uma baixa na procura por parte deste mercado nos próximos meses. O mesmo se espera que aconteça com o alemão e holandês.
O fantasma da sazonalidade continua a assombrar a região, que de tudo faz para dela se livrar. "Existe, continua muito expressiva e é objetivo comum a luta contra este problema", refere Hélder Martins, presidente da AHETA.
Do outro lado, João Fernandes conforma-se com a sua existência, dizendo que "é um fenómeno comum a todos os destinos do sul da Europa, que respondem a uma disponibilidade e condições climatéricas que propiciam viagens num determinado período". Esforços estão a ser feitos no sentido de "procurar mercados que tenham inclinação para viajar fora da época alta" e de "gerar motivações de visita, desenvolvendo novos produtos", garantem os responsáveis.
Resilientes e apoiadas pelo governo, não foram muitas as empresas algarvias que ficaram pelo caminho, afirma o presidente da RTA. No entanto, a esmagadora fatia tem reagido à recuperação com falta de recursos humanos, uma realidade que é expectável que se altere em 2023 com o recurso à imigração, nomeadamente através da nova Lei de Estrangeiros e dos acordos com a CPLP para mobilidade. "Estamos a olhar para Cabo Verde e Brasil como grandes oportunidades para suprirmos necessidades que são hoje constrangedoras", revela o dirigente.
Desta equação não fica de fora a TAP. A companhia aérea nacional não recuperou as ligações aéreas que tinha para a região, tendo perdido, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), uma quota de 6 para 3%. Ambos os representantes consideram "lamentável" que a transportadora de bandeira não preste "um bom serviço ao turismo e à principal região turística do país". "É inconcebível que a TAP não tenha ligações que permitam aos algarvios, que também contribuem constantemente para a salvar, beneficiarem, pelo menos, do modelo hub & spoke", manifesta a sua revolta João Fernandes, dizendo que é imperativo reforçar Lisboa-Faro.
A maioria dos constrangimentos, afirma o dirigente da Região do Turismo do Algarve, deve-se ao facto de a atividade turística ter recuperado acima das expectativas e mais rápido do que os concorrentes. Olhando para todo o cenário, são "dores de crescimento", refere. "E, por um lado, ainda bem que as tivemos, porque se não as tivéssemos, seria sinal de que não tínhamos crescido".
(Nota: A notícia foi alterada às 9h15, corrigindo os valores dos proveitos que o turismo do Algarve alcançou em 2019, tendo sido de 1,23 mil milhões de euros em vez de 18,4 mil milhões - valor tido em conta na perspetiva de crescimento para 20,3 mil milhões, como indicado no título e texto - como foi inicialmente escrito, sendo que este último valor corresponde sim aos proveitos totais do turismo em Portugal nesse mesmo ano. Assim sendo, os valores de 5 a 10% previsivelmente alcançados este ano foram também corrigidos para entre 1,29 e 1,35 mil milhões de euros. As nossas desculpas aos leitores.)
jornalista do Dinheiro Vivo