Três dias depois do início de uma tentativa de assalto à embaixada norte-americana em Bagdad, um ataque aéreo matou o comandante da Força Qods dos Guardas da Revolução Qassem Soleimani bem como o número dois da coligação de milícias pró-iranianas no Iraque, Abu al-Muhandis e outros oito operacionais..Enquanto, no sábado, o primeiro-ministro iraquiano Adel Abdel Mahdi juntou-se ao antecessor Nuri al-Maliki, ao clérigo xiita Ammar al-Hakim e a outras figuras pró-iranianas numa multidão que se reuniu nas cerimónias fúnebres na capital iraquiana, poucas horas antes três viaturas da milícia pró-iraniana Forças de Mobilização Popular no Iraque, ou Hashed al-Shaabi, foram atingidas por mais um ataque aéreo. Terão morrido seis pessoas e outras três ficaram feridas com gravidade na estrada de Taji (norte de Bagdad), a caminho de uma base com tropas britânicas e italianas. No entanto, se no Iraque o ataque foi atribuído mais uma vez aos EUA, o porta-voz da coligação internacional que luta contra o Estado Islâmico recusou envolvimento dos aliados.."Facto: a coligação Operação Resolução Inerente não conduziu ataques aéreos perto do campo Taji nos últimos dias", escreveu no Twitter o coronel Myles Caggins. Uma formulação que não afasta totalmente a hipótese de ter sido Washington a agir de forma unilateral..É que, além de Israel (que não pertence à coligação internacional), os EUA não receberam apoio público à eliminação de Qassem Soleimani. "Passei o último dia e meio, dois dias, a falar com parceiros na região, a partilhar o que estávamos a fazer, e porquê, e a procurar a ajuda deles. Foram todos fantásticos", disse o secretário de Estado Mike Pompeo em entrevista à Fox News. "E depois a conversar com os nossos parceiros em outros lugares que não têm sido tão bons. Francamente, os europeus não têm sido tão atenciosos quanto eu gostaria que fossem", criticou..Quer o presidente francês Emmanuel Macron, quer o responsável pelos Negócios Estrangeiros da UE Josep Borrell, quer ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico Dominic Raab apelaram à máxima contenção dos atores envolvidos, sem terem elogiado o assassínio do comandante iraniano..Iraque e Irão a ferro e fogo.O Iraque vive desde outubro em agitação social e política. Os iraquianos têm vindo a protestar contra o desemprego e a incapacidade do governo em prestar serviços básicos ou de reparar as infraestruturas danificadas. Essas queixas transformaram-se em grandes protestos contra a corrupção, que acabaram violentamente reprimidas - contabilizam-se mais de 500 mortos. A indignação estendeu-se aos norte-americanos, pela sua presença militar, e aos iranianos, pelo aumento do controlo sobre os políticos e os assuntos internos do Iraque..Por sua vez, também o Irão viveu, desde meados de novembro, mais um período de protestos nas ruas contra o regime, causado desta vez pelo aumento do preço dos combustíveis. Ao fim de um mês de manifestações e da destruição de dezenas de dependências bancárias e de postos de combustível, a reação das forças iranianas causou mais de 300 mortos, incluindo adolescentes, apontava a Amnistia Internacional. A Reuters atualizou o número uma semana depois para 1500 mortos, quando há dez anos, em face aos protestos de milhões nas ruas contra a reeleição polémica de Mahmoud Ahmadinejad, a repressão terá matado cerca de 20 pessoas..É neste contexto que se dá a execução extrajudicial de Qassem Soleimani, uma das figuras de topo do regime iraniano, e o mais recente capítulo de uma escalada entre Washington e Teerão, iniciada com a retirada dos EUA do acordo nuclear e o restabelecimento das sanções económicas. Enquanto o regime iraniano promete vingar-se da morte do general "no lugar e na hora certos", Washington volta a reforçar o seu contingente militar na região. Depois de ter enviado 700 militares em resposta à tentativa de invasão da embaixada na capital iraquiana, mais 3000 soldados seguirão para o Koweit..Se o ataque aéreo junto ao aeroporto de Bagdad foi executado por drones, como veiculado por alguns meios de comunicação, é o retomar dos meios aéreos nesta guerra não declarada. No dia 20 de junho, os iranianos abateram um drone dos EUA que estaria a violar o espaço aéreo. Um mês depois, Washington alegou ter abatido um drone que estaria nas imediações de um navio norte-americano no estreito de Ormuz - o que foi desmentido por Teerão. Em setembro, há um duplo ataque a infraestruturas de produção petrolífera na Arábia Saudita, um aliado dos EUA e inimigo de Teerão. O ataque não foi reivindicado, mas algumas capitais ocidentais apontaram o dedo ao regime dos ayatollahs. Em resultado de ataques aéreos dos EUA a militantes do movimento Hezbollah no Iraque e na Síria, no final de dezembro, milhares de pessoas atacaram a embaixada norte-americana na capital do Iraque..Se não é difícil apontar os momentos chave para este agravamento da crise entre Irão e EUA - em maio de 2018, a retirada dos EUA do acordo internacional de limitação do programa nuclear do Irão; em agosto, a entrada em vigor de sanções económicas; em junho de 2019, um navio japonês e outro norueguês são alvo de ataques, que os EUA atribuíram ao Irão; em julho de 2019, o Irão viola o acordo nuclear, ao passar os níveis de urânio autorizados - é impossível prever as próximas jogadas do xadrez entre o campo norte-americano e iraniano..Donald Trump disse que o ataque "não teve como objetivo iniciar uma guerra" nem "procura uma mudança de regime". Mas no Ocidente espera-se uma represália iraniana. "Agora o Iraque tornar-se-á o primeiro campo de batalha", disse à AFP Alex Vatanka, especialista no Instituto do Médio Oriente em Washington. No entanto, um bloqueio no estreito de Ormuz ou uma ciberguerra são outras hipóteses consideradas. No entanto, sublinha Vatanka, Teerão não tem interesse em envolver-se numa escalada militar. "Não é um regime suicida", comentou.