Não era um dado adquirido que o segundo capítulo da série Good Omens resultasse. Por uma razão simples: se a primeira temporada, de 2019, adapta o romance de culto de Neil Gaiman e Terry Pratchett, este novo conjunto de seis episódios segue um percurso que já não consta no material de origem. Seja como for, a boa notícia para os fãs é que, não só o próprio Gaiman continua a ser showrunner e coargumentista da série (honrando uma promessa que fez ao falecido Pratchett), como Michael Sheen e David Tennant - respetivamente, o anjo Aziraphale e o demónio Crowley - mantêm fresca a dinâmica de uma amizade que desafia gabinetes opostos. Estão assim reunidas as condições para a diversão "inefável" prosseguir. A partir desta sexta-feira, na Amazon Prime Video..Depois de uma primeira temporada em que os dois protagonistas impediram o Armageddon no meio de uma comédia de enganos, envolvendo um anticristo, caçadores de bruxas e os quatro Cavaleiros do Apocalipse, o doce Aziraphale e o irónico Crowley estão agora de relações cortadas com o Céu e o Inferno - embora estes não os deixem em paz por muito tempo. O que é que vem beliscar a harmonia do exílio na livraria britânica onde mora o anjo? Uma visita inesperada do Arcanjo Gabriel (Jon Hamm), aparentemente amnésico e factualmente todo nu, atravessando o Soho debaixo dos olhares curiosos dos transeuntes... que talvez estejam a comentar entre si "não é o tipo do Mad Men?" Adiante: não se sabe o que Gabriel está ali a fazer, mas o certo é que as forças do Além, de ambos os lados, estão ansiosas por apanhá-lo e desconfiam que o seu paradeiro é... exatamente onde ele se encontra (como se diz a dada altura, a livraria funciona como uma "embaixada")..Com este enredo montado, e mais umas distrações de escala humana, Good Omens 2 prova, acima de tudo, que a química entre duas personagens é quanto basta para fazer render uma boa ideia. Veja-se como a eterna candura de Aziraphale/Sheen e o estilo rock star de Crowley/Tennant alegram o ecrã no seu contraste prodigioso. Mas, mais do que isso, Gaiman explora aqui a sugestão romântica que esta amizade milenar pode conter, um amor platónico inscrito numa vivência absolutamente mundana, apesar dos truques sobrenaturais ao virar da esquina..A propósito, nas notas de produção da série lê-se uma síntese certeira sobre o poder da pena de Neil Gaiman, nas palavras do anjo Michael Sheen: "A sua escrita tem uma vastidão de referências e ainda assim é acessível e divertida, mesmo quando trata das grandes questões épicas ou filosóficas. Há algo na maneira como Neil vê o mundano que é extraordinário. Quando as coisas passam pela sua imaginação, surgem de uma maneira totalmente única e, no entanto, parece que sempre estiveram lá". Precisamente, a sensação de algo que "sempre esteve lá" pode definir a natureza do nosso reencontro com Aziraphale e Crowley, esses seres de carne e osso (na aparência) entretidos com maquinações bíblicas. Nesta segunda temporada, mais do que nunca, eles estão conscientes de que só se têm um ao outro no mundo dos humanos. E isso é dramático, mas também é muito amoroso..dnot@dn.pt