Angola sai à rua em Portugal
Quando Mantorras entra, no início da segunda parte, todos aplaudem o avançado e alguém diz "É agora!" Mas afinal o golo que colocou a selecção de Angola pela primeira vez num mundial de futebol não veio dos pés de Mantorras mas sim de Akwá. E a festa dos angolanos rebentou no Parque das Nações, em Lisboa, local que se encheu de adeptos, ontem à tarde, e se pintou de vermelho, preto e amarelo - as cores da bandeira - para assistir ao jogo onde tudo se decidia.
Cachecóis, T-shirts, bandeiras, lenços, apitos e buzinas, várias foram as formas de mostrar o apoio à selecção, numa tarde de festa à beira Tejo. À chegada cruzavam-se conhecidos e ouviu-se alguém perguntar "Também vieste sofrer?" Por impossibilidade de realização na Sala Tejo do Pavilhão Atlântico, o local inicialmente previsto, a concentração angolana fez-se nos cafés situados junto ao rio, espaço que cedo se revelou demasiado pequeno para tantos adeptos, a maioria jovens. Transpirava-se nervosismo, quanto mais os minutos avançavam e o golo não vinha. Ainda assim, no início do jogo já eram muitos os planos para a vitória. E já havia camisolas preparadas para a festa, estampadas com "Angola - Mundial 2006".
"Se ganharmos não sei se continuo vivo", desabafou David Bertoni, num visível estado de comoção. Ao intervalo, ainda 0-0, ninguém tinha perdido a esperança. Dançava-se e batucava-se nas mesas, ao som dos ritmos africanos. E o motivo para festejar - o tão desejado golo - chegou finalmente, já durante a segunda parte, a dez minutos do final. A verdadeira festa começou aí, e já não parou. À falta de garrafas de champagne para abrir agitaram-se latas de cerveja.
Reacções. Laurentino Dias, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, felicitou o Governo e a Federação Angolana de Futebol pelo feito alcançado pela selecção. No texto enviado em nome de Portugal, realçou o momento de "feliz afirmação do Desporto e do futebol, no quadro da presença de representações de países membros da comunidade de países de Língua Portuguesa em eventos com a dimensão do Mundial".
No local da festa, as reacções eram mais entusiásticas. "Esta vitória é histórica", gritou António Barros entre o barulho que invadia a alameda das esplanadas. Palmas, cantos e dança, tudo servia para exteriorizar a euforia que se havia de estender a outros pontos de Portugal. Meia hora a seguir ao jogo já uma caravana automóvel partia da Feira Popular, com alguns pontos--chave da comunidade angolana marcados no percurso, como a Av. da República (onde se situa a embaixada), e a Praça do Rossio. E às 20.00 começava, na Sala Tejo do Pavilhão Atlântico, um espectáculo de música angolana.
Nunca antes Angola vivera uma unanimidade tal. Um cabeceamento certeiro de Akwá aos 80 minutos fez mais pela união do país que esteve mais de três dezenas de anos em guerra que muitos discursos cheios de boas vontades. Ontem, Luanda e todas as grandes cidades do país que têm o português como língua oficial fecharam-se em silêncio durante cerca de uma hora e meia, parecia até que o povo tinha partido para parte incerta como antigamente. Mas não. Tinha "ido" ali perto, a Kigali, à capital do Ruanda, para "ver" a sua equipa fazer história. Depois... bem, depois o milhão e tal de quilómetros quadrados explodiu em alegria, o povo regressou às ruas, novos, velhos e assim assim andaram até às tantas em festa, a fazer a vida valer a pena. O que uma simples cabeçada pode fazer...