Angola: amadurecimento democrático
Nota prévia: este texto foi escrito antes do anúncio dos resultados definitivos das eleições angolanas.
As últimas eleições gerais realizadas em Angola, no passado dia 24, deram, segundo os números provisórios oficiais, uma vitória apertada ao MPLA, ainda assim com maioria absoluta. A UNITA, seu principal rival, contesta os números avançados, embora não reclame (nem deixe de reclamar) ter sido ela a vencedora do pleito eleitoral. Vários observadores internacionais já tornaram públicas as suas primeiras impressões, alguns deles com recomendações que incluem futuras mudanças na composição da Comissão Nacional Eleitoral e do Tribunal Constitucional angolano.
Entretanto, não é do desfecho tout court das referidas eleições que pretendo falar no presente texto. A Comissão Nacional Eleitoral do país já se declarou pronta a apreciar as eventuais reclamações que derem entrada no órgão, o que a UNITA assegura ter feito, naquelas províncias cuja contagem contesta. Deixemos, por conseguinte, os órgãos existentes, com as suas eventuais imperfeições, funcionarem. Como cidadão angolano, a única coisa que espero é que seja possível chegar a uma conclusão aceite por todos e que não haja turbulências no país, contrariamente, por exemplo, ao que sucedeu nos últimos dias no Quénia.
O que quero destacar na coluna de hoje é o evidente amadurecimento democrático registado desde 1992 em Angola, como o atestam não somente a forma como decorreram as eleições da passada quarta-feira, mas também alguns dos resultados genéricos já anunciados, cuja eventual reavaliação não deverá, em princípio, alterar a sua substância.
Dois factos concretos confirmam esse amadurecimento.
O primeiro é que o voto "tribal", se alguma vez existiu, acabou definitivamente. É o que dizem os resultados provisórios avançados pela Comissão Nacional Eleitoral angolana. Segundo esses resultados - recorde-se - o MPLA ganhou as eleições nas províncias do Huambo, Bié e Benguela (e outras doze províncias), enquanto a UNITA venceu em Luanda, Zaire e Cabinda, ou seja, os dois partidos conquistaram regiões que, historicamente, sempre constituíram bases tradicionais do seu principal adversário.
O facto em questão confirma, assim, o que vários observadores locais sempre disseram, desde as primeiras eleições multipartidárias realizadas no país, em 1992: ao contrário do que acreditavam (ainda acreditarão?) muitos supostos "especialistas" internacionais em assuntos angolanos, o voto étnico ou "tribal" nunca teve um peso determinante.
O segundo facto que atesta o amadurecimento democrático constatado em Angola é que, pela primeira vez de uma maneira claramente evidente, uma parte significativa do eleitorado votou mais em função das suas convicções e desejos em relação ao país, neste momento concreto, e menos em função da sua própria filiação orgânica ou ligação sentimental a algum partido.
É impossível, claro, determinar o número exato desses eleitores. Mas, olhando os números genéricos já conhecidos, os quais mostram uma grande diminuição do MPLA e um aumento equivalente da UNITA, a hipótese parece óbvia: uma quantidade significativa dos eleitores habituais do MPLA ou votou, desta vez, no seu principal adversário ou absteve-se. Sem esquecer, igualmente, que o maior partido da oposição parece ter sido mais competente a captar os novos eleitores, em especial nas cidades.
São coisas da democracia, que os dois maiores partidos locais precisam de encarar com realismo. O MPLA precisa de refletir sobre as causas que estão por detrás desse afastamento de uma parte do seu eleitorado, enquanto a UNITA não deve cair na ilusão de pensar que todos aqueles que votaram no referido partido nas últimas eleições são seus eleitores "cativos".
Como em outros momentos da sua história, os angolanos demonstraram, mais uma vez, possuir uma consciência política fina. De igual modo, a dinâmica democrática da sociedade angolana parece irreversível. Para mim, essa é a principal lição das últimas eleições do país.
Escritor e jornalista angolano
Diretor da revista África 21