Afinal, nem só de super-heróis vive o mercado cinematográfico de verão. Podemos mesmo afirmar que, ao longo dos últimos anos, vários distribuidores e exibidores têm sabido relançar a difusão de filmes essenciais para a história do cinema, muitos deles há muito consagrados com o estatuto de clássicos. O cinema russo (no Nimas) volta a ser um caso exemplar desse fenómeno que já deu nova vida à obra de autores muito diversos, do português Paulo Rocha ao japonês Yasujiro Ozu, passando pelo sueco Ingmar Bergman..Dois nomes emergem na programação que decorre até 3 de agosto: Aleksandr Sokurov, com a sua Tetralogia do Poder, em paralelo com a estreia de Francofonia; e Andrei Tarkovsky, cuja obra integral foi também recentemente editada em DVD..No universo de Tarkovsky (1932-1986), vale a pena destacar o filme que, quase sempre, é arrumado um pouco "ao lado", como um objeto que, com maior ou menor justificação, interessaria mais aos fãs de ficção científica... Falamos, claro, de Solaris, adaptação do romance do polaco Stanislaw Lem que Tarkovsky concretizou em 1972, seis anos depois de Andrei Rublev, sobre a vida do pintor de ícones do século XV..Escusado será dizer que a inscrição do filme no território mais nobre da ficção científica é incontornável. Pela inspiração do livro de Lem, como é óbvio, mas também pela peculiar conjuntura geopolítica em que surgiu: atravessava-se um período especialmente tenso da Guerra Fria e, quanto mais não fosse pelo alarido mediático, Solaris foi alcunhado de "resposta soviética" ao 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, lançado em 1968..No passado mês de maio, quando a cópia restaurada de Solaris passou na secção de "Clássicos" de Cannes, um texto de apresentação no site oficial do festival lembrava isso mesmo, acrescentando que Tarkovsky estava longe de ser um admirador do trabalho de Kubrick. De facto, para além do confronto "diplomático" que foi estabelecido entre 2001 e Solaris, Tarkovsky não se reconhecia naquilo que apontava como os excessos "tecnológicos" de Kubrick, considerando mesmo que o seu filme padecia de uma "falta de força emocional"..Uma epopeia transcendental.Guerra Fria à parte, importa sublinhar que, em última instância, Tarkovsky assinou um filme que reflete menos as convulsões temáticas da ficção científica e mais, muito mais, as obsessões espirituais do seu universo. Aliás, não será arriscado supor que também não poderia reconhecer-se na segunda versão cinematográfica de Solaris, produzida em Hollywood em 2002, com realização de Steven Soderbergh..Podemos, talvez, esquematizar a abordagem de Tarkovsky, considerando que o seu Solaris preserva a ideia fulcral do romance - o planeta que, por assim dizer, decifra e "materializa" os desejos mais secretos daqueles que dele se aproximam -, deslocando-a para um domínio (ainda) mais intimista. A aventura espacial do psicólogo Kris Kelvin (Donatas Banionis) transfigura-se numa epopeia transcendental em que reencontra a sua mulher (Natalya Bondarchuk) que se suicidou. No limite, Kris é levado a formular a interrogação mais radical: até que ponto a sensação material de perda pertence já a um domínio espiritual que, momento a momento, nos mobiliza e escapa?.Assim sendo, as rimas temáticas de Solaris não estão no filme de Kubrick, muito menos no de Soderbergh. Encontramo-los, claro, nos títulos seguintes de Tarkovsky, em particular no fascinante Stalker (1979), em que já não é o enigma de um planeta distante, mas a pulsação de uma paisagem abandonada (a célebre "Zona") que conduz os humanos a duvidar do que sentem e veem. É esse o maior prodígio de Tarkovsky:.Programa completo.Sexta, 22 Julho.14h15 / 21h30 SOLARIS de ANDREI TARKOVSKY 17h30 / 19h30 TU E EU de LARISA SHEPITKO. Sábado, 23 Julho 14h15 / 19h15 O ESPELHO de ANDREI TARKOVSKY 16h45 / 21h45 ASCENSÃO de LARISA SHEPITKO. Domingo, 24 Julho 13h00 / 21h00 SIBERÍADA de ANDREI KONCHALOVSKY 17h00 / 19h00 PEÇA INACABADA PARA PIANO MECÂNICO de NIKITA MIKHALKOV. Segunda, 25 Julho 14h15 / 19h15 TAURUS de Aleksandr Sokurov 16h45 / 21h45 CASA DE LOUCOS de ANDREI KONCHALOVSKY. Terça, 26 Julho 14h15 / 19h15 ADEUS A MATIORA de ELEM KLIMOV 16h45 / 21h45 O SACRIFÍCIO de ANDREI TARKOVSKY. Quarta, 27 Julho 14h15 / 19h15 OLHOS NEGROS de NIKITA MIKHALKOV 16h45 / 21h45 NÃO TE MEXAS, MORRE E RESSUSCITA de VITALI KANEVSKI. Quinta, 28 Julho 14h15 / 19h15 UMA VIDA INDEPENDENTE de VITALI KANEVSKI 16h45 / 21h45 SOL ENGANADOR de NIKITA MIKHALKOV. Sexta, 29 Julho 14h15 / 19h15 MÃE E FILHO de Aleksandr Sokurov 16h45 / 21h45 MOLOCH de Aleksandr Sokurov. Sábado, 30 Julho 14h00 / 21h45 STALKER de ANDREI TARKOVSKY 17h00 / 19h20 NOSTALGIA de ANDREI TARKOVSKY. Domingo, 31 Julho 14h15 / 19h15 FAUSTO de Aleksandr Sokurov 16h45 / 21h45 O REGRESSO de ANDREY ZVYAGINTSEV. Segunda, 1 Agosto 14h15 / 19h15 O SOL de Aleksandr Sokurov 16h45 / 21h45 ALEXANDRA de Aleksandr Sokurov. Terça, 2 Agosto 14h15 / 19h15 PAI E FILHO de Aleksandr Sokurov 16h45 / 21h45 ELENA de ANDREY ZVYAGINTSEV. Quarta, 3 Agosto 14h15 / 16h45 / 19h15 / 21h45 LEVIATÃ de ANDREY ZVYAGINTSEV