André Jordan: "Como é que eu fiz isto tudo sem dinheiro?"
Ficou famoso com o projeto da Quinta do Lago. Hoje, aos 84 anos, a Câmara de Comércio Luso-Brasileira atribuiu-lhe o Prémio Personalidade do Ano - Prémio Dário Castro Alves. De origens judaicas, nascido na Polónia de onde saiu um dia antes da invasão nazi, André Jordan não é de meias-palavras. Gosta de falar de pessoas, de amizades, de cultura e da aristocracia com quem privou. Ele que idealizou e construiu a Quinta do Lago, fez planos para o Vilamoura XXI e trouxe para Portugal um conceito de imobiliário de luxo ímpar no país. O pai do turismo português falou ao DN/Dinheiro Vivo.
Iniciou-se nos negócios próprios em Portugal. O que o trouxe até cá?
Saímos da Polónia em 1940, em plena II Guerra, era eu pequeno. O meu pai tinha muitos amigos aqui e, como era maçon, tinha muitos contactos. Nos anos 60, quando o Brasil andava numa fase agitada, o meu pai voltou a Portugal, retomou os contactos, mas morreu. Faz 50 anos que o meu pai morreu. Eu andava entre o Rio e Buenos Aires onde tínhamos um grande empreendimento com o Estado argentino e vinha aqui de vez em quando tratar de algum assunto. Adorei Portugal.
Nessa altura já o seu pai tinha negócios imobiliários em Portugal?
Teve um empreendimento de classe média, o bairro Augusto de Castro, em Oeiras, onde grande parte dos oficiais, dos Capitães de Abril, tinha casa, porque o governo na altura tinha um programa de financiamento. O Otelo Saraiva de Carvalho, por exemplo, morava ali. Eu ainda trabalhei num grupo nas Bahamas, mas muito desgostoso daquilo tudo resolvi começar o meu negócio. Aí lembrei-me de Portugal.
Era o princípio da Quinta do Lago...
Foi quando surgiu a oportunidade de um terreno, mas eu não tinha a capacidade nem apoios para fazer um empreendimento como acabei por fazer na Quinta do Lago. O Pinto Magalhães, banqueiro do Porto, que era o dono da propriedade, é que me criou condições para poder pagar com as vendas que fazia.
Alguma vez pensou que o projeto viria a ser o ícone de hoje?
(risos) Eu fui fazendo mas sempre com dificuldades de dinheiro. Ainda hoje quando vou à Quinta do Lago olho para aquilo e penso: "Como é que eu fiz isto tudo sem dinheiro?"
É o projeto que o tornou conhecido em Portugal. É o seu preferido?
A Quinta do Lago era uma tela em branco, um projeto de raiz num terreno virgem. Mas Vilamoura foi um grande desafio profissional porque já estava metade feita, degradada. Relançar um empreendimento, como conseguimos, e preparar a nova fase de Vilamoura foi um grande desafio. Mas nenhum é preferido. É o mesmo que perguntar qual é dos seus filhos o que gosta mais? Hoje sou casado com Belas. E este espírito de corpo, de amor pela obra que envolve todos os que trabalham num projeto de raiz que me comove muito.
Quase 50 anos depois recebe esta homenagem. Sente-se reconhecido?
Estou muito feliz com este prémio da Câmara de Comércio porque estou em Portugal há quase 50 anos e quando eu cheguei havia um profundo desconhecimento entre os dois países. Os brasileiros não conheciam Portugal e Portugal não conhecia o Brasil. E havia desconfianças. Os portugueses achavam que os brasileiros eram malandros, espertalhões, violentos, perigosos... Eu propus-me provar o contrário.
Conseguiu?
Foram precisos quase 50 anos, mas hoje há quase uma fusão entre o Brasil e Portugal. Os dois países complementam-se. Os portugueses vingaram no Brasil e o Brasil é um país que absorve rapidamente as pessoas - eu próprio nasci na Polónia e fui com três anos para o Brasil. Ninguém está mais de dois anos no Brasil que não fique um pouco brasileiro. O Raul Solnado, enorme comediante, dizia "eu tenho uma grande afinidade com os brasileiros porque a minha avó também era portuguesa".
Como é que se chega até aqui?
Não se pode deixar de reconhecer que uma das coisas que mais contribuiu para esse conhecimento mútuo foram as telenovelas. Portugal e o Brasil deveriam condecorar a Sónia Braga porque realmente a Gabriela foi a primeira brasileira a conquistar o coração dos portugueses. Havia a questão da pronúncia - da mesma forma que a pronúncia portuguesa, especialmente a do Norte, era caricaturada, também a pronúncia brasileira era alvo de imitação, com uma certa troça. Eu sinto que também fiz a minha parte e que contribui para esta aproximação pela cultura, que considero que é a melhor e mais profunda maneira de aproximação.
E a aproximação já não se faz apenas com investimentos portugueses no Brasil.
Eu fiz parte da primeira comitiva que António Guterres levou ao Brasil quando foi eleito primeiro-ministro, em 1995. Naquele momento de dificuldades económicas que o Brasil atravessava, Portugal entrou com a PT, com a EDP... grande parte deram grandes resultados. Agora estamos na fase inversa em que o Brasil descobre Portugal economicamente. Por um lado, para investimento direto e, por outro, como uma plataforma. Por exemplo, as grandes construtoras operam em África a partir de Portugal.
E há também cada vez mais brasileiros a escolher Portugal para viver.
E e não tenho dúvida de que esta onda que vem viver para Portugal vai trazer muitos investimentos.
Quais são as maiores dificuldades?
Recentemente perguntaram-me "Qual é o lugar onde gostaria de morar?" Respondi: "Já estou lá." Estou aqui muito feliz, gosto muito de Portugal e dos portugueses. Não é fácil trabalhar, ainda há muita força da burocracia. Mas as pessoas de maneira geral são honestas, têm boa vontade e com isso vamos avançando