O pianista András Schiff (Schiff=barco) fez no fim de tarde de domingo, no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, a segunda etapa da sua viagem pelas últimas sonatas dos quatro grandes mestres vienenses: Joseph Haydn, Mozart, Beethoven e Franz Schubert..Ouviu-se, assim por esta ordem, a 'Sonata n.º 17, em sib M , KV570', de Mozart; a 'Sonata n.º 31, em láb M, op. 110', de Beethoven; a 'Sonata n.º 61, em ré M, Hob. XVI:51', de Haydn; e a grande 'Sonata em lá M, D959', de Schubert..Na KV570, Schiff moveu-se nos limites inferiores do 'Allegro', instalando de imediato um "passo" de deleite e placidez (conjugação de velocidade, articulação e 'toucher'), imprimindo um pequeno 'meno mosso' nos finais de Exposição e Reexposição, como se fora o final de uma história de encantar. O 'Adagio' foi um exemplo de como conseguir uma absoluta unidade de ambiente, não comprometendo embora em nada a variedade desse insólito Rondó. E no Rondó que segue (o 'Allegretto' conclusivo), Schiff baseou-se em contrastes de articulação e ténues alterações de 'tempo' para a alternância refrão-coplas..No Beethoven, Schiff entrou na Sonata como se já lá estivesse há muito: cor harmónica, respiração, peso dos ataques, fraseio, tudo estabeleceu de imediato o intenso lirismo que preside ao 'Moderato cantabile' inicial. E uma extrema fidelidade ao texto, de que foram exemplo as notas aqui e ali 'pizzicato' nos arpejos quebrados descendentes da Exposição..A velocidade em Schiff é sempre tendencialmente não rápida, e a sua mão direita por vezes até surpreende na sua propensão para o 'understatement', tanto cuidado tem para que o seu jogo seja por norma suave. Mas teríamos gostado de um 'Scherzo' mais rápido (e até um pouco mais maciço...) e, na parte B, Schiff "embrulhou-se" um pouco no final... Mas o andamento final foi positivamente de cortar a respiração, tais cumes intensos de beleza Schiff atingiu, com pormenores de puro deleite, mas não - nunca - gratuitos! E de novo, à evidência, a fidelidade ao texto..Na segunda parte, a Sonata de Haydn, em apenas dois andamentos, teve de Schiff um desenho de enorme clareza, com graciosidade e elegância no 'Andante' e humor no 'Presto'. Extraiu tudo de cada um deles. Pois não é esta sonata um belo exemplo de concisão densa? Tudo é dito, e é-o em apenas seis/sete minutos!.A D959 de Schubert, finalmente, foi simplesmente assombrosa. Schiff edificou um prodígio de arquitetura sonora, sendo notável a forma como o seu fraseio acompanha o desenrolar formal-estrutural de cada andamento. Um cuidado extremo na articulação (força e duração dos ataques) e no 'toucher', noção exata das respirações e da respiração harmónica a cada passo, apoiado sobre um sábio uso dos pedais (com pormenores deliciosos, pela subtil beleza que produzem) contribuiram para uma interpretação de altíssimo nível desta maravilhosa obra..E no estado de graça em que Schiff se achava, levou-nos no único extra que deu a alturas inefáveis, sobre as asas do 'Improviso em solb M do op. 90' (D899). Beleza em estado puro!.Depois da decepção Trifonov, soube bem um recital assim.