Acredita que, em matéria de Relações internacionais, os historiadores têm a visão de conjunto que a familiaridade com o tempo longo (de que falava o historiador francês Fernand Braudel) lhes proporciona. "Sabemos, por exemplo, que ontem, como hoje, não há almoços grátis e que não há meninos bons. Em Política Internacional só mandam os interesses", diz-nos Ana Leal Faria, especialista em História Moderna, professora aposentada da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que acaba de lançar o estudo Diplomacia Portuguesa - A Organização da Actividade Diplomática da Restauração ao Liberalismo - Os Arquitectos da Paz (edição Tribuna da História)..Obra de fôlego, este estudo abrange quase dois séculos da História de Portugal (de 1640 a 1834), em que a guerra e a diplomacia foram as duas faces da mesma moeda (a da política externa, quase sempre em defesa própria, dos interesses do reino e do império). "A diplomacia esteve sempre presente na História de Portugal", diz-nos a autora, acrescentando que a "Restauração da independência deve-se muito mais às negociações e à luta diplomática de 28 anos do que às vitórias militares no terreno". O mesmo se pode dizer do triunfo do liberalismo no princípio do século XIX: "Não fossem as intervenções das potências europeias em prol dos liberais e é bem possível que o desfecho tivesse sido diferente ou, pelo menos, mais demorado.".na Leal Faria detém-se nos desafios que a diplomacia da Restauração, assente na necessidade de reconhecimento da nova dinastia e de Portugal independente de Espanha (então uma grande potência), colocou ao governo de D. João IV, o Duque de Bragança aclamado rei pelos conjurados a 1 de Dezembro de 1640. Um desafio que passou logo pela escolha dos homens que representariam o novo rei nas cortes europeias: "Com a restauração, teve que se improvisar na escolha dos diplomatas. Foram-se buscar juristas à Universidade de Coimbra porque tinham a dupla vantagem de saber Latim, que ainda era a língua franca na época, e de ter capacidade de redigir leis ou acordos"..Assim sendo, para potências mais importantes foram personagens de maior prestígio: D. Francisco de Mello (França), Antão de Almada (Inglaterra),Tristão Mendonça Furtado (Holanda) e Francisco de Sousa Coutinho (Dinamarca, onde só foi recebido em privado, e Suécia). Para Roma foi o Bispo de Lamego, que não foi recebido já que a Santa Sé era uma forte aliada de Filipe IV de Espanha. Depois houve outras figuras, que desempenharam missões secretas, como o Padre António Vieira, que foi vestido de secular para a Holanda de modo a não causar animosidade num país protestante. Ana Leal Faria salienta a rapidez do processo: "As primeiras nomeações de embaixadores e outros representantes foram feitas a partir de 19 de dezembro e, no princípio de janeiro, eles já estavam a partir rumo aos seus destinos.".Neste contexto difícil, os casamentos eram instrumentos poderosíssimos da Diplomacia (em colaboração com as medievalistas Ana Maria Rodrigues e Manuela Santos Silva, Ana Leal Faria é, aliás, coordenadora da obra publicada pelo Círculo de Leitores, Casamentos Reais Portuguesas): "Tratava-se de um negócio entre famílias e a componente amorosa não tinha qualquer relevo", diz-nos. Exemplo disso foi o matrimónio da filha de D. João IV, Catarina de Bragança com o rei Carlos II de Inglaterra: "A diplomacia portuguesa tentou primeiro um casamento de uma das princesas portuguesas (Dona Joana, mas esta morreu muito nova, e depois Dona Catarina) com Luís XIV de França, mas este casou com Maria Teresa de Espanha, sua prima, no âmbito da Paz dos Pirinéus. Foi então que a diplomacia portuguesa se voltou para Inglaterra.".Mas nem tudo é o que parece nesta partida de xadrez em que as princesas são sumptuosos peões: "No acordo de paz com Espanha, Luís XIV tinha sido obrigado a cortar relações diplomáticas com Portugal, mas apoiou em segredo o casamento de Catarina com Carlos II de Inglaterra, que era seu primo direito." A relação privilegiada com Inglaterra será uma constante no tempo longo que é a política externa de Portugal, ditada pela Geografia. "Curiosamente - nota a historiadora - o período da Restauração talvez seja o único da nossa História em que procurámos apoio continental, que se tornou inviável quando França e Espanha se aliaram.".A resistência portuguesa ao bloqueio continental decretado por Napoleão no princípio do século XIX, colocar-nos-ia, aliás, na mira das invasões francesas, que se vieram a concretizar a partir de 1807. Ana Leal Faria reconhece a tal propósito a importância que o aliado britânico assumiu na oposição dos portugueses aos invasores: "Estou convencida que toda a ida da família real para o Brasil foi estudada e preparada em colaboração com os ingleses. É uma das grandes decisões da nossa História e evitou a prisão da família real portuguesa e a consequente perda de independência do reino, como aconteceu em Espanha. Ao contrário do que fez o seu parente espanhol, o então príncipe regente D. João pegou no aparelho de Estado e deslocou a capital para o Rio de Janeiro." Claro que o apoio inglês não veio sem a respetiva fatura: "A contrapartida da Inglaterra foi uma situação muito vantajosa no comércio com o Brasil. Pagámos muito bem pagas as linhas de Torres construídas pelos homens do Duque de Wellington."