Ana Catarina Mendes: "Setúbal é um caso isolado que tem de ser investigado"
A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares considerou esta terça-feira que o caso do acolhimento de refugiados ucranianos por cidadãos russos na Câmara de Setúbal "é inaceitável" e deve ser investigado.
"Lamento pela situação que considero inaceitável, seja pela irresponsabilidade ou por excesso de voluntarismo que baixou, ou terá baixado, os níveis de alerta para questões de privacidade que não poderiam acontecer em matéria de acolhimento de refugiados", afirmou Ana Catarina Mendes.
A governante falava numa audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o acolhimento de refugiados em Portugal, em que também marca presença a secretária de Estado da Igualdade e das Migrações, Isabel Almeida Rodrigues.
Abordando as audições que tiveram lugar esta tarde, no parlamento, Ana Catarina Mendes frisou que, segundo o que tem ouvido e "a confirmarem-se as notícias que têm vindo a público, Setúbal é um caso isolado", mas "tem de ser investigado".
"Por isso, o senhor ministro da Administração Interna pediu que a Comissão Nacional de Proteção de Dados faça um inquérito para perceber o que aconteceu com os dados pessoais que, dizem as notícias, de algumas pessoas possam ter sido tratados", disse.
A ministra afirmou que, pelas audições desta tarde, contrariamente ao que terá sido veiculado pelas notícias, "não há certeza de que esses dados possam ter sido enviados para qualquer organismo externo".
"Ainda assim, eu julgo que, havendo suspeita, tem que haver uma investigação e tem que haver resposta a esta matéria", frisou.
A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares -- que tem a tutela da Igualdade e Migrações -- afirmou que os "direitos, liberdades e garantias de todos que aqui chegam devem ser escrupulosamente respeitados, e é assim que deve funcionar o Estado de direito".
"É nos momentos de crise humanitária que também surgem os maiores perigos para oportunismos, e é nestes momentos em que o cuidado com a informação e a desinformação deve subir o nível e, sobretudo, a todos nós que somos responsáveis políticos", salientou.
A governante disse que "o acolhimento em Portugal de migrantes, ou de pessoas deslocadas, seja do Afeganistão, da Síria, da Nigéria ou de outros fluxos migratórios" que ocorreram ao longo da história de Portugal "merecem o mesmo tratamento humanitário e humanista".
Quanto ao acolhimento de refugiados ucranianos em Portugal, "67% da população que aqui chega são mulheres, 30% são menores, 61% destas pessoas são pessoas em idade ativa", disse Ana Catarina Mendes.
A governante informou ainda que, à data de hoje, já houve 35.778 pedidos de proteção temporária, e que os distritos mais procurados pelos refugiados ucranianos são Lisboa, Faro, Porto, Setúbal e Leiria, e os municípios são Vila Nova de Gaia, Oeiras, Almada, Loulé, Portimão, Albufeira, Porto, Sintra, Cascais, Lisboa.
Ana Catarina Mendes considerou assim que "Portugal não virou as costas a este problema, e foi o primeiro país da União Europeia, através da sua resolução do Conselho de Ministros de 01 de março, a ter um programa de proteção temporária extraordinário, precisamente para facilitar a entrada".
"Eu devo, aliás, recordar que foi dada uma indicação ao Governo, através do senhor primeiro-ministro, para que as embaixadas junto à fronteira da Ucrânia não poupassem esforços para passar todos os vistos que fossem necessários para que as pessoas pudessem vir para Portugal", frisou.
A ministra lembrou ainda que "foi criada logo em março uma 'task force' que reúne todos os organismos do Estado, do SEF à proteção civil, à saúde, à educação, à Segurança Social, à Autoridade Tributária, ao ensino superior, para que as pessoas possam ter uma plena integração".
"Basta a situação de vulnerabilidade em que cá chegam: é preciso dar-lhes conforto e soluções para as usas vidas, seja por pouco ou por muito tempo, porque nenhum de nós sabe quando é que este conflito vai terminar", disse.
A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares revelou ainda que, após uma reunião entre o Governo e a embaixadora ucraniana em março, o Alto Comissariado para as Migrações foi instruído para retirar as listas de associações de acolhimento de refugiados do seu 'site'.
Numa audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o acolhimento de refugiados em Portugal, Ana Catarina Mendes informou que, "a 25 de março, na sequência de uma conversa com a senhora embaixadora e a tutela, foram dadas indicações ao Alto Comissariado para as Migrações (ACM) para que tivesse atenção especial, porque este é um momento que não é de 2011, não é de 2020, é o momento de um conflito que está aberto entre a Rússia e a Ucrânia".
"Foram dadas instruções para que os procedimentos fossem mudados, ou seja, que as listas que o ACM tinha no SOS Ucrânia para acolher as pessoas que aqui chegassem pudessem não existir, e fizesse um link direto para a embaixada da Ucrânia, aliás, confirmado e combinado com a própria embaixada da Ucrânia, coisa que veio a ser feita", acrescentou.
Ana Catarina Mendes disse ainda que "o ACM e a Câmara Municipal de Setúbal não têm nenhum protocolo assinado".
"Todos os protocolos que o ACM faz com as instituições obedecem não apenas às normas internacionais, mas obviamente às normas nacionais e à legislação nacional. Têm uma cláusula de proteção e tratamento de dados pessoais das pessoas que aqui chegam", acrescentou.
A ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares -- que tem a tutela da Igualdade e Migrações -- referiu que "o ACM estabelece protocolos com várias instituições, desde logo instituições de solidariedade social, com autarquias, com várias organizações, com associações de migrantes".
"Todas estas instituições e todos estes protocolos se pautam pelos valores que partilhamos no quadro legislativo internacional das Nações Unidas, ou no quadro legislativo da União Europeia, ou no quadro legislativo que são as recomendações do Conselho da Europa", indicou.
Sustentando que são esses valores que fazem "com que Portugal seja referido como um exemplo" a nível internacional, Ana Catarina Mendes acrescentou que o país "tem desde há muitos anos feito um caminho no sentido de ter boas práticas de acolhimento".
"Fomos saudados pelas várias instâncias internacionais, não só pelo quadro legislativo que temos, mas pela forma como temos sabido integrar aqueles que procuram Portugal como uma nova oportunidade para viver", disse.
Entre as medidas elencadas, Ana Catarina Mendes destacou designadamente o facto de, desde 2015, Portugal ter "um mecanismo de proteção internacional reforçada".
"O acolhimento e a integração de quem escolhe Portugal para viver tem sido sempre assegurado pelo ACM, criado há mais de 20 anos, reforçado sistematicamente quando o PS é Governo e reforçado em particular desde 2017, não só nos seus meios financeiros, como nas suas competências, como nos meios humanos, como na resposta e sobretudo numa resposta descentralizada em todo o território, para que se possa responder rápida e eficazmente a quem aqui chega", frisou.
A ministra defendeu que o executivo e a atual equipa ministerial "está obviamente comprometido" em "continuar o caminho que tem sido seguido, agora com a criação também da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo".
"Consideramos que é mais um passo no aprofundamento do acolhimento mais humanista e que pode acelerar processos (...) que agora fomos capazes de acelerar e que temos que continuar a acelerar a entrada de migrantes, refugiados, requerentes de asilo", disse.
A governante frisou ainda que, "em nome da dignidade humana, dos direitos, liberdades e garantias, estas situações são inaceitáveis", em referência ao acolhimento, na Câmara Municipal de Setúbal, de refugiados ucranianos por cidadãos russos.
"Não tendo o Estado qualquer responsabilidade neste caos, a nossa responsabilidade é sempre, e sempre, de robustecer a resposta e melhorar o acolhimento daqueles que aqui chegam em fragilidade", sublinhou.