Ampel ou Jamaika: Ménage à Trois à moda alemã?

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As eleições alemãs mais emocionantes em décadas terminaram sem um verdadeiro vencedor. Prevaleceu a incerteza, que ficará connosco por muitos meses. O vencedor oficial, claro está, é Olaf Scholz, líder do Partido Social-Democrata (SPD), que ganhou 25,7 % dos votos. Quase dois pontos percentuais acima de Armin Laschet, à cabeça da aliança União-Democrata Cristã/União Social-Cristã (CDU/CSU, ou partidos da União), (24,1 %), mais de dez em relação a Annalena Baerbock, candidata dos Verdes (14,8 %) e mais de 14 face a Christian Lindner, líder do Partido Democrático Liberal (FDP) (11,5 %). Se alguém lhe tivesse revelado estes resultados, no início do verão, Scholz teria acreditar sem hesitar. Não nos esqueçamos de que, a 21 de junho, a sondagem das sondagens apresentava a CDU nos 28 %, os Verdes nos 20 % e o SPD nos 16 %, apenas quatro pontos acima do FDP.

Sob esta luz, perto de 26 % constitui um resultado incrível para o SPD, mas ainda fica aquém de uma clara vitória. Os votos de Vermelho, Vermelho, Verde não bastam para obter uma maioria, que daria a Olaf Scholz uma vantagem considerável nas negociações com Lindner, e a dificuldade é que a entrada à justa do Die Linke no Bundestag exclui a possibilidade de ter deputados suficientes para formar uma maioria funcional com os Verdes. Desta feita, essencialmente, os resultados de domingo geraram quatro derrotados. De entre estes, Armin Laschet ficou em último, ao obter os piores resultados na história da CDU/CSU (uma queda de quase 9 %) mantendo-se sempre atrás de Scholz (chegando a 15 % na sondagem mesmo antes das eleições) quanto a quem seria melhor chanceler. Com esses números, foi impressionante ouvi-lo dizer na noite das eleições, em pleno Elefantenrunde, que tinha ganhado um mandato para formar uma coligação de governo. Desde então, e após algumas chamadas à realidade, incluindo do influente jornal Bild, parece ter recuado uns passitos e aceitado que, antes dele, Scholz é quem tem a legitimidade moral para tentar construir uma coligação. Não obstante, alguns comentadores, como Wolfgang Münchau, apesar da grande derrota de Laschet, consideram que uma coligação Jamaica é mais provável do que uma coligação Semáforo. Na opinião de Münchau, o programa vago de Laschet já pode ser uma vantagem, porque ele consegue ser mais flexível do que Scholz, que se comprometeu para com um aumento do salário mínimo, um rendimento social mínimo mais generoso (Bürgergeld) e garantias de pensão - bem como aumentos de impostos para os mais ricos de modo a cobrir estas despesas adicionais. Lindner Já disse que considera ser excessivo aumentar a tributação fiscal - um excesso que Laschet poderia aceitar, mas não Scholz. Contudo, ao mesmo tempo, seria estranho ver Laschet no papel de chanceler. Como bem o referiu a eurodeputada dos verdes, Sven Giegold, a verdade é que estas eleições representaram uma mudança do centro-direita para o centro-esquerda do espectro político. Enquanto a CDU caiu quase 9 pontos, juntos, o SPD e os Verdes ganharam 11 pontos. Aliás, dois milhões de eleitores da CDU/CSU mudaram para o SPD comparando com 2017.

O que é evidente é que as negociações não serão fáceis. De facto, é provável que Merkel faça o seu discurso de Ano Novo mais uma vez, em 2022. Enquanto o FDP prefere um ménage à trois ao estilo Jamaica, os Verdes preferem Die Ampel e não gostam nada da CDU. Segundo uma sondagem, apenas 15 % dos seus eleitores eram pró-Jamaica. Lindner é a representação do maior fã do Autobahn liberalismus (a possibilidade de conduzir na autoestrada sem limite de velocidade) - precisamente o tipo de liberalismo que mais tira os Verdes do sério.

Em princípio, o melhor que os Verdes e os liberais teriam a fazer seria chegarem a um acordo entre eles e, depois, lançarem os da CDU e do SPD uns contra os outros. Seria como participar num leilão onde quem licitasse mais ganhava a chancelaria. Este cenário favoreceria Laschet - mas falar é fácil. Robert Habeck, o vice dos Verdes, dá-se bem com Lindner, mas não é segredo nenhum que também aspira a liderar o Finanzministerium. Para os Verdes, a lógica é evidente: o partido mais votado (o SPD ou a CDU) ganha a chancelaria e, depois, os Verdes ganhariam o que viesse logo a seguir. Em vez de optar pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, como tem acontecido tradicionalmente, no caso das coligações com apenas dois partidos, é provável que os Verdes exijam o Ministério das Finanças ou um superministério (Superministerium) encarregado da transformação económica do país, como da Economia, Energia e Mudanças Climáticas. Resta saber se o conseguiriam.

Do ponto de vista europeu, especialmente do Sul da Europa, mas também da França, um Ministério das Finanças liderado por Lindner seria problemático, uma vez que ele se opõe a um afrouxamento das normais fiscais, ao prolongamento do Instrumento de Recuperação da União Europeia depois do quadro deste orçamento e à criação dos seus próprios recursos (por exemplo, impostos europeus), que considera ilegal. As ambições de Macron de uma soberania mais europeia, que Scholz partilha no seu programa, seriam contidas. Em resultado, a UE não teria recursos para competir com os EUA e a China.

Apesar de tudo, talvez exista uma solução intermédia, segundo a boa e velha tradição alemã de encontrar die Goldene Mitte. Se pretendem mesmo manter uma capacidade fiscal central para lá do Instrumento de Recuperação da União Europeia, o SPD e os Verdes terão de dar qualquer coisa a Lindner. Um possível compromisso poderá ser garantir-lhe que não haverá aumentos de impostos e que o travão da dívida será respeitado em troca de um fundo de investimento extraorçamental dedicado à transformação digital verde fortemente centrado na tecnologia e inovação. Esse fundo também poderia ser criado a nível europeu. Lindner talvez aceitasse essa proposta.

Se o ménage à trois à moda alemã não for possível, porque os Verdes e os liberais não conseguem ir para a cama juntos, não podemos descartar totalmente a ideia de uma Grosse Koalition (Groko). Domingo demonstrou que, apesar dos medos no passado, a extrema-direita da AfD (Alternative für Deutschland) não pôde tirar partido de mais quatro anos de Grande Coligação. Perderam mais de dois pontos percentuais e já estão mais perto dos 10 % do que dos 15 % da fatia dos votos; portanto, já não serão o maior partido da oposição.

A verdade é que o público alemão votou por uma coligação centro-moderada, alinhada com a abordagem de Merkel. Scholz como chanceler com Laschet como Ministro das Finanças seria o governo mais merkeliano de todos os possíveis governos. Isso, porém, significaria um "mais do mesmo" levado ao extremo, e os alemães - sobretudo, os jovens - votaram efetivamente por uma mudança moderada. On verra.

Professor de IE School of Global and Public Affairs (IE University) e investigador principal do Real Instituto Elcano.

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