Amores desencontrados
bernardo mariano
Onze anos depois, o público português vai poder voltar a ver e ouvir a ópera La Spinalba Ovvero il Vecchio Matto, do compositor setecentista português Francisco António de Almeida (1702?-1755?). La Spinalba estreia esta noite (21.30) no Teatro do Campo Alegre, numa produção conjunta do Estúdio de Ópera e da Remix Orquestra, duas estruturas da Casa da Música. No domingo, às 18.00, dá-se a segunda récita.
a obra.La Spinalba, em três actos, foi estreada no Carnaval de 1739, no teatro do Paço da Ribeira, em Lisboa. É uma ópera cómica (dramma comico ou commedia per musica) com libreto do compositor que segue as regras e a prática da escola napolitana coeva. A história tem todos os ingredientes dum teatro de situações e nela encontramos arquétipos cómicos que iremos encontrar em várias óperas muito conhecidas do repertório: a mulher disfarçada de homem (Spinalba/Florindo); a criada esperta (Vespina); a rapariga de amores volúveis e caprichosos (Elisa); o criado- -médico charlatão (Togno), os amantes tolos e ridículos (Ippolito e Leandro), o velho louco (Arsenio), a poção curativa, etc. Junte-se a isto confusões e enganos constantes que se resolvem todos num lieto fine (final feliz) e temos uma ópera cómica de enorme efeito teatral, dramático e musical. Sob toda esta espuma, esconde-se um percurso de aprendizagem do amor e seus enganos, da amizade e da natureza humana que é empreendido pela protagonista e que funciona como o «lado sério» da obra.
La Spinalba é uma das poucas óperas de autor português que vão sendo produzidas internacionalmente, factor importante se atendermos à dificuldade que existe em introduzir uma ópera no grande repertório estabelecido. A partitura foi editada nos anos 60 pela Fundação Gulbenkian e a obra encontra--se gravada em disco.
o autor. Muito pouco se sabe sobre a vida de Francisco António de Almeida, mas a (parte da sua) obra que chegou até nós permite afirmar que se trata do único compositor que pode ser equiparado à grandeza de Carlos Seixas, de quem aliás foi exacto contemporâneo. Terá nascido por volta de 1702, esteve activo criativamente entre 1722 e 1752 e terá com grande margem de certeza perecido em consequência do terramoto de 1755.
Esteve em Roma como bolseiro do rei D. João V - tal como, por exemplo, António Teixeira e João Rodrigues Esteves - o mais tardar desde 1722 e regressou em 1728, sendo desse período na cidade papal a caricatura de Pier Leone Ghezzi da qual no título reproduzimos a cabeça - é, aliás, a única imagem do compositor que se conhece. Do seu período romano datam, por exemplo, as oratórias Il Pentimento di Davidde (tocada em 1722) e La Giuditta (tocada em 1726), esta última geralmente considerada uma das obras-primas da música portuguesa, na opinião do musicólogo Manuel Carlos de Brito, «fazendo lembrar na sua expressividade nobre e intensa as melhores páginas das óperas italianas de Händel».
Francisco António de Almeida foi um dos participantes mais activos do efémero florescimento que a ópera de corte teve em Portugal, entre 1733 e 1742. No palco provisório que, durante esse período, era montado anualmente no Paço da Ribeira durante o Carnaval, foram dadas três óperas do autor, todas cómicas: La Pazienza di Socrate, em 1733; La Finta Pazza (1735); e esta Spinalba, que foi a única a ter chegado completa até aos nossos dias. Da sua produção conhecida constam ainda serenatas (Il Trionfo della Virtù, L'Ippolito), diversos motetes e um Miserere.
Por tudo isto, merece louvor a presente produção, porque esta Spinalba vale mesmo a pena!