Amine, o solidário

Publicado a
Atualizado a

Eu não conheço Amine. Até há alguns dias, eu não o conhecia. Amine é um daqueles jovens franceses de Lisboa que às vezes encontramos na linha do metro entre o Oriente e a Baixa Chiado. Como eles, Amine trabalha num dos call centers instalados no Parque das Nações. De origem argelina, chegou diretamente de Yvelines, perto de Paris, para passar, pelo menos, um ano nas margens do rio Tejo. Amine, afinal, não se destaca muito das centenas de jovens que vieram procurar emprego, na esperança de beneficiar da suavidade de Lisboa. No entanto, uma mensagem do jovem postada num dos muitos grupos do Facebook que reúne os franceses em Portugal chamou a minha atenção. Nela, Amine agradece às pessoas que o apoiam na sua ação solidária, incentivando os leitores da rede a participar. Uma mensagem emocionante de simplicidade e bondade. O jovem francês decidiu fazer um gesto para os sem-abrigo que se instalam à noite no piso inferior ou na zona circundante da estação do Oriente. A abordagem pode não ser nada original - afinal, os impulsos generosos do Natal são quase uma instituição -, mas surpreende pela sua espontaneidade e sinceridade. Amine não está envolvido numa causa, não pertence a uma ONG nem a um culto religioso, simplesmente viu os sem-abrigo sair do trabalho e ir para ali. "Eu estou num lar, sem laços familiares, mas poderia estar no lugar deles. Em tempos fiz as escolhas certas. Então, lancei um chamamento para quem me quisesse ajudar a carregar a panela de sopa e a remeter dinheiro para comprar cobertores para aqueles que não têm nada."

A operação Natal dos Sem-Abrigo d'Oriente está programada para o dia 24 de dezembro às 19.00. O chamamento de Amine poderia muito bem ter sido afogado na massa de mensagens na rede e engolido por todas as "boas-festas" da época. Pelo contrário, este chamamento abriu caminho e foi ouvido: em poucos dias, Amine levantou dois terços dos 200 euros que pediu para comprar o que era necessário. Melhor: trinta pessoas decidiram dar uma mão no 24 de dezembro à noite. "Fiquei surpreendido com este impulso espontâneo. Um pequeno grupo de jovens e menos jovens, de todos os horizontes, vai compartilhar alimentos e bebidas, roupas e bons momentos", diz alegremente o francês. Ele acabou por agradecer, um a uma, a todos os que responderam favoravelmente ao seu pedido no Facebook. Aqui, novamente, uma atitude positiva e original, que Amine explica simplesmente com o facto de ter uma semana de férias e tempo para o fazer e dedicar-se à organização desta ação.

O Natal dos Sem-Abrigo d"Oriente é um pouco delicada: não é permitido ocupar o espaço da estação. E Amine e os seus amigos não se querem juntar a uma associação que ajuda aqueles que ficaram sem nada. O jovem francês está empenhado em realizar o seu projeto e em querer manter a sua independência nesta ação pontual. "A solidariedade não tem fronteiras", diz ele, e não tem uma língua, uma cultura, ou um culto religioso específico. Este gesto de solidariedade que emana de um argelino dos subúrbios de Paris, sem fortes laços por cá e para quem o Natal seria quase um dia comum, fez-me pensar nos dramas do nosso tempo. O drama do Mediterrâneo, em que os refugiados chegam e são tratados apenas como fazendo parte de "fluxos migratórios", que devem ser geridos, organizados, supervisionados... e salvos também. O drama de Pedrógão e das aldeias desaparecidas nos incêndios de verão.

Mas houve explosões de solidariedade aqui como em França, e toda a ajuda recolhida foi levada a quem precisava. Foi a generosidade que esteve presente sem qualquer outro propósito, além deste: o ser humano. Com grande modéstia, o argelino francês Amine dá sentido à palavra "gentil", que geralmente e nos nossos dias é quase sinónimo de ingénuo ou de desatualizado.

Eu não conhecia Amine, mas reconheci-o. Feliz Natal.

Correspondente da Radio France Internationale

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt