Amigos, amigas, amigalhaços, amigas do peito e contágio social (parte II)

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- Eu? Eu fui-me deitar. O que é que querias que eu fizesse? Chega uma altura em que já não tenho pedalada para aquilo. Nem pedalada nem pachorra.

- A sério? Mas isso dura até que horas?

- Olha, dura até elas se cansarem. Esta noite foi até às quatro e meia, parece. Não sei bem. Estava ferrado no sono, não dei conta

- Mas elas não trabalham hoje?

- Trabalham, pá. A Rita até se levantou antes de mim. Às nove horas já estava no escritório e foi ela que levou o miúdo ao colégio. Não sei como é que ela consegue.

- E a Filipa?

- A Filipa também. Ela está cá agora porque vem para reuniões. Ontem, hoje e amanhã. Tem os dias todos ocupados com clientes. E também começa cedo. Hoje tinha de ir para Coimbra.

- Ok, mas duas noites seguidas a deitarem-se às tantas e a terem de acordar cedo, não há corpo que aguente.

- Aguenta, aguenta... Elas aguentam. E esta noite devem ir pelo mesmo caminho. Aquelas duas quando estão juntas ligam-se à corrente e não há quem as desgrude. Eu de vez em quando ainda meto uma colherada, ou elas perguntam-me qualquer coisa, mas a maior parte do tempo são elas sozinhas a tagarelar. Mais uma noite destas e fico com um zumbido nos ouvidos.

- Sim, isso é uma coisa de gajas. Estão sempre a falar.

- É impressionante. É que têm sempre, sempre assunto. Nunca se acaba. Ainda por cima, como a Filipa está em Madrid e só cá vem de vez em quando, fica lá em casa. A empresa paga-lhe o hotel, mas ela prefere ficar connosco para pôr a conversa em dia com a Rita. As mulheres já são tagarelas por natureza, mas estas duas quando se juntam têm de compensar as semanas em que não falam.

- Oh pá. Mas isso é assim com todas. Julgas que é só com elas? Não é preciso estarem muito tempo sem se verem nem viverem no estrangeiro. A minha mulher é a mesma coisa com as amigas. E veem-se quase todas as semanas.

- A tua mulher? Mas não dizes que ela é reservada?

- Siiiiiiim, é reservada. Bastante. Introvertida, mesmo. Mas quando está com as amigas, esquece lá isso.

- Solta a língua.

- Solta e de que maneira. É que não se cala.

- Mas de que é que as mulheres tanto falam? Eu nestas noites, lá em casa, a partir de uma certa altura, já não as ouço. Desligo. Não consigo acompanhar.

- Oh, falam de tudo e mais alguma coisa. Misturam os temas todos, é uma confusão do caraças.

- Mas têm de ser boas amigas. E é só entre elas. Menino não entra. Mesmo que tenham um melhor amigo homem, não estão tantas horas a falar com o gajo.

- Não, não é bem isso. Não falam é das mesmas coisas com ele. Pode ser o amigo de infância, o gajo que é como um irmão, seja o que for. Mas ele só tem direito a dois ou três assuntos. Nós não somos bons a fazer várias coisas ao mesmo tempo e a saltar de assunto em assunto também não.

- Sim, é isso. E passam da conversa mais séria, sobre os problemas que as preocupam e coisas graves, para as cores da moda ou a saia que uma fulana estava a usar. E depois voltam ao tema sério. Não há sequência lógica. Passam a vida a fazer isso. A pular de assunto.

- Ele é roupa, mexericos, trabalho, amigos, discussões com os maridos, colegas porreiros, colegas sacanas, traições, restaurantes novos, filhos, colégios dos filhos, cinema, atores, roupa outra vez, gajos, divórcios, séries de televisão. E nunca perdem o fio à meada.

- E astrologia e coisas esotéricas também. E roupa.

- Já disse.

- Mais roupa. Isso nunca se esgota. Agora já vai esgotando. Já está tudo escolhido nos saldos.

- As coisas que tu sabes.

- Elas estavam a falar disso ontem.

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