Américo Amorim - Esta fortuna não é de cortiça
O HOMEM MAIS RICO de Portugal – segundo a lista da revista Forbes – gosta de confessar que há duas coisas que não sabe fazer: telefonemas e abrir portas. Para colmatar estas insuficiências conta com a preciosa ajuda do seu motorista, que também faz de mordomo e guarda-costas, vai buscar o barbeiro para lhe cortar o cabelo e tem toda a imprensa do dia lida, digerida e sublinhada para ele passar os olhos quando cedo pela manhã embarca no BMW preto Série 7.
Américo Ferreira de Amorim, 75 anos, também não sabe cozinhar arroz e falar um inglês fluente, mas não deve haver muita gente no mundo capaz de transformar 2,5 por cento de uma fábrica de rolhas e um hectare de terra em Mozelos, Feira, na maior fortuna do país.
«Tive a teimosia de não me confinar ao espaço estrito que herdei», explica este homem que agora controla a Galp, mas fez toda a escola primária calçado com socos de madeira – só depois de concluir com sucesso a quarta classe ganhou o primeiro par de sapatos, que apenas podia usar para ir à missa de domingo e tinha de descalçar antes de jogar à bola ou à macaca.
A partir desta pequena história se percebe que o homem mais rico de Portugal corresponde ao perfil do clássico self made man. Aos 18 anos já Amorim era órfão de pai e mãe. Abandonou a escola comercial e foi durante dois anos trabalhar como operário, a ganhar quinhentos escudos por mês para a fábrica da família. Depois foi o princípio de tudo. Correu mundo a vender rolhas, com os olhos bem abertos. «Saiam de Mozelos City. Lavem a cabeça no mundo. Não se deixem aprisionar pela mentalidade do caldo verde», alerta sempre.
Foi o que ele fez. Aos 19 anos (1953), embarcou no Sud Express para Bordéus com um bilhete de seiscentos escudos no bolso (sem direito a cama) e a bagagem reduzida ao essencial: uma gravata e amostras de rolhas. Vendeu muitas rolhas de cortiça e completou a deficiente formação escolar de base, com a mala na mão.
Vida e viagens foram a sua universidade. Adora recordar que não teve saudades da escola e teoriza sobre o saber de experiência feito: «Estudar é um bem precioso, mas o contacto com o mundo, com a diversidade dos continentes, a análise dos países, das culturas dos povos, a vivência dos valores, dos seus hábitos, é um enriquecimento para qualquer empresário, não há universidade que o substitua.» Amorim detesta escrever. Dispara as ordens que tem de dar num português telegráfico, com o interrogativo retórico «Correcto?» a fazer as vezes de ponto final, ao secretário/a que está sempre ali por perto deste homem que detesta estar sozinho. Paulo Silva, um dos secretários que treinou, por exemplo, veio a fazer carreira como gestor e depois de ter sido alto quadro da Portucel é agora administrador de uma empresa da Parpública.
Amorim é conhecido pela sua teimosia e obstinação. «Um tractor», define o gestor que mais privou com ele. «Quando tenho uma ideia é difícil fazerem-me parar», reconhece este homem que não leu muitos livros (O Príncipe, de Maquiavel, consta desta lista reduzida), devora artigos de revistas e adora ouvir. O seu metro e oitenta e a sua grande cabeça armazenam um disco rígido com uma memória brutal – um dos seus segredos – capaz de debitar o preço do metro quadrado nas principais zonas de Lisboa, Rio de Janeiro ou Luanda. Quando o ouvirem perguntar, «Então meu amigo, como vai este país?!?», e receberem uma palmada nas costas, já sabem. Começou a sua função de aspirador e vai sugar toda a informação que considera útil para a prosperidade dos seus negócios.
O seu saber, gosta de o sintetizar em frases, espécie de aforismos. Diz que usa «o coração do lado direito» – quando pretende fazer prevalecer a razão sobre a emoção e a afectividade. Algumas destas frases são mais profundas («nós não exportamos nada, importamos o poder aquisitivo dos outros países»), outras nem tanto («acima de zero é caro» e «receber antes de nascer, pagar depois de morrer»). Outras, ainda, definem o seu modo de vida. Costuma dizer que «quem tem uma origem modesta está bem em qualquer lado».
A austeridade dos seus hábitos mede-se pela forma como se gaba de ter substituído o BMW que estava ao seu serviço há oito anos por um outro que lhe ficou ainda mais barato porque era de serviço. Só comprou o seu primeiro carro novo, um Rover, aos 35 anos, quando se casou com Fernanda, filha de um médico e empregada no Lloyds, que lhe deu as suas três filhas. Foi o primeiro Amorim da sua geração a sair de Mozelos: em 1969 alugou por 1250 escudos por mês um pequena casa na Rua 15, em Espinho. Hoje usa três casas: o palacete que era de Miguel Quina, no Porto, a vivenda de fim-de-semana, na Granja, e a herdade do Peral, que era de Jorge de Mello, no Alentejo. Mas continua a sentir-se bem em qualquer lado. A almoçar sábado na Zizi, na Aguda, ou ocasionalmente a trincar um rissol no Capa Negra, que dista uns escassos cinquenta metros da sua residência no Porto.
A sua permanência na lista dos mais ricos do mundo prova a sua grande visão, enorme perspicácia, gigantesca capacidade de trabalho e liderança. Se fosse militar era general. Navegou através do Condicionamento Industrial salazarista, do 25 de Abril (de que soube tirar partido como poucos) e da Reforma Agrária, com a leveza da gazela, a astúcia do coiote e a manha da raposa. Acredita em Portugal, que caracteriza como «o Magreb da Europa» e que acha não ter grande estratégia, mas algum futuro: «Temos uma história que nos liga ao Brasil e à África Austral, somos europeus e com uma fachada atlântica que nos aproxima dos EUA, vivemos em paz e tranquilidade, que hoje é um bem não subestimável, temos condições climatéricas de relativo equilíbrio e recursos humanos dóceis e que bem geridos produzem como os outros.»
Quem quiser encontrar as razões do sucesso nos negócios de Américo Amorim deve procurá-las na forma como os geriu desde cedo. Ainda não tinha dobrado o cabo dos 30 anos, em 1963, quando iniciou o combate pela verticalização industrial fundando a Corticeira Amorim, que começa por fabricar granulado, depois aglomerado, usando como matéria-prima desperdícios do fabrico das rolhas. Estes desperdícios, Amorim apenas comprava na Amorim & Irmãos se não conseguisse melhor preço fora do grupo. Assim contornava o drama das «espirais tuberculosas» – a curiosa expressão que inventou, vestindo com novas palavras a velha parábola da maçã podre que contamina todo o cesto. Se a Corticeira comprasse o desperdício da Amorim & Irmãos a um preço mais elevado que o do mercado estaria a desencadear o processo da «espiral tuberculosa» em que a empresa doente contagia a irmã de grupo que está sã.
Nessa altura, a sua vontade de andar depressa na instalação da nova fábrica que acrescentaria mais valor a uma matéria-prima portuguesa esbarrou com o Condicionamento Industrial em vigor estabelecido por Salazar que temia os efeitos de um crescimento rápido e não controlado. Mas as leis de Salazar não chegaram para o atrapalhar. Avançou com a fábrica mesmo sem autorização, solucionando o problema com um expediente: comprou o alvará a uma firma de Faro, a Torres Pinto.
Tinha um inconveniente, a fábrica só poder existir no Algarve. «Só pelo papel demos duzentos contos», recorda, acrescentando com amargura: «Não foi fácil atingir a liderança do sector e concretizar a estratégia de aproveitar o facto de Portugal ser o maior produtor mundial de cortiça para transformar no nosso país toda a cortiça aqui produzida, primeiro, e depois transformar e/ou comercializar a cortiça produzida noutros países. Quando pretendi começar a transformar os desperdícios resultantes da produção de rolha fui confrontado, em 1963, com o famigerado Condicionamento Industrial que me obrigou a criar uma unidade no Algarve a 630 quilómetros de distância, enquanto eram oferecidos alvarás que nunca foram empresarialmente utilizados.»
Nada parecia detê-lo. Em 1958, chocou o governador civil de Aveiro com o pedido de um passaporte válido para todo o mundo, URSS incluída – e não apenas com o habitual carimbo: «válido para todos os países com quem Portugal tem relações diplomáticas». Iniciou na Roménia um périplo que em cinco anos o levou a todos os países do Comecon. Resolveu apostar no Leste. Rapidamente e em força – mas não para Angola, como pedia Salazar.
Em meados dos anos 1960, o grupo era o maior exportador português para o lado de lá da Cortina de Ferro. A partir de uma plataforma estabelecida em Viena de Áustria, vendia para todo o Leste e outros países, como China, Egipto e Índia, com quem Portugal não tinha relações diplomáticas por razões políticas e não aceitavam mercadorias com o nosso nome estampado. É por estas e por outras que, olhando para trás, se verifica que, pelo seu percurso e decisões de investimento, Américo Amorim teve um faro político apurado. A sua visão sobre a evolução política do mundo revelou-se tão certeira como um 13 no Totobola. E ajudou-o nos negócios.
Ainda muito antes da queda do Muro papagueava acreditar a prazo curto numa Europa única, de Lisboa até aos Urales. O veterano das viagens de comboio ao lado de lá da Cortina de Ferro – que o KGB tentou aliciar num hotel de Moscovo, e certa vez sofreu a humilhação de ter de se despir todo numa fronteira para ser revistado – sabia do que estava a falar. E interpretou bem os sinais.
Mal foi editado o livro Perestroika, de Mikhail Gorbachev, logo comprou mil exemplares (a seiscentos escudos cada um) à Europa-América para enviar às pessoas das suas relações avisando-as da iminência da revolução a leste. Perestroika e glasnost eram o santo-e-senha, o equivalente à Grândola, Vila Morena e ao E Depois do Adeus. «Um dia vamos acordar com uma grande Europa de Lisboa até aos Urales....», escreveu na dedicatória.
Apesar de detestar escrever, Américo empunha a caneta de quando em vez para acções cirúrgicas de charme que adivinha poderem ser investimentos com belo retorno. Como qualquer bom empresário, sabe que se deve comprar em baixa. Além do mailing em massa da obra de Gorbachev que abalou o mundo, ganhou cumplicidades para a vida com pequenos gestos.
Exemplos? Ainda mal Mário Soares tinha acabado de ser corrido de primeiro-ministro e gritar à saída de Belém que se sentia livre como um passarinho a quem abriram a porta da gaiola e já desembarcava na sua casa do Campo Grande uma encomenda de três garrafas de vinho do Porto acompanhada de uma carta com breves palavras de elogio e conforto assinada por Américo Amorim.
Acertou a Leste, nos anos 1980, e acertou em Portugal – em quase todas as décadas. Nas viagens tinha aprendido que o mundo era muito diferente do país em que vivíamos, atrasado e espartilhado pelo Condicionamento Industrial. Por isso nunca investiu nas colónias, que sabia que o eram a prazo, depois de em 1962 ter assistido pela televisão, em casa de uns amigos franceses, ao discurso em que Charles de Gaulle dava a independência à Argélia: «Pensei que Portugal em África não tinha futuro e que a história era irreversível.»
A expropriação, no Verão Quente de 1975, das áreas de sobreiro das herdades que tinha começado a comprar três anos antes não chegaram para o desanimar. Foi de férias para Espanha e regressou, pronto a continuar a investir. «Em Setembro/Outubro de 1975, não sei explicar porquê, os receios que tive deixaram de fazer parte das minhas preocupações.» Estava firmemente convencido de que os excessos da revolução seriam transitórios, e que o pêndulo iria estabilizar depois deste movimento compensatório.
Provou-o quando, em 1976, recomeçou a comprar ao desbarato, no Alentejo, herdades a famílias em pânico, dispostas a desfazerem-se das terras por qualquer preço. Tanto pode ter sido feeling, como espírito santo de orelha. Ou a combinação das duas coisas. Mais uma vez tinha acertado no diagnóstico e logrou surfar nas ondas da revolução.
Por essa altura era inquestionável a influência que o grupo Amorim tinha nas embaixadas dos países de Leste em Lisboa. Há mais de uma década que estava habituado a lidar com os soviéticos e aproveitou essa experiência para ajudar diplomatas e afins a instalarem-se após o 25 de Abril num país que não conheciam.
Montou-lhes uma estrutura de apoio que os ajudava a vencer as pequenas dificuldades do dia-a-dia, como arranjar um médico, alugar um apartamento, marcar uma consulta no dentista, fazer as compras, etc.
UM QUARTO de século depois, Américo reconhece que este esforço deu os seus frutos: «Estabelecemos canais, enfim, que permitiriam alguma compreensão e flexibilidade, a par de informações preciosas.»
Na frente interna não descurou a actividade diplomática e não raro desembarcavam em Mozelos autocarros cheios de alentejanos. Organizava excursões gratuitas para o pessoal das célebres UCP (Unidades Colectivas de Produção) viajar até ao Norte para saber como funcionava a indústria.
«A democracia é o regime político legítimo para qualquer empresário», sentencia.
A sua vida prova isso mesmo. Mozelos, Feira, estava a 12 quilómetros do Porto mas a milhares de quilómetros do mundo quando Américo lá nasceu a 21 de Julho de 1934 num casa agrícola modesta, sombria e austera. Quase tudo era modesto, sombrio e austero em Portugal nos anos 1930 – as excepções eram as vidas fascinantes e repletas de glamour das velhas famílias com quem Amorim, já rico, viria a cruzar-se mais tarde.
Os Espíritos Santos com quem se aliou na Telecel (que posteriormente venderam à Vodafone), os Mellos a quem comprou a herdade do Peral no Alentejo ou os Quina, os anteriores proprietários da sua casa na zona do Campo Alegre, no Porto.
O pai, Américo Alves Amorim, detinha vinte por cento na Amorim & Irmãos, a empresa de rolhas que o seu pai António (avô de Américo) fundara. Mas estes princípios industriais podem ser enganadores. Conhecido como o «Américo dos jeitos», o pai teve de vender uns pinheiros para financiar os estudos da longa prole de quatro rapazes (José, António, Américo e Joaquim) e quatro raparigas (Margarida, Albertina, Luzia e Isaura) que a sua mulher Albertina lhe deu.
Em menos de dois anos, o filho Américo ficou órfão de pai e mãe (Albertina morreu em 1951, o marido em 1953). Ainda não tinha 18 anos quando herdou 2,5 por cento da Amorim & Irmão e um hectare de terra (que valeria dez mil contos a preços actuais) e foi trabalhar para a fábrica. «Nos primeiros dois anos trabalhei como operário, correndo todas as secções industriais. Entrava às sete e meia da manhã e saia às oito da noite. Depois, como na altura a empresa já tinha alguns clientes em França, comecei a representá-la no estrangeiro. Tudo era difícil nessa época, por isso viajava de comboio de Pampilhosa até Baiona», conta.
Em Mozelos, começou por vencer a pé a distância nas deslocações casa-trabalho. Depois comprou uma bicicleta. Um Volkswagen em segunda mão foi a sua primeira viatura – que usava apenas ao fim-de-semana. E comprou o primeiro carro novo, um Rover, em 1969, quando se casou, já tarde, aos 35 anos, com Maria Fernanda Oliveira Ramos, a afável filha de um médico, que trabalhava no Porto no Lloyds Bank (onde durante o namoro e sempre que podia Américo a ia buscar ao fim do dia de trabalho). Ambos teriam as três herdeiras da maior fortuna nacional: Paula, 38 anos, Marta, 37, e Luísa, 36.
Depois do casamento, Américo Amorim fez história ao alugar a 1250 escudos por mês uma pequena casa na Rua 15, em Espinho: era o primeiro Amorim da sua geração a abandonar Mozelos. Em 1976 comprou, por três mil contos, a casa na Granja, equipada com court de ténis e piscina.
Um dia estava Fernanda sossegada nesta casa, na Avenida das Árvores, quando ouviu o marido entusiasmado comunicar-lhe do outro lado do telefone: «Temos mais uma casa!» Estava orgulhoso, tinha acabado de comprar por duzentos mil contos, a Jorge de Mello, a herdade do Peral, uma propriedade imponente, estilo Dallas, onde investiu um milhão de contos a torná-la rendível porque, justifica, «é um luxo ter uma quinta e estar sempre a desembolsar para a sustentar».
O Peral, um dos melhores montes do país, espraia-se por mais de cinco mil hectares, incluindo um bocado do lago do Alqueva, mas quando ele comprou constava de apenas quinhentos hectares. O resto estava ocupado pelos caseiros, mas Américo, com o seu jeito para o diálogo e enorme capacidade de persuasão, lá conseguiu que eles lhe devolvessem as terras após alguns cordeiros assados ao ar livre oferecidos pelo empresário.
Completou o seu parque imobiliário pessoal com outra peça prenhe de simbolismo: o palacete da Rua Dona Estefânia (pegado à CCRN e nas traseiras do Campo Alegre), no Porto, comprado a Miguel Quina, onde passou a residir durante a semana. Por norma, reparte os fins-de-semana entre o Peral (para onde viaja num helicóptero, sempre alugado) e a Granja.
Da vida, Américo obteve praticamente tudo quanto ambicionava. O avô fundou um negócio que estava dependente dos sucessos e insucessos do vinho do Porto. Ele, mal teve oportunidade, adquiriu uma companhia de Porto, a Burmester – que entretanto vendeu aos espanhóis, mantendo, no entanto, a Quinta Nova, onde produz excelentes vinhos do Douro.
Na banca, se teve de abrir mão do BCP, tem o direito de sentir-se orgulhoso por ter sido o primeiro responsável pelo nascimento do maior grupo financeiro privado português – e, suplementarmente, é o maior accionista do Banco Popular.
Só falhou, talvez, em não ter conseguido ter um filho varão. O grande desgosto da sua vida teve-o quando soube que o terceiro filho era uma ela. Que a seguir a Paula e Marta nascia Luísa. Não quis ter mais. Acabou por ser bom, confessa Fernanda, a mulher: «Tivemos sorte. Se saísse um rapaz ou era igual a ele ou seria a pessoa mais infeliz do mundo.»
«Trabalho por prazer»
Trabalhador compulsivo, fundamenta teoricamente ser um workaholic militante com aquelas suas frases bem típicas. «Quando se trabalha por gosto detém-se toda a liberdade.» «O meu descanso é o trabalho, o meu prazer é investir.» «Se fosse possível fazia uma fábrica todos os dias.»
Descansa trabalhando de segunda a sábado, entre 12 e 15 horas por dia, de uma forma concentrada. A partir do momento em que liga o botão do on é trabalho, só trabalho, nada mais.
Um dia, quando ia a caminho de um encontro de trabalho, sofreu um pequeno acidente de viação, providenciou transporte alternativo e desembarcou na reunião com a cara ainda cheia de sangue como se não fosse nada – o líder nunca pode ficar doente.
Aos domingos, usando como pretexto bater umas bolas no court de ténis da casa da Granja ou um convívio no Peral, atrai os quadros do seu grupo para reuniões de trabalho, em traje informal. Isabel dos Santos, sua sócia na Galp, queixa-se de que as decisões estratégicas da petrolífera são tomadas aos fins-de-semana no Alentejo – e não nas reuniões do conselho de administração em Lisboa.
Dorme umas sete horas por dia e não é um garfo por aí além. Aprecia um cozido à portuguesa, uma bacalhauzada, mas acha que se perde tempo excessivo a comer e beber de mais – e resguarda-se porque a saúde aos 74 não é a mesma que aos 18 anos.
Os períodos de férias estão formatados a régua e esquadro. Uns dias no final do ano, passados sempre na praia do Forte, na Bahia, outros tantos no Carnaval e três semanas em Agosto, duas no estrangeiro e a última no Peral.
O sonho de ser banqueiro
Para um homem poupado como Américo Amorim, o negócio bancário, onde se gere o dinheiro que os outros fazem fila para nos emprestar, é o mais bonito e irresistível de todos os sonhos.
Mal começou a murmurar-se que o monopólio da banca nacionalizada ia ser quebrado, logo ele se perfilou na primeira linha de fogo. O seu nome estava na lista dos 25 promotores da SPI, a sociedade de investimentos desenhada por Artur Santos Silva que acabaria por dar origem ao BPI. Mas o estilo excessivamente cuidado deste banqueiro, que só levanta o pé esquerdo quando tem a certeza de que o direito está bem assente, exasperou Américo que resolveu avançar por sua própria conta e risco.
Convocou Ferreira Silva, gestor do Banco Borges & Irmão, para uma reunião, no domingo, no pavilhão de vidro da casa na Avenida das Árvores, na Granja, e ali, em mangas de camisa, com vistas para a piscina, começaram a desenhar o projecto de um novo banco comercial privado.
A 4 de Setembro de 1984, reuniam-se pela primeira no Palácio da Bolsa os promotores de um banco comercial privado, que começou por ser baptizado como Banco Comercial Portuense – manteve a sigla BCP mas alargou o qualificativo geográfico.
Tratava-se então de deitar mãos à obra e conseguir a autorização, tarefa que se adivinhava mais hercúlea do que reunir os capitais – o projecto tinha um bom cartão-de-visita: «Se o Amorim mete dinheiro é porque é bom investir lá» – que pretendiam andassem à roda dos três milhões de contos, ou seja, o dobro do mínimo legal. E a 2 de Maio de 1985 o Banco de Portugal autorizava a constituição do BCP.
O BCP foi um das mais custosas (embora lucrativas) derrotas da sua carreira. Após um longo braço-de-ferro com Jardim Gonçalves, em Março de 1996 não teve outra solução senão trocar por um montão de dinheiro o seu filho querido que tinha feito nascer 12 anos antes junto à piscina da sua casa na Granja.
Mas não desistiu da banca, fundando o pequeno BNC, que viria a trocar por uma posição no capital do espanhol Banco Popular, uma entidade que está sempre no top 10 dos bancos mais rendíveis do mundo e de que Amorim é o maior accionista individual.
O império: da cortiça ao petróleo
Grande parte da fortuna de Américo Amorim está aplicada em investimentos em fundos de private equity, particularmente na banca e no mercado energético. É accionista de algumas entidades como:
- Banco Popular 7% do capital
- FinPro (sociedade de investimento) 28%
- BIC-Banco Internacional de Crédito (terceira maior instituição bancária de Angola, com presença também em Portugal) 25%
- Galp Energia 18%
- Tom Ford (moda) 25%
Amorim Turismo
- The Lake Spa Resort, em Vilamoura
- o Vilalara Thalassa Resort, em Lagoa
- Tróia Design Hotel
- Casinos da Figueira da Foz e participação em 32% na Sociedade Estoril Sol, detentora dos casinos do Estoril, Lisboa e Póvoa de Varzim.
O próximo projecto será em Tróia, ainda sem data prevista de abertura, e inclui, além do casino, um hotel e spa Blue&Green, um centro de conferências e um centro de espectáculos. Tem ainda investimentos imobiliários no Brasil que espera converter em locais turísticos.
Juntamente com os dois irmãos, criou um fundo de private equity de cem milhões de euros, a Amorim Global Investors, que visa a aquisição e investimento em empresas com histórico de rendibilidade e potencial de crescimento, de forma a aproveitar oportunidades de negócio criadas pela crise.
Recentemente, Américo Amorim e Isabel dos Santos terminaram a parceria que tinham na área dos cimentos em Angola. Américo Amorim, que detinha em conjunto com a empresária angolana 49% da Cimangola, através da Ciminvest, alienou a sua parte do capital a uma empresa controlada por Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos. Esta posição devia rondar os 30% e a operação terá sido financiada pelo Banco Português de Investimento (BPI) e foi concretizada no final de 2009.
Américo Amorim é também sócio da Sonangol (petrolífera estatal angolana) na Amorim Energia (Américo Amorim tem 55%, a Sonangol e Isabel dos Santos têm 45%) que detém uma importante participação na Galp.
Amorim procedeu ainda à compra dos 45% que a Caixa Galicia detinha na Investimentos Ibéricos, que permitia à instituição espanhola controlar indirectamente 4,5% da Galp, o que ocorreu já este ano. Este negócio permitiu ao banco galego realizar uma mais-valia de 156,8 milhões de euros.
Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo
Situada na Região Demarcada do Douro, a Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo possui 85 hectares de vinhedos, a partir dos quais são produzidos vinhos de mesa e do Porto.
Em 2005, ali nasceu o Hotel Rural da Quinta Nova, o primeiro hotel vínico do país.
Amorim Negócios Internacionais (ANI)
Empresa criada com o intuito de aumentar as exportações de cortiça, complementando a actividade das empresas associadas e alargando a presença do Grupo Amorim no mundo, que se dedica ao comércio internacional, à importação e exportação de produtos variados.
BEM España
Prestação de serviços aos imigrantes. A BEM España oferece os mais variados serviços financeiros, telecomunicações e assessoria, nomeadamente serviço de voz, transferência de dinheiro, venda de cartões de chamadas, recarregamento de telemóveis, internet, agência imobiliária, agência bancária e apoio jurídico.
Gierlings Velpor
Empresa têxtil especializada em veludos e imitação de peles, com actuação nos mercados de vestuário, decoração, tecidos para transportes públicos e têxteis técnicos.
OSI – Sistemas Informáticos e Electrotécnicos
Outsourcing nas vertentes de apoio, suporte e controlo, de sistemas informáticos e electrónicos.
Amorim Viagens e Turismo
Tem como principal missão organizar as viagens dos seus quadros e colaboradores através de negociação com diversos fornecedores, de forma a facultar o acesso ao melhor produto ao menor custo. Aviação, private jets, comboios, hotelaria e rent-a-car.
Américo Amorim participou na fundação da Sociedade Portuguesa de Investimentos, actualmente Banco BPI. Criou, juntamente com 12 empresários, o Banco Comercial Português (BCP) e fez o convite a Jardim Gonçalves para dirigir o banco. Fundou a Soserfin, hoje Banco Português de Negócios (BPN) e Real Companhia de Seguros. Fundou o Banco Nacional de Crédito (BNC). Em Maio de 2005, criou o BIC – Banco Internacional de Crédito, em Angola.
No sector petrolífero, participou em 1995 na privatização parcial da Petrogal e em 2005 adquiriu uma participação do capital da Galp, em parceria com a Sonangol.
Ganhou em 1991, o concurso para as comunicações móveis em Portugal, um investimento de 15 milhões de contos, aliado ao BES, Centrel e Efacec, criou a Telecel e vendeu-a mais tarde ao Grupo Vodafone por cem milhões de contos.
Os quatro mil milhões de dólares (2,9 mil milhões de euros) de Américo Amorim não chegam para pagar o novo aeroporto de Lisboa – prevê-se que custe cinco mil milhões de dólares – mas fazem dele um homem mais rico do que quatro dezenas de países do mundo. Aquele valor é maior do que o PIB do Zimbabwe (3,5 mil milhões de dólares), por exemplo, do Kosovo (3,2 mil milhões de dólares) ou das ilhas Fiji (3,048 mil milhões de dólares). Sozinho, o «rei da cortiça» vale mais do que o PIB de Cabo Verde (1755 milhões de dólares), Timor-Leste (598 milhões de dólares), Guiné-Bissau (438 milhões de dólares) e São Tomé e Príncipe (189 milhões de dólares), todos juntos, e ainda sobram uns trocos.
As herdeiras
Américo Amorim tem três filhas. Paula, 40 anos e dois filhos, é a mais velha. Com formação em gestão e economia, trabalha no grupo Amorim, na área dos negócios privados do pai, e é representante em Portugal da marca de lojas de roupa Fashion Clinic. A filha do meio é Marta, 38 anos e dois filhos, também com formação em economia e gestão. Trabalha igualmente na área dos negócios privados do grupo Amorim. A mais nova é Maria Luísa, 36 anos, duas filhas. Licenciada em Gestão Hoteleira, é administradora da Quinta Nova.
Altos e baixos dos portugueses mais ricos
Com dois representantes na lista dos mais ricos do mundo deste ano – Américo Amorim, em 212.° lugar, com uma fortuna avaliada em quatro mil milhões de dólares, e Belmiro de Azevedo, em 655.°, com 1,5 mil milhões de dólares – Portugal mantém o mesmo número de «bilionários» do ano passado. Em 2009, Amorim figurava em melhor posição na lista da Forbes (183.°) mas com menos dinheiro (3,3 mil milhões de dólares). O outro português presente era Joe Berardo, na 701.ª posição, com mil milhões de dólares. Mas o ano de glória da presença portuguesa na Forbes foi 2008, antes da crise, com quatro multimilionários: Amorim, em 132.°, com sete mil milhões de dólares; Belmiro de Azevedo, 605.°, dois mil milhões de dólares; Berardo, 677.°, 1,8 mil milhões de dólares, e Horário Roque, 843.°, com 1,4 mil milhões.
QUADRO
Portugueses na alta-roda
2010 valor*
212.° Américo Amorim 4
655.° Belmiro de Azevedo 1,5
2009
183.° Américo Amorim 3,3
701.° Joe Berardo 1
2008
132.° Américo Amorim 7
605.° Belmiro de Azevedo 2
677.° Joe Berardo 1,8
843.° Horácio Roque 1,4
*mil milhões de dólares
Os 10 mais ricos do mundo
1 - Carlos Slim México (53,5 mil milhões de dólares) Telecomunicações
Vem do 3.° lugar, com 35 mil milhões de dólares. Filho de um emigrante libanês, tem 70 anos, viúvo, 6 filhos. Aconselha os empregados: «Mantenham a austeridade em tempo de vacas gordas».
2 - Bill Gates EUA (53 mil milhões de dólares) Softtware, Microsoft
Ex-homem mais rico do mundo, com quarenta mil milhões de dólares. 54 anos, casado, 3 filhos. Frequentou a Universidade de Harvard mas não concluiu o curso. Deixou as funções executivas na Microsoft (continua a ser o chairman) para se dedicar à Fundação Bill e Melinda Gates, dedicada à luta contra a fome nos países em desenvolvimento, ao melhoramento do ensino nas escolas secundárias americanas e ao desenvolvimento de vacinas contra a malária, a tuberculose e a sida.
3 - Warren Buffet EUA (47 mil milhões de dólares) Investimentos
Vem do 2.° lugar, com 37 mil milhões de dólares. 79 anos, casado, 3 filhos. Tem um mestrado na área de Ciências pela Universidade de Columbia.
4 - Mukesh Ambani Índia (29 mil milhões de dólares) Refinarias de petróleo e indústria
Vem do 7.° lugar, com 19,5 mil milhões de dólares. 52 anos, casado, 3 filhos. Fã dos filmes de Bollywood, é o homem mais rico da Ásia. Está a construir uma casa de 27 assoalhadas, avaliada em mil milhões de dólares.
5 - Lakshmi Mittal Índia (28,7 mil milhões de dólares) Aço
Vem da 8.ª posição, com 19,3 mil milhões de dólares. 59 anos, casado, 2 filhos. Vive numa mansão no bairro de Kensington, em Londres
6 - Lawrence Ellison EUA 2(8 mil milhões de dólares) Software: Oracle
Desceu do 4.° lugar, tinha 22,5 mil milhões de dólares. 65 anos, casado, 2 filhos. Andou na Universidade de Illinois mas não completou o curso de Física. Gosta de iates e de regatas.
7 - Bernard Arnault França (27,5 mil milhões de dólares) Moda e artigos de luxo: LVMH, Louis Vuitton Moet Hennessy
Subiu do 15.° lugar, com 16,5 mil milhões. O homem mais rico da Europa tem 61 anos, casado, 5 filhos. Costuma festejar a passagem de ano na estância de neve de Courchevel. A mulher é a pianista canadiana Hélène Mercier e ele próprio tem fama de tocar bem piano.
8 - Eike Batista Brasil (27 mil milhões de dólares) Minas, petróleo e gás
O mais rico a falar português teve a maior subida: veio da 61.ª posição, com 7,5 mil milhões de dólares. 52 anos, engenheiro metalúrgico divorciado, 2 filhos, foi casado com a modelo e actriz Luma de Oliveira, que foi capa da Playboy.
9 - Amancio Ortega Espanha (25 mil milhões de dólares) Têxteis e vestuário: Inditex, Zara
Subiu da 10.ª posição, com 18,3 mil milhões de dólares. 74 anos, casado, 3 filhos. Foge da exposição pública, sobretudo das máquinas fotográficas. Tem propriedades em Madrid, Paris, Londres e Lisboa e uma pista de corridas de cavalos. Diz-se que está a preparar a filha Marta para lhe suceder.
10 - Karl Albrecht Alemanha (23,5 mil milhões de dólares) Distribuição grossista
Desceu do 6.° lugar, com 21,5 mil milhões de dólares. 90 anos, casado, 2 filhos. Juntamente com o irmão Theo transformou a mercearia da mãe no gigante da distribuição Aldi. Retirado dos negócios, cultiva orquídeas e joga golfe.