Menos de um mês após os atentados de 11 de Setembro de 2001, nos EUA, o advogado Kenneth Feinberg já estava à frente do Fundo de Compensação às Vítimas. O seu trabalho era basicamente um: dar um preço à vida humana, convencendo os familiares dos que morreram ou aqueles que ficaram com sequelas a receber a indemnização, evitando processos judiciais. "A 'felicidade' nunca entra nesta equação", desabafou após 33 meses a trabalhar sem receber ordenado. Agora, ainda o petróleo jorra da plataforma no golfo do México, e o especialista em mediação tem um novo desafio: gerir o fundo criado pela BP para compensar os afectados pela maré negra..Os 16 mil milhões de euros que a petrolífera britânica prometeu dispensar ao longo dos próximos quatro anos são apenas o início. A BP poderá ter de depositar nos cofres dos norte-americanos muito mais dinheiro. Caberá a Feinberg, de 64 anos, analisar caso a caso as situações dos pescadores, dos proprietários de hotéis, de donos de restaurantes... de todos os que possam ter sofrido perdas com a explosão da Deepwater Horizon, a 20 de Abril, e que achem que têm direito a uma indemnização..Feinberg é um dos maiores especialistas em mediação nos EUA, mas poderia nesta altura ser um actor se não tivesse seguido os conselhos do pai. Nascido a 23 de Outubro de 1945 em Brockton, Massachusetts, não foi um aluno brilhante no secundário. Filho de um vendedor de pneus e de uma bibliotecária, Feinberg gostava mais de jogar basquetebol no centro comunitário judaico e participar nas peças de teatro da escola, só se interessando pelo Direito devido a uma sugestão do pai. .A aposta nos estudos só surgiu quando tirava o bacharelato em História na Universidade de Massachusetts, acabando por se destacar como o melhor aluno e ser escolhido para fazer o discurso de fim de curso. Depois, resolveu ingressar na Faculdade de Direito da Universidade de Nova Iorque, acabando a licenciatura em 1970. .Feinberg pode ter abandonado a paixão pelos palcos, mas não esqueceu o amor pela ópera e pela música clássica. Tudo começou quando, aos nove anos, viu na televisão o filme dos irmãos Marx Uma Noite na Ópera. Há seis anos, quando foi entrevistado pelo The Boston Globe, o advogado reconhecia ter mais de seis mil CD em casa, revelando que quando morrer, a colecção será doada à biblioteca pública de Brockton. .O primeiro emprego do jovem advogado de 25 anos foi com o juiz Stanley Fuld, no tribunal de recurso de Nova Iorque, antes de passar para o gabinete do procurador-geral, em Manhattan. Nos tribunais, trabalhou ao lado do futuro presidente da câmara Rudolph Giuliani. Em 1975, Kenneth soube que o senador Edward Kennedy estava à procura de um jovem conselheiro para trabalhar na Comissão de Justiça do Senado e muda-se para Washington. Foi também nesse ano que casou com Diane Dede Shaf, que trabalhava na Bolsa. O casal tem três filhos. .Kennedy (o irmão mais novo do presidente John F. Kennedy, assassinado em 1963) gostou tanto de Kenneth que em breve o escolheria para seu chefe de gabinete. Mas a política não estava no seu sangue e o apelo do sector privado foi mais forte, tendo o advogado acabado por se tornar sócio de uma firma nova-iorquina que pretendia abrir um escritório em Washington. .Foi na Kaye, Scholer, Fierman, Hays & Handler que Kenneth começou a trabalhar na mediação de conflitos. E começou logo com um caso mediático: o processo aberto por 250 mil veteranos da Guerra do Vietname contra os fabricantes de um herbicida chamado "Agente Laranja", usado pelas tropas norte-americanas para destruir a vegetação em que se escondiam os inimigos e que se revelou ser cancerígeno. O caso arrastava-se há oito anos nos tribunais e Kenneth resolveu-o em seis semanas, com a companhia a aceitar pagar 180 milhões de dólares . .O amante da ópera (actualmente presidente da Ópera Nacional de Washington) tinha descoberto a sua nova paixão e em 1992 fundou a sua empresa: The Feinberg Group, especializada em mediação. Entre outras coisas, Kenneth foi um dos mediadores que estabeleceu o valor comercial justo para o filme original do assassinato de Kennedy, conhecido como Zapruder. Mas seria à frente do Fundo de Compensação às Vítimas dos Atentados do 11 de Setembro de 2001 que se tornaria uma figura conhecida dos americanos. .Inicialmente apontado como um homem frio, foi ganhando a pouco e pouco a confiança das famílias e acabou por conseguir que mais de 97% optassem pelo fundo e desistissem de qualquer processo judicial - no total foram pagos sete mil milhões de dólares. Depois, disso, sempre que é necessário um trabalho do género, todos os rostos se viram para Kenneth. Um dos casos mais mediáticos foi a gestão do fundo para as vítimas (32 das quais mortais) do tiroteio em Virginia Tech, em Abril de 2007 - o pior massacre de sempre numa escola nos EUA..No ano passado, face à crise económica e à necessidade que o Governo norte-americano teve de salvar muitas companhias, Kenneth foi chamado para estabelecer o ordenado dos principais executivos das empresas afectadas. Não fazia sentido que os contribuintes estivessem a pagar e os grandes gestores continuassem com os seus bónus milionários. O advogado tornou-se assim numa espécie de "czar dos salários", apesar de ser um título que não apreciava. "A minha avó na Lituânia estaria em choque. Não sou nenhum czar a emitir éditos imperiais", disse. Mais uma vez, trabalhou pro bono, tal como fará agora na sua nova tarefa: gerir o fundo milionário criado pela BP.