Álvaro Beleza: "Quando o PSD tiver um líder carismático, o Chega desaparece"
Vou citá-lo: "Precisamos de uma carga fiscal mais baixa, a começar pelo IRC. Este é um problema ideológico da esquerda que no fundo é um problema cultural de inveja porque nós somos um país pobre." Esta frase é sua, com pouco mais de um ano. Que reações teve da geringonça?
Não tive grande reação. Para já é uma coisa objetiva, é a verdade, ponto. Isto é, nós precisamos de ter uma carga fiscal mais baixa e, nomeadamente como a SEDES propõe, pelo menos temos de nos comparar com o vizinho do lado, que é o nosso concorrente, que é Espanha. Devíamos ter em todos os impostos, diretos ou indiretos, menos meio ponto, menos um ponto de carga fiscal e, nomeadamente, nas regiões de fronteira, até para ter mais competitividade para o interior e haver mais investimentos nessas regiões. Nem somos muito ambiciosos, só propomos que tenhamos uma carga fiscal menor do que a Espanha. O objetivo é dobrar o PIB em 20 anos. Quando começámos a trabalhar nos grupos de trabalho que temos, e temos trabalhos já desde janeiro deste ano e no final vamos ter um livro no próximo ano com todas as propostas, perguntei ao grupo de economia... Para nós atingirmos os países do nosso tamanho que tiveram mais sucesso do que nós na União Europeia - estou a falar de Irlanda, República Checa, Holanda, Lituânia, Eslovénia, para dar alguns exemplos - fomos ver o PIB. É o dobro do nosso. A Holanda é três vezes ou quatro. Nós temos de pelo menos dobrar o PIB em 20 anos. Temos de ser realistas, não é possível em menos de 20 anos. Mas é possível dobrar o PIB em 20 anos para então termos os salários ao nível que devíamos ter, que são baixíssimos, o rendimento médio dos portugueses é baixíssimo, o país continua com pobreza em grande medida, e mesmo aqueles que trabalham, não são só os desempregados, não são só aqueles que infelizmente ainda dormem na rua. Os salários são muito baixos. Portanto, para isso só dobrando o PIB. Para dobrar o PIB há três ou quatro coisas fundamentais mas a primeira é a competitividade fiscal.
Agora que está desfeita a gerigonça, acredita que é possível que esse discurso da redução fiscal faça mais caminho?
Espero que sim, porque isso será bom para os nossos filhos e para os nossos netos. Nós temos uma dívida pública gigantesca. Se queremos assegurar as pensões de reforma, o Estado Social que temos, não podemos passar para os nossos filhos um país endividado. É como quando morremos deixarmos aos filhos dívidas. Nós estamos a pagar a nossa vida e vão ser os nossos filhos, daqui a 30 ou 40 anos, que vão ter de pagar isto. Portugal está melhor e mesmo economicamente tem dado saltos importantes. Para darmos o salto que é preciso agora é aproveitar este processo da reconstrução europeia, da reindustrialização europeia, para sermos mais audazes e termos políticas mais audazes. É parecido com o futebol: jogamos para o empate, perdemos. Temos de começar a jogar ao ataque para ganhar. Porque nós temos jogadores para ganhar, temos gente, temos empresários.
Acredita que a questão do excesso de impostos em Portugal é ideológica, marcada pela esquerda, ou estrutural na medida em que não se pode diminuir porque são precisos impostos para pagar o Estado social?
Se nós dobrarmos o PIB, com uma carga fiscal muito menor, temos mais dinheiro na saúde, na educação, em todo o lado no Estado social. A questão é: nós precisamos, e vamos precisar, de mais dinheiro, por exemplo, na saúde. A saúde, pelos nossos cálculos, daqui a dez anos precisará de 24 mil milhões de euros de orçamento anual, é quase o dobro do atual. E precisa por causa de quê? Novos medicamentos, nós vivemos cada vez mais anos, cada vez temos de ter as terapêuticas mais atualizadas. Portanto, os gastos em saúde vão aumentar, independentemente de melhor ou pior gestão. É inevitável. Para isto, nós temos de ter uma economia mais forte, temos de ter crescimento económico, não adianta. Sem crescimento económico nada é possível. Aliás, como também foi dito na SEDES, as Finanças obedecem, não mandam. Quem manda é a Economia, isto é muito importante. É que desde o Dr. Salazar que quem manda é o ministro das Finanças. Portugal vive num processo de quase bancarrota desde o século XIX. A pagar dívidas andamos sempre com o problema do défice, da dívida pública. Temos de pôr a Economia a mandar. Não adianta ter uma carga fiscal gigantesca se as pessoas fogem. É a tal curva económica. Se eu exagero na carga fiscal, as pessoas fogem, as empresas fogem. Ou fogem aos impostos ou fogem do país. Não vêm para cá. E, portanto, temos de ser inteligentes. Isto é teoria económica, não é de direita nem de esquerda, é economia pura e dura. Nós temos de ter uma carga fiscal menor do que os nossos competidores para atrair investimento e capital, que não temos em Portugal. Isto é tão óbvio.
A ideia é que só se sustenta o Estado social criando mais riqueza...
Sim. Nós temos de manter o Estado social. Por isso é que a SEDES pensa Portugal ao centro e acho que temos razão. O melhor da esquerda, digamos assim, é o Estado social, é termos dado um Serviço Nacional de Saúde, e foi o PS, nomeadamente, o António Arnaut. Temos a escola pública, que já veio do Veiga Simão, aliás, do Marcelo Caetano, mas depois continuou com o PS, muita paixão do António Guterres. Tudo isto são valores muito importantes da esquerda e que é de manter, nós queremos manter e melhorar esse Estado social. Agora, a direita, a direita moderada, em Portugal chama-se social-democrata mas, vá lá, liberal portuguesa, quanto a nós, pensa bem a questão económica e do crescimento económico e os empresários. Nós temos de ser um país amigo das empresas, do investimento, do risco. E temos de ter governos amigos dessas políticas. Diz-me assim: é difícil? É, é difícil, mas é isso que um político responsável, um dirigente de um país, tem que pensar. Aproveitar o melhor de cada um. E por isso é que achamos que Portugal tem que ter uma governação ao centro.
A SEDES está a fazer um livro, uma espécie de plano estratégico para as próximas décadas feito para várias áreas da governação. Que áreas essencialmente?
Já apresentámos a reforma do sistema político, nomeadamente, a questão eleitoral, os portugueses escolherem os seus deputados. Está na Constituição, só não se faz porque não se quer. Círculos uninominais, seja a proposta da SEDES, seja um sistema misto, alemão, há várias maneiras de o fazer. É preciso é que pelo menos parte dos deputados os cidadãos os possam escolher, não sejam os diretórios dos partidos. Também propomos um senado. Portugal é dos poucos países europeus que não tem senado e o senado é muito importante para o equilíbrio territorial. Nos países onde há senado, os territórios do interior estão menos esquecidos do que nos outros países por razões óbvias que nós sabemos, tem que ver com o equilíbrio da eleição dos senadores, que os estados pequenos elegem mais do que os grandes, em termos percentuais. Depois, abordamos a questão da economia, finanças públicas, indústria, energia, a reindustrialização do país, que é vital. Abordamos a saúde e a área social. É uma área fundamental e que defendemos a tese que a ação social, saúde e solidariedade deviam estar no mesmo ministério, porque são áreas, como se viu agora na pandemia, que têm que estar ligadas e ainda por cima estão em ministérios diferentes. Estou a falar de lares, IPSS, cuidados continuados... tudo isto tem de estar aos centros de saúde, aos cuidados primários, aos hospitais. Tem de haver mais médicos nos lares, tem de haver mais enfermeiros nos lares. Sabe que os lares nos Estados Unidos chamam-se nursing homes, casas dos enfermeiros. Portanto, nós temos de ter saúde também nessa área, temos de os ligar. Em vários países europeus é assim.
Vamos sistematizar: sistema político, saúde...
Segurança Social e toda essa área. Vamos ter em Coimbra a reforma da justiça, que é vital, e vital também para termos crescimento económico. Temos de ter uma justiça mais rápida, com resultados a tempo, mais independente, mais célere, no fundo, num caminho um pouco anglo-saxónico, ao contrário da nossa tradição. Mais resultados e mais velocidade. Também vamos abordar a questão da reforma da educação, da investigação e desenvolvimento. No fundo, Portugal para ser uma startup nation tem de ter uma ligação entre a universidade e as empresas. Temos de cruzar mais. E as áreas da soberania. Vamos ter nos dias 3, 4 e 5 de dezembro, na Nova SBE, um debate sobre diáspora, CPLP, defesa, política externa e Europa.
Isso dito assim, nessa enumeração, parece um programa de governo. Acredita que servirá para alguma coisa, ou seja, é mais um documento que se vai debater em meia dúzia de locais, com alguns oradores interessantes e que depois dá um título de jornal e morre assim?
Os documentos da SEDES, ao longo de 50 anos, serviram para muitos programas do governo. Isto não é um programa de governo mas serve para os partidos viram cá beber, nomeadamente, os dois principais, o PS e o PSD, a quem nós vamos entregar estes documentos, porque pensamos que aqui há propostas sedimentadas, condensadas, baseadas em evidência, nomeadamente em países onde essas soluções funcionaram, que eles poderão aproveitar e que estou convencido de que vão aproveitar, até porque alguns deles, dos dois lados, estão nestes grupos de trabalho.
Queria pegar numa expressão que há pouco dizia. Muitos destes documentos dão títulos de jornal e pouco mais, às vezes. Um desses títulos, há semanas, citava-o, dizendo que para Portugal seria melhor ter um senado do que a regionalização. Queria que concretizasse.
Não estamos a dizer que não à regionalização. Não dizemos isso. Para concretizar um senado tem de ser um sistema em que, por exemplo, o distrito de Portalegre elege no mínimo dois senadores, os pequenos, e no máximo, seis senadores, por exemplo, Lisboa e Porto. Nos Estados Unidos é mais radical, tem dois senadores independentemente de ser a Califórnia, com 60 milhões, ou o Delaware, que tem um milhão e meio de habitantes. Dois senadores por cada. Isto é que equilibrou os Estados Unidos. Não tenhamos dúvida. Porque o Senado, que é a câmara que veta, veta orçamentos, veta nomeações, tem um poder muito importante, nomeadamente, de veto em algumas áreas, equilibra o país. Senão, os EUA governavam-se com Chicago, Nova Iorque, Los Angeles e tinham as grandes áreas metropolitanas e o resto nada. Porque no meio dos EUA vive muito menos gente, como há sempre zonas mais diversificadas. Portanto, os senados equilibram regionalmente. E nalgum orçamento que ainda agora discutimos e que deu esta crise política, aí é que se decide para onde é que vai o dinheiro, para onde é que vão os investimentos. E aí é que é importante para o distrito de Bragança, para os Açores, para a Madeira, para o Algarve. Aí se houvesse um senado não tenho dúvidas que essas regiões eram mais protegidas. Do ponto de vista do poder até mais do que com a regionalização.
A SEDES nasceu há muitos anos por empenhamento de um grupo de católicos progressistas. E foram esses católicos, durante muitos anos, os motores da organização. Agora, a SEDES tem à frente um maçom, chamado Álvaro Beleza. E toda a gente sabe que Igreja e maçonaria não colam. Sentiu dentro da organização antagonismo em relação a esta questão? Sentiu desconfianças? Como é que isso foi vivido dentro da SEDES?
Não senti nada. Pelo contrário. É verdade, a história da SEDES foi essa mas eu sou o que sou, tenho muito orgulho em ser aquilo que sou, e a maçonaria foi absolutamente essencial para o liberalismo do século XIX em Portugal, para a Primeira República portuguesa e está muito na génese do 25 de Abril e da República atual, e das democracias ocidentais. Aquilo que chamamos de democracias liberais foram muito obra de maçons. A República americana, os pais fundadores americanos, o parlamentarismo inglês, para já não falar da França, que tem uma influência fortíssima, à direita e à esquerda da maçonaria. A própria Alemanha, e muitos outros países. Quanto à Igreja Católica, é fundamental em Portugal e temos de a respeitar, faz parte da história de Portugal, e muitas vezes não tem sido tida em conta como devia ser. Temos de nos sentir honrados com aquilo que somos, nós somos uma país católico, com uma cultura católica, a igreja presta um serviço, e prestou, um serviço ao longo da nossa história, e continua a prestar e nomeadamente ainda prestam os católicos, que é uma coisa que eu admiro muito e nunca me esqueço de frisar, que é aos sem-abrigo. Em frente a minha casa eu tenho isso todos os dias. Quem é que dá apoio? São essas associações de voluntários à volta da Igreja que dão apoio a essas pessoas. Aí o Estado social não funciona e devia funcionar mais. Portanto, cada um com o seu papel. Estou muito confortável.
Não houve choques no interior da organização?
Não, não.
De correntes de pensamentos...
Não. Aliás, eu fiz questão de dizer aos meus colegas aquilo que sou para que não haja dúvidas.
A SEDES deixou de ser uma organização fortemente influenciada pela Igreja e passou agora a ser fortemente influenciada pelo Grande Oriente Lusitano?
Não!
Como é que reage a esta provocação?
Não é verdade porque eu limito-me a ser ali o coordenador da SEDES. Sou o presidente de um conselho coordenador, tem uma direção coletiva. A SEDES tem uma enorme vantagem porque é um grupo de cidadãos e cidadãs que pensam o país e que não está ali a pensar nos seus protagonismos. Eu limito-me a ser o pivô. Todos acreditam na democracia, na democracia liberal, numa economia de mercado, mas regulada, num Estado social solidário, na dignidade da pessoa humana, são esses os valores que eu prezo e, como é evidente, nos congressos da SEDES temos sempre católicos e eu próprio faço sempre questão de convidar o bispo dos distritos onde organizamos os eventos. Continuam a ir aos encontros da SEDES, com muito gosto.
Diz-se de centro-esquerda, foi da JSD e sá-carneirista, depois socialista e soarista. Quais são as principais diferenças entre o PS e o PSD?
As maiores diferenças, para mim, entre o PSD e o PS é que o PSD é mais liberal sem o assumir, isto é, é mais liberal do ponto de vista económico. Portugal é um país muito antiliberal. Ser liberal em Portugal, seja liberal de esquerda ou liberal de direita, é sempre uma palavra maldita. Eu, aliás, acho que isso é uma questão fundamental para o país. Temos de ser mais liberais nos costumes, e aí o partido liberal é o Bloco de Esquerda em Portugal. Devíamos ter, enquanto país, gratidão ao Bloco, e ao Partido Socialista também, da agenda, nomeadamente nos costumes, da liberalização das políticas de género.
O centro ou o centrão é uma ideia que parece estar a esboroar-se? O conjunto PSD mais PS há dez anos valia quase 80% dos votos e neste momento não chega a 65%.
Não tenho muito essa visão. Acho que Portugal até é o país mais conservador, desde o 25 de Abril, na Europa, que mantém os mesmos partidos políticos, teve pouquíssimas alterações, apareceu o Chega recentemente, o Bloco de Esquerda, que não é uma novidade. O Bloco de Esquerda junta os partidos da extrema-esquerda, somar ali os pequenos partidos que sempre tiveram 6%, 7% desde 1975. E depois, ok, a extrema-direita agora, o Chega, a Iniciativa Liberal, é uma novidade, o PAN, o partido dos animais, mas são pequenos partidos. No essencial, os partidos portugueses mantêm-se os mesmos e mais ou menos com os mesmos resultados. Não acho nada que os extremos cresçam em Portugal.
Mas quando vê, por exemplo, André Ventura ter à volta de 10% nas presidenciais, isso não lhe diz nada?
A direita é mais napoleónica e, portanto, vive de líderes carismáticos. Quando foi o professor Cavaco Silva o CDS ficou esmagado, porque tinha um líder carismático que teve 50% de votos. Quando o PSD tiver um líder assim, o Chega desaparece. Os portugueses são muito moderados enquanto povo. Mesmo os partidos dos extremos, o PCP e o BE, são mais moderados do que os extremos à esquerda de outros países europeus. Na crise violenta que nós tivemos [2011-2013] não vimos partir montras, incendiar, como vimos em vários países europeus. Acho, sinceramente, que não há motivos para se dizer que não pode haver acordos ao centro porque crescem os extremos. Isso é um disparate. E a Alemanha provou também isso.
Como é que vê a possibilidade de o Chega vir a ter influência de governo numa próxima legislatura, por via do seu crescimento eleitoral? O Chega, no seu entender, está dentro da democracia ou, usando os instrumentos da democracia, na verdade, está fora da democracia?
Está dentro da democracia porque há portugueses que votam neles e, portanto, temos de respeitar isso. Acho que questão é que - mas isso compete ao líder do PSD que for eleito - o melhor para a democracia portuguesa é que o PSD tome uma posição clara de nunca governar com o Chega. Como fez a CDU [democratas-cristãos] na Alemanha: a extrema direita alemã cresceu até certo ponto e depois começou a mirrar, porque já ninguém falava com ela nem fazia acordos com ela.
Rangel e Rio já disseram isso. Acredita neles?
Acho que isso é positivo. É mais higiénico para a democracia portuguesa. Agora, eles [o Chega] existem enquanto não houver uma clarificação à direita. Acho sinceramente que a agenda do Chega não é uma agenda para Portugal. Portugal não tem o problema da imigração que teve a França nos últimos 30 anos e que agora se agudizou, que a Alemanha tem. E não temos problemas cá dentro entre comunidades. Vivo no Martim Moniz, num sítio mais cosmopolita, no meio de todas as comunidades. E vivo muito bem, muito seguro, muito tranquilo e toda a gente vive. Portanto, é ridículo! Sinceramente, acho que é um bocado importar agendas dos outros. Ok, vai buscar sempre algum descontentamento e por isso é que terá 5% ou 10%. Mas não me parece que esse seja o problema. A questão fundamental é: queremos fazer reformas estruturais no país? Se é isto que queremos temos de ter um acordo ao centro. Tudo o resto é conversa fiada e nunca mais saímos disto. E temos de sair.
Vamos clarificar a frase. O que está a dizer é que uma estratégia de desenvolvimento que duplique o PIB em 20 anos implica, no seu entender, um acordo de bloco central, entre o PSD e o PS.
Pode não ser de governo, mas também pode. Porque na Alemanha houve governo de bloco central e aconteceu uma coisa: a Alemanha cresceu nos últimos 20 anos. Isso acontece e continua a ser a potência mais forte europeia.
A melhor solução para si era sair destas eleições um bloco central?
Os portugueses é que vão dizer. A melhor solução para mim, aquilo que os líderes estão a fazer, eu acho que já estão a fazer, tanto do meu partido como do PSD, é não fechar portas. Mas quem somos nós para fechar portas? Devemos abrir as portas a entendimentos e diálogos, porque somos todos portugueses. No fim do dia, queremos o melhor para o país. Se todos tiverem essa humildade vai ser melhor para todos. Era aquela frase do Churchill, "o político pensa na próxima eleição, o estadista na próxima geração". E, portanto, se os líderes dos partidos forem estadistas farão isso, mesmo que possam sacrificar alguma coisa no curto prazo para cada um deles, pessoalmente ou para os partidos. Se fizerem isso os portugueses vão premiá-los, não tenho qualquer dúvida. Mas na base de acordos concretos. Eu não quero um bloco central de interesses. Não é para as nomeações para as empresas. Aliás, isso é outro problema e nós na SEDES defendemos isso. Os lugares de nomeação política devem parar o mais perto possível dos ministros e secretários de Estado e não ir por ali abaixo. Temos de ter mais meritocracia, mais concurso público, mais mérito e menos nomeação partidária e menos cartão. Mas também para isso têm de ser os grandes partidos e se houver um acordo entre os dois maiores partidos isso tem muito mais força política para fazerem isso. Que é difícil, porque os próprios aparelhos e as clientelas precisam disso. Portanto, é preciso coragem? É. Acho que o mais difícil é isso, para os líderes é preciso muita coragem para o fazer.
Parece-lhe que depois deste chumbo do Orçamento e deste estilhaçar da geringonça ficou mais difícil o diálogo para a esquerda? Ou seja, acabou de dizer que a SEDES entende que o melhor para o país seria um governo de bloco central, mas não sendo possível ficou fechada a porta à esquerda?
Acho que se deve manter as portas abertas da parte do Partido Socialista. Claro que agora é mais difícil porque o Partido Socialista, no fundo, foi traído pela esquerda, pelos seus parceiros. O que eu penso que vai sair no próximo parlamento é uma questão fundamental: o partido que ganhar deve fazer governo e o partido que ficar em segundo lugar deve permitir que o primeiro ganhe. Isso é um acordo de cavalheiros que faz sentido mesmo que não se queiram coligar numa coligação. Acho que uma coligação era melhor, já sabem a minha opinião.
Entre os dois maiores partidos...
Sim, sim, para fazer o que tinha de ser feito, para mudar o que é preciso mudar, porque ao meio também tem a sensatez... porque isto não pode ser mudar às três pancadas. Isto tem de ser feito com calma, gradual, passo a passo, mas é preciso fazer mudanças. Mas pelo menos aceitar isto. Isto é, o partido mais votado poder governar com o outro partido a deixá-lo governar pelo menos dois anos, pelo menos uma parte da legislatura.
Uma ideia que Rui Rio já defendeu...
Foi? Não sabia. Mas é o que eu acho.
E António Costa devia dizer que sim já na campanha?
Não estou a dizer que eles digam já. Eu nem sabia que Rui Rio tinha dito isso. Lá está, não sou político profissional, não estou sempre a ouvir as notícias. Mas a questão é, esse entendimento é bom para o futuro e aquilo que eu tenho ouvido e que tenho lido dos dois candidatos a líderes do PSD e do atual primeiro-ministro é isso, é não fechar portas, é manter essas possibilidades de entendimento. Foi uma lição que se tirou desta crise, abrir portas. O que não quer dizer que cada um não defenda os seus programas. É natural que o PS em campanha vá defender a sua agenda, e muito bem. E vai defender que quer manter com a esquerda entendimento, porque se manteve estes anos todos porque é que não há de querer manter? Isso é legítimo, é normal. Agora, não fechar a porta, porque se os portugueses não derem maioria absoluta a nenhum destes dois partidos, acho que o sinal que está dado é: entendam-se.
Perguntas agora a um militante do PS e a um dirigente do PS também. Em 2015 houve pessoas no PS que avisaram contra a geringonça, Francisco Assis, Sérgio Sousa Pinto. Agora que esta solução está falhada, acha que o PS tem de lhes dar mais espaço e atenção ao que dizem ou não?
O PS é um partido grande porque tem várias sensibilidades e isso só nos enriquece. Tem gente mais à esquerda, os mais novos naturalmente estão mais à esquerda, são mais românticos, têm mais energia. Nós, mais velhos, talvez sejamos mais moderados e mais ponderados. Mas por acaso eu, e alguns no PS, como sabe, desde sempre fomos da chamada esquerda liberal e portanto não mudei de postura ao longo da minha vida. Se nos ouvem ou não, isso... eu espero que ouçam, porque acho que é um bocadinho a voz da razão. Isto é, o Partido Socialista para fazer aquilo que tem de fazer, que é defender o seu legado, o SNS, uma saúde universal e tendencialmente gratuita, ou gratuita, para todos independentemente da sua capacidade, para termos uma escola pública de qualidade para todos, para que todos os portugueses tenham acesso a educação e/ou à ascensão social, para que os portugueses tenham uma Segurança Social capaz, solidariedade, para isso é preciso que o país tenha crescimento económico e para isso é preciso entendimento com o PSD. Para se reformar também o país do ponto de vista político, que o PS, aliás, sempre foi aberto. Círculos uninominais é o partido. Aliás, sempre foi aberto e o atual líder do partido é muito aberto a essa questão. Para isso é preciso um entendimento ao meio. Portanto, acho que chegou a altura, pelo menos durante alguns anos, de haver esse entendimento, fazer essas reformas, e depois continuar o círculo normal da vida do país. Acho que isso não diminui ninguém, só engrandece as lideranças políticas.
Pedro Nuno Santos representa ou não, no seu entender, uma perigosa inclinação de novo do PS para a sua esquerda?
O Pedro Nuno Santos, de quem sou amigo, por quem tenho estima, é filho de um grande empresário e, portanto, sabe bem que não há crescimento económico sem empresas viáveis. Portanto, os governos têm de dar condições aos empresários porque, no fundo, são as empresas privadas que criam crescimento económico. Ele também vai evoluindo, como todos nós. Já está com mais cabelo branco, como todos! E, portanto, quando se puser essa questão, que ainda não está em cima da mesa, da sucessão do partido, veremos.