Alvarez

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José Cândido Dominguez Alvarez é um nome poucas vezes mencionado quando se fala dos pintores portugueses do século XX. No entanto, logo a seguir à sua morte prematura, em 1942, gente ligada ao regime, António Ferro à cabeça, organizou no Porto a primeira retrospectiva da sua obra. E, em 1951, os homens da revista Presença, para quem a exposição do SNI havia homenageado unicamente o paisagista convencional, "quase académico", que Alvarez também foi, não tiveram dificuldade em reunir quadros que chegaram para apresentar, também no Porto, um pintor "que estava muito acima da pintura do seu tempo e para além do seu próprio tempo", conforme se lhe referiu, anos mais tarde, João Meneres Campos, seu amigo e um dos organizadores desta última exposição.

Quem foi, realmente, este pintor, de cuja obra a Gulbenkian mostra, actualmente, uma retrospectiva, assinalando o primeiro centenário do seu nascimento? A polémica entre os admiradores do Alvarez expoente do "segundo modernismo" e os admiradores de um Alvarez consentâneo com o gosto, ou a falta de gosto, da elite portuguesa dos anos 30 encontra-se, talvez, ultrapassada. Mas a estranheza que se desprende das suas telas, a perplexidade que desenha o andar desengonçado das figuras que os habitam, o negro para onde dão sistematicamente as suas janelas, a incerteza estampada em vultos que olham ou esperam não se sabe o quê, fazem com que a sua pintura nos pareça, hoje, mais familiar que muitas outras que entretanto se esgotaram numa contemporaneidade passageira.

Não quer dizer que a obra de Alvarez não acuse as fragilidades de uma vida breve e desamparada, como de uma cultura bastante escassa. As ditas paisagens naturalistas estão lá, e nem sempre terão sido feitas por simples necessidade de "vender alguma coisa", como os seus incondicionais pretenderam. A verdade, porém, é que muitos desses quadros resistem ao tempo, indiciando uma sensibilidade onde ecoa o melhor do que, nessa altura, entre as duas guerras, se está a pensar e a fazer na Europa, como Alberto de Serpa e Casais Monteiro pressentiram. Alvarez é, certamente, o pintor da Galiza, com a sua luz sucinta e a chuva sabidamente miudinha, como é o pintor de um Norte português que tem muito ainda de camiliano. Mas Alvarez é, acima de tudo, alguém que interpreta como poucos o seu tempo, um tempo de onde, por sinal, ainda não saímos.

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