Alunos do primeiro ciclo são os mais afetados pelas greves dos professores

Diretores de escolas alertam para as dificuldades dos mais novos causadas pela paralisação dos docentes, que coloca em causa a realização do Plano de Recuperação de Aprendizagens.
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As crianças do ensino pré-escolar e primeiro ciclo são as mais afetadas pelas greves nas escolas nacionais que estão em vigor desde 9 de dezembro. E que hoje têm um novo "episódio" com o início da obrigatoriedade de prestar serviços mínimos decretados na semana passada por um Tribunal Arbitral. Ou seja, as escolas vão ter de garantir a presença de funcionários para as manter abertas, serviço de cantina quando este não é de responsabilidade de entidade externa e os alunos com necessidades educativas especiais vão ter de ser acompanhados, incluindo pelos professores.

Mas se os serviços mínimos começam neste primeiro dia de fevereiro, a falta de aulas que tem existido desde dezembro está a prejudicar a recuperação de competências e/ou o início do percurso escolar, principalmente no primeiro ciclo. Este é o balanço feito pelas Associações de Diretores de Escolas, ANDAEP e ANDE, que encaram a situação dos mais novos com preocupação tendo em conta o Plano de Recuperação de Aprendizagens.

"Todos os ciclos de ensino têm sido afetados pela greve dos docentes, mas está a haver maior incidência ao nível do primeiro ciclo e pré-escolar. Como é monodocência, se faltar o professor, a turma não tem aulas. Enquanto que se for do 5.º ao 12.º ano, as turmas têm vários professores e o transtorno poderá ser menor", explica Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). Segundo o responsável,"o Ministério da Educação deverá fazer um balanço para perceber se os dois anos de Plano de Recuperação de Aprendizagens foram suficientes, ou se é necessário estender a um terceiro ano".

Nesse sentido, "cada professor, cada escola e cada conselho de turma terá de determinar e perceber que aprendizagens é que não foram realizadas, para no próximo ano letivo se recuperar o que ficou para trás devido à pandemia e à greve", frisa.

Também Manuel António Pereira, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Escolas (ANDE), admite que "os alunos do primeiro ciclo, normalmente são os mais afetados porque estão num período fundamental de adquirir mecanismos de leitura, escrita, compreensão e cálculo". No entanto, garante que esta é uma situação geral: "Ninguém sai a ganhar quando os alunos não têm aulas. Viemos de dois anos de pandemia, algumas aprendizagens foram prejudicadas e estes dois anos são de recuperação, embora estejam a ser atrasadas por causa das greves".

Para o presidente da ANDE, "há dois direitos que estão em choque: o direito à greve e o direito à aprendizagem". Assim sendo, "é normal que as greves provoquem desequilíbrios enormes nas escolas, nos processos de aprendizagem e trabalho diário". Porém, não acredita que as consequências deverão ser graves , devendo "ser fácil recuperar estes atrasos na matéria". "A situação ainda não é muito preocupante", sublinha.

Além dos problemas na recuperação de aprendizagens para os mais pequenos, Mariana Carvalho, presidente da CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais), destaca a aflição dos encarregados de educação, quando as escolas se encontram permanentemente encerradas, antes de serem decretados serviços mínimos .

"Depois da pandemia e todas as questões de socialização, saúde mental e emocional, uma guerra e agora as greves, claro que nas famílias com crianças mais pequenas, os problemas acabam por se refletir de uma maneira mais grave. Há famílias a desesperar porque não têm retaguarda familiar nem possibilidades económicas para deixar os filhos noutro lugar. E é por isso que defendemos os serviços mínimos", refere.

Questionado pelo DN sobre a questão da recuperação de aprendizagens e o impacte das greves o Ministério da Educação não responde em tempo útil.

O direito à educação dos alunos e os prejuízos para os pais que não têm onde os deixar com as escolas fechadas, têm sido frequentemente mencionados como "danos colaterais" da greve dos professores. A imposição dos serviços mínimos pelo Tribunal Arbitral vem garantir que os alunos sejam acolhidos pelas escolas, mas nem todos os pais estão satisfeitos com a medida que entra hoje em vigor.

"Era preferível a escola estar fechada a estar a fazer serviços mínimos. O que vai acontecer é que os miúdos vão para a escola e não há funcionárias suficientes para tomar conta deles. Há meninos desde o 5.º até ao 12.º ano, isto é uma insegurança total", critica Gabriela de Castro, que se diz preocupada com as condições que vão ser dadas à filha Ana, de 15 anos, que frequenta o 10º ano.

Como muitos pais, um dos maiores receios de Gabriela é que a filha venha a ser prejudicada a nível académico, numa altura em que a média pode fazer a diferença numa futura entrada no ensino superior. "A minha filha teve duas semanas sem uma única aula. Todos os dias eram colocados avisos a dizer que a escola não reunia condições e que iria ser fechada", explica. "Nas próximas semanas eles têm o limite máximo de testes e ainda questões de aula com cotação igual a um teste e não têm matéria. Com que base é que vão fazer estas avaliações?"

É esta a pergunta que fica no ar, principalmente para os milhares de jovens que frequentam anos em que se realizam os exames nacionais para o acesso ao ensino superior. "Eu noto que isto tudo também os vai afetando porque eles acabam por se desleixar um bocado. O dia não é produtivo", explica Filipe Coelho, cujos filhos, de 17 e 11 anos, frequentam a mesma escola em Espinho, que tem estado fechada devido às sucessivas greves. "O mais velho tem exames nacionais este ano e isto acaba por prejudicá-lo", acrescenta.

De mãos e pés atados, as famílias foram obrigadas a arranjar alternativas para contornar o encerramento das escolas. "Tanto eu como a minha mulher estamos a mais de 20 km de distância da escola. Não dá para simplesmente ir buscá-los e trazê-los porque não estamos ali ao lado", conta Filipe, que chegou a ter de se ausentar várias vezes do trabalho para ir buscar os filhos à escola encerrada por falta de funcionários.

"Os professores estão no direito de protestar, mas quando isso implica as crianças, os pais e os nossos empregos, nós acabamos por ficar um bocadinho para trás. O nosso dia a dia é posto em causa, sem termos culpa disso" conclui.

Quanto a isto, o advogado e especialista em Direito do Trabalho, António Garcia Pereira, é perentório: "A greve produz sempre prejuízos para o empregador e até para terceiros. Isto é uma decorrência normal do instituto da greve".

Se, por um lado, alguns afirmam que os serviços mínimos vão evitar incómodos e prejuízos, Garcia Pereira defende que esta é uma "lógica errada" e apenas uma manobra e uma "tentativa de atacar o direito à greve", que, acrescenta, "não é inédita".

Ainda assim, tendo sido decretados os serviços mínimos, é obrigatório o seu cumprimento. Caso contrário, há lugar a sanções disciplinares e o Governo até vir a determinar a requisição civil.Este mecanismo legal obriga os trabalhadores em greve a voltar ao trabalho sob a pena de incorrerem num "crime de desobediência, punível com pena de prisão até um ano.

Esta é uma opção que até agora não foi posta em cima da mesa, mas não seria a primeira vez a ser decretada pelos Governos de António Costa, tendo já acontecido pelo menos cinco vezes.
"Basta lembrarmo-nos do que aconteceu em 2019 na greve dos estivadores no Porto de Lisboa, na greve dos enfermeiros em 2020 e na dos motoristas de matérias perigosas. É gravíssimo", sublinha Garcia Pereira.

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