Altice não se opõe à entrada do Estado no SIRESP
Nos incêndios do último ano arderam 3800 quilómetros de cabo e 45 mil postes da Altice Portugal. Foram investidos "20 milhões de euros na reposição das infraestruturas destruídas". Hoje os portugueses querem saber se o SIRESP, sistema de comunicações, voltará a falhar. Começamos por aí a última parte desta entrevista ao CEO da Altice.
Está em condições de garantir aos portugueses que o SIRESP neste ano não vai falhar?
Acho que, mais uma vez, só um gestor completamente irrefletido é que é capaz de dizer algures na sua vida profissional que uma qualquer rede não vai falhar. Isso não existe. Não existem redes que sejam à prova de falha, vemos serviços que são, como costuma dizer-se, mission critical, como é o caso por exemplo da aviação, em que, infelizmente, sabemos que às vezes acontecem acidentes que decorrem de falhas técnicas. Por isso não vou aqui fazer uma afirmação leviana dessa natureza. O que vou dizer é que, primeiro, a rede SIRESP sempre cumpriu com todos os critérios de qualidade de serviço que estavam contratados. Todos. Vou repetir, desde o início da sua operação que a rede SIRESP tem cumprido de forma escrupulosa e integral todos os níveis de serviço que estão previstos contratualmente.
Não foi essa a sensação com que ficaram os portugueses ao ver a rede falhar durante os grandes incêndios...
Certo. Repare, não podemos pedir a uma rede que responda a algo para que não foi desenhada. Se nós entendemos que precisamos de um camião para fazer as mudanças da nossa casa e põem à nossa disposição uma bicicleta, temos de trabalhar com a bicicleta... Aquilo que quero dizer é muito simples, a rede SIRESP tinha uma especificação, tinha um desenho técnico, estava preparada para uma determinada capacidade, tinha um conjunto de mecanismos de proteção. Para aquilo que foi desenhada, a rede cumpriu na íntegra todos os níveis de qualidade. Se estava desenhada para responder àquilo que aconteceu extraordinariamente neste verão, aparentemente não. Mas não foi a Altice Portugal nem sequer a SIRESP SA que desenharam a rede SIRESP. A rede foi alvo de um concurso público, com caderno de encargos e com um contrato, temos de, mais uma vez, remeter esta situação para o mundo empresarial porque é disto que estamos a falar. O que se verificou é que a rede SIRESP efetivamente não foi capaz de lidar com um conjunto de eventos para o qual não estava desenhada. Se temos grupos de conversação, com bombeiros, polícia, Proteção Civil, que estão ligados a uma determinada antena, e se temos uma antena que está desenhada para 20 ligações e temos 120 ligações na mesma antena, é claro que não vai funcionar.
Então o sistema está caduco para as necessidades atuais?
Não, não está caduco. Aliás, o sistema SIRESP baseia-se numa tecnologia que é reconhecida pela Comissão Europeia. E é pena que alguns dos estudos independentes e das comissões independentes que foram criados não tenham olhado para documentos que são públicos, estão no site da comissão e que dizem que as redes Tetra ou Tetrapol, que é a tecnologia que está subjacente, são as redes adequadas e mais bem preparadas para redes de emergência nacional. As redes abertas de 4G e de 5G estarão dentro de alguns anos, fala-se numa década, eventualmente preparadas para este tipo de ligações, mas à data de hoje a melhor tecnologia recomendada pela própria Comissão Europeia para este tipo de ligações são as redes Tetra ou Tetrapol. Não há qualquer problema de obsolescência ou de caducidade...
Então que transformações é que são necessárias para que seja eficaz?
Em relação ao futuro, o que acontece é que - como foi anunciado oportunamente pelo governo - foi decido dotar a rede SIRESP daquilo que se chama redundância, isto só por si já é inequívoco sobre um fator: a rede não tinha redundância por definição, por contrato... Isto é a mesma coisa do que irmos no nosso carro, termos um furo e não termos pneu suplente e depois vamos criticar o fabricante do automóvel porque o carro não tinha pneu suplente. Que foi alguém que escolheu que o carro não tinha pneu suplente, ninguém lho foi lá tirar. Nesta perspetiva, aquilo que foi decidido foi implementar mecanismos de redundância em dois níveis - a nível energético, fornecimento de energia, e também de redundância de transmissão, de comunicações. Mais uma vez, o Estado olhou para a Alice Portugal, a SIRESP olhou para a Altice Portugal como o único operador em Portugal com capacidade para poder prestar este tipo de serviços. Nessa perspetiva adjudicou-nos a prestação destes serviços de redundância em 450 antenas em Portugal continental. Está neste momento a ser implementado um sistema de comunicação via satélite que irá permitir em caso de interrupção dos meios de comunicação, vamos chamar-se tradicionais, dos cabos de fibra ótica que estão a ligar as antenas, automaticamente comutar a comunicação para ambiente satélite. Este é o exemplo de alguns mecanismos que estão a ser implementados na SIRESP para melhorar os níveis de redundância e de resiliência da rede.
E vai estar tudo pronto a tempo?
Uma parte importante da rede estará implementada até ao início da fase Charlie, mais de 300 antenas aproximadamente das 450, portanto dois terços estarão implementadas até essa data e esses dois terços foram escolhidos de acordo com critérios de perigosidade e de probabilidade de incidência de incêndios e isso foi definidos pela Proteção Civil e por quem faz a gestão da rede, que não é a Altice Portugal.
O governo manifestou intenção de fazer o Estado entrar no capital do SIRESP, tornando-se assim o acionista maioritário. Faz sentido? A Altice tem alguma coisa a opor?
Bem, começando pelo fim, a Altice tem 30% da sociedade SIRESP SA, é um acionista de referência mas não é o maior acionista e também, já agora, não é a SIRESP, porque muita gente confunde e diz que a SIRESP é a Altice. Não, não é. A Altice Portugal nem sequer é o maior acionista da SIRESP SA. Nessa perspetiva, somos acionista minoritário e não temos nada a opor contra nenhuma alteração societária que nos tenha sido apresentada até ao momento. Sobre o racional da entrada do governo, bem, se eu não me pronuncio sobre os negócios do grupo Altice, muito menos vou pronunciar-me sobre temas políticos, porque não é, de facto, a minha área de competência. Nós não nos vamos opor.