Há negócios a ser adiados, especialmente em Lisboa, e muitos a trabalhar a meio gás. A escassez de mão-de-obra em Portugal para trabalhar no turismo já não é novidade para ninguém, mas as proporções estão a desafiar a imaginação: há empresas de alojamento e restauração que estão já a procurar empregados no estrangeiro, revela Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP, em entrevista ao DN/Dinheiro Vivo. "Já estamos nesse ponto", lamenta..No ano passado, o número de trabalhadores ao serviço do turismo subiu para 328 mil pessoas, mais 5,3%. Mas, pelas contas da associação que representa o setor, são precisos muitos mais. "O estudo que fizemos no ano passado mostrou que precisávamos de um total de 40 mil pessoas e não as tínhamos. E agora é pior, se tivéssemos 40 mil pessoas disponíveis empurrávamo-las todas para o turismo."."O número de empregos que criámos foi fantástico. Uma das preocupações manifestadas pelo primeiro-ministro era que o setor criasse emprego para compensar a reposição do IVA a 13%, e nós ultrapassámos todas as metas em larga medida. Agora não temos pessoas", lembra Ana Jacinto, numa altura em que o relatório final do grupo de trabalho para a monitorização da reposição parcial da taxa do IVA nos restaurantes mostra que só a restauração e bebidas criaram, entre 2015 e 2017, mais 50 700 novos postos de trabalho..Os novos empregos ficaram a dever-se à reposição, por parte dos serviços, de empregados despedidos durante a crise e, com a criação de novos postos, fruto "de novos investimentos, das novas aberturas, do crescimento do turismo", lembra Ana Jacinto, salientando que tem vindo a ser feito um esforço importante para colmatar as faltas.."É um facto que não temos mão-de-obra, mas temos de a conquistar. Isto significa procurar a outros setores, captar quem está no desemprego, reconverter as pessoas e, se o mercado nacional não for suficiente, pensar alternativas fora do país", admite..Cristina Siza Vieira, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), também reconhece que o setor está a procurar funcionários no estrangeiro, especialmente grupos internacionais, mas acrescenta que tem esbarrado, frequentemente, na porta do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), quando se trata de mão-de-obra extracomunitária. O SEF não comenta estas ocorrências e lembra que a transposição de uma diretiva do Parlamento Europeu de fevereiro de 2014 veio facilitar o regime de trabalho sazonal. "Trouxe a consagração de um regime específico de entrada em território nacional para trabalho sazonal, por meio da emissão de um visto de curta duração específico para períodos de trabalho inferiores a 90 dias, mantendo os interessados o seu principal local de residência num estado terceiro", adiantou ao DN/Dinheiro Vivo..A Bolsa de Turismo de Lisboa, que hoje arranca, é a melhor montra do estado do setor. E este ano volta a ter dez mil vagas de emprego para preencher, num espaço a que chamam de Bolsa de Empregabilidade. Ao todo, 80 empresas aproveitam para expor as suas necessidades de funcionários, entre elas estão hoteleiros, empresas de catering e eventos, aluguer de veículos e até restaurantes..Desempregados não chegam."É claro que é preferível esgotar o stock que temos [de desempregados], mas não é fácil. São pessoas que não têm qualificações, ou que não querem trabalhar, e, portanto, aquilo que propusemos ao governo e em que estamos a trabalhar é reconverter pessoas que ainda estão a auferir o subsídio de desemprego e que nada têm que ver com o setor mas que são qualificados, licenciados, como arquitetos ou juristas, que possam desempenhar funções no turismo com uma simples formação." Até ao final do ano, o Turismo de Portugal e o IEFP contam em reconverter 15 mil desempregados licenciados e colocá-los a trabalhar no turismo. O protocolo assinado no arranque deste ano promete dar resposta à escassez de mão-de-obra qualificada..Resta ao turismo saber reter estes talentos - a segunda maior dificuldade de um dos setores mais dinâmicos da economia. Ana Jacinto assume que o pacote salarial pode não parecer atrativo à primeira vista, mas lembra que o turismo é um setor onde os contratos coletivos têm vindo a ser atualizados todos os anos com aumentos salariais e que os números retratados pelo gabinete de estatísticas - e que dão conta de um salário médio líquido mensal dos trabalhadores do alojamento, restauração e similares de 654 euros mensais - esquecem as componentes variáveis importantes. Por exemplo, as refeições obrigatórias oferecidas pelos patrões ou os subsídios de trabalho noturno..Mas não são tudo rosas. No dia em que Portugal desperta para a Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), que promete reunir 70 mil pessoas - metade profissionais do setor - em cinco dias, na FIL, a AHRESP realça que "é preciso tornar o setor mais atrativo". E isso, adianta Ana Jacinto, terá de passar não só pela componente salarial e pela maior formação dos funcionários mas especialmente pela redução dos horários laborais, uma medida que muitos empregadores ainda veem como um custo por exigir e um reforço de equipas.