Almeida Santos, imprescindível e poderoso

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Conservador que sou, guardo um grande pudor para com a morte. Vou, porém, trazer para aqui uma polémica recente sobre Almeida Santos, no próprio dia em que se anuncia a sua morte. Vejam na minha ousadia como que uma homenagem a uma das características que sobre ele é consensual, a inteligência. Julgo que ele aceitaria que se aproveitasse a oportunidade para atacar um dos males nacionais: não se saber de que se está a falar quando se está a falar.

Um concurso de circunstância levou a que a morte de Almeida Santos tivesse ocorrido a dias (a poucas horas, até) duma polémica que ele protagonizou. No domingo, num almoço da campanha de Maria de Belém, ele disse: "Lembrem-se do que eu vos digo hoje: se não ganhar desta vez, não sei se ganha se não, da próxima ganha ela." Começou em grande o imbróglio: não é costume um apoiante de prestígio dar de barato a hipótese do seu candidato perder.

À gaffe, Maria de Belém respondeu, no mesmo almoço, com uma iconoclastia: "[Almeida Santos] é o maior socialista português vivo." É beliscar um dos consensos na casa do PS: o maior socialista vivo é outro. E estava-se nesta vertigem de palavras, quando Alfredo Barroso - o colaborador mais próximo de Mário Soares durante décadas -, homem de opinião truculenta, desatou em insultos a Maria de Belém, pela despromoção do pai-fundador do PS. Polémica animada, que mais não seja por fugir à modorra destas presidenciais.

Hoje, Belém e Barroso prefeririam não ofuscar a tristeza da perda com o espetáculo infeliz da polémica. Não tiveram, porém, a sorte de um manto diáfano ter feito esquecer a sucessão de deslizes: nos blogues e Twitter é um fartote, lembrando a gaffe de Almeida Santos, a picardia de Belém e os insultos de Barroso. Ora, hoje, isso ganha a dimensão de enormidade, porque, sem o dizer, sabemos da morte. E, como não se diz, esquecemo-nos do contexto em que tudo se passou e que, hoje, é radicalmente diferente.

É disso que estamos a falar quando estamos a falar: de futilidades. E sendo-o, que se diga. Porque para falar a sério, hoje, estaríamos a falar dum homem que foi imprescindível para a democracia e que, felizmente para todos, foi poderoso.

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