Almeida Henriques (1961-2021). O homem da convergência ou, em rigor, das convergências

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Nascido em Viseu e feito jurista em Coimbra, Joaquim António Almeida Henriques era, se quisermos resumir a um adjetivo, um universalista. Em bom português: dava-se com toda a gente. Militante da JSD desde jovem, mas colega de apartamento de um socialista quando vem para Lisboa ser adjunto num governo de Cavaco Silva. Querido pelos setores mais conservadores da Igreja, mas próximo das associações liberais mais seculares. Cosmopolita, mas íntimo do povo e da cultura popular mais recôndita. Político de percurso e empresário de carreira. Autarca cinquentenário, dono de visão moderna e das ditas smart cities. Teria sido ministro da Economia se o seu partido não estivesse afastado do poder há mais de meia década. Não tendo aí chegado - ou o PSD aí voltado -, fez da sua terra o seu país. Nas palavras de quem o conheceu melhor, com ele "Viseu tornou-se um mini-Portugal".

E foi isso que o fez ser recordado como mais do que um presidente de câmara.

Ontem de manhã, à beira dos 60, António Almeida Henriques, político, empreendedor, viseense e figura dos sociais-democratas, perdeu o combate contra a covid após semanas de luta. No mundo político nacional e local, foi um domingo de Páscoa enlutado. Nas redes sociais, multiplicaram-se as homenagens. Na página da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa, em contacto regular com a família do autarca, escreveu que "deixa obra e saudades, lembrando-nos como esta doença é terrível e nos apanha desprevenidos, deixando a meio tanto que ainda tinha a dar aos concidadãos". Almeida Henriques, presidente da Câmara de Viseu desde 2013, preparava-se para voltar a ser recandidato.
Nas palavras de Pedro Passos Coelho, amigo de longa data, era "uma pessoa ativa e sempre criativa e inconformada. Tinha ambição de fazer coisas mais do que lugares. pés bem assentes no chão, apesar de sonhar sempre além".

No Twitter, o primeiro-ministro deixou também uma mensagem pública, recordando "um defensor do poder local como pilar da democracia e sempre um lutador por Viseu". Na mesma plataforma, o líder da oposição e presidente do seu partido, Rui Rio, homenageou-o como antigo "ilustre deputado".

Rui Moreira, que o conheceu há quase 20 anos, ambos dirigentes associativos, lembra-o a este jornal como "um visionário, homem bom e de bem" que "deixa obra inacabada". "Quando eleitos, empenhámo-nos em aproximar os municípios, porque partilhávamos a visão sobre a cultura, a descentralização", conta. E era como os demais autarcas o olhavam: como alguém que, a partir de Viseu, procurava construir pontes com os que o rodeavam. Ser louvado por socialistas, laranjas e independentes prova o ponto.

Nos meados dos anos 80, no auge do cavaquismo, é convidado para adjunto de Couto dos Santos e o seu dinamismo faz dele "um bom assessor", contam os que lá estavam, que com ele conviveram e relatam "cautela" na vinda para a capital. "Adaptou-se, mas desconfiava da superficialidade e falsidade de Lisboa", sorri um amigo. "Não se deixava afunilar pela cartilha partidária" e isso refletia-se nas suas proximidades. Torna-se amigo de António José Seguro, com quem conviveu nos trabalhos do Conselho Nacional de Juventude e chegou a partilhar casa. Trinta anos mais tarde, nos cruzamentos que só a política pode, Almeida Henriques seria secretário de Estado e Seguro, hoje professor universitário, lideraria a oposição. Por escrito e de forma breve, o antigo secretário-geral do PS assume que estes "são momentos de profunda tristeza e vazio, precedidos de semanas de angústia. Perdi um amigo querido. Fica a recordação de muitos bons momentos de convívio", diz, na partida de um "homem bom, solidário, comprometido com Viseu e Portugal".

Com meros 30 anos, Almeida Henriques era presidente da concelhia do PSD de Viseu e alto quadro da Associação Nacional de Jovens Empresários e da Associação Industrial de Viseu. É difícil enumerar todas as associações que integrou nos largos anos de vida ligada ao tecido empresarial, onde fundou dois negócios na área das comunicações. Também aí as convergências eram norma.

É deputado em 2002 e sucessivamente eleito, afastando-se do mundo empresarial, até ir para o Executivo de Passos como secretário de Estado da Economia e do Desenvolvimento Regional. António Leitão Amaro, desse governo, lembra a nobreza "do gosto pela sua terra", que, em 2013, o fez trocar o número 2 na Economia pela Câmara de Viseu, onde já havia feito caminho como deputado e presidente da Assembleia Municipal nos mandatos de Fernando Ruas. "Lembro-me das boleias de Lisboa para Tondela, eu ainda estudante, de virmos a conversar caminho acima. Quando entrei para a política, disse-me: "Eu sabia..."."

Portista ferrenho, marido, pai, social-democrata, condecorado por Jorge Sampaio, António Almeida Henriques partiu nesta Páscoa, aos 59 anos de idade.

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