Almas gémeas
Já temos aprendizes de Putin na Europa, só faltava um admirador em Washington. Não há mal em querer boas relações com a Rússia e cooperar na resolução de dilemas comuns como o terrorismo, proliferação nuclear, alterações climáticas ou estabilidade do sistema financeiro. A Rússia faz parte da história da Europa e vai continuar a fazer. Coisa diferente é cortejar o atual regime, branquear o seu revisionismo agressivo, validar o exercício de poder de Putin e as suas ambições externas. É que as principais são totalmente contrárias aos interesses das democracias ocidentais: estilhaçar a UE e implodir a NATO. O iliberalismo putinista tem em Marine Le Pen e Viktor Orbán dois aliados, mas é de Donald Trump que quero falar. O candidato à Casa Branca tem na Rússia longo trajeto de negócios, o que por si só não quer dizer nada, mas já traz neblina ao assunto. Difícil de aceitar é que tenha no núcleo restrito de conselheiros para a política externa um antigo consultor da Gazprom que toda a vida fez das negociatas com os oligarcas profissão. Carter Page, como Trump, defende um "desanuviamento" da relação com Moscovo, leia-se levantamento das sanções após a anexação da Crimeia e instigação à guerra no Donbass, as quais, como o próprio Page admite, têm-lhe estragado vários negócios. Não duvido. Há ainda duas perigosas convergências entre Trump e Putin. Primeiro, ambos veem a NATO como obsoleta, seja por custar demais a Washington ou por ser uma ameaça nacional. Segundo, Trump desdenha o chapéu nuclear americano à Europa e aliados asiáticos, enquanto Putin investe na modernização do seu aparato nuclear e nem os pés pôs na cimeira sobre o assunto que teve lugar em Washington. Ao contrário do seu slogan de campanha - America First -, o que Trump quer é a América barricada. Bela receita para o fim do Ocidente liberal que Putin despreza.