Alkantara: em itinerância por todos os cantos do Teatro Nacional
O lugar preferido de Gustavo Ciríaco em todo o edifício do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, é a chamada sala da cenografia, o sítio onde antes se produziam os cenários para os espetáculos e que agora é uma terra-de-ninguém, com chariots de figurinos em processo de catalogação, alguns elementos cenográficos em prateleiras, máscaras em forma de zebra ou de rinoceronte, cartazes colados em armários, caixas e caixotes. "Este lugar tem camadas de história", comenta o encenador. "É aqui que temos feito muito do nosso trabalho."
Por aqui, sem dúvida, irá passar o espetáculo Cortado por todos os lados, aberto por todos os cantos, performance que o brasileiro Gustavo Ciríaco criou com 15 bailarinos e atores (entre os quais os cinco elementos do elenco do Nacional e os seis estagiários da Escola Superior de Teatro e Cinema que estão a terminar o seu curso) e uma cantora (Carla Gomes) e que propõe uma viagem por vários espaços do Teatro Nacional - das salas de espetáculo convencionais aos lugares mais inusitados .
"A ideia é pegar o prédio do teatro como se fosse uma escultura", explica Ciríaco. "A relação que geralmente temos com uma escultura é de deslocamento para apreciação, a gente vê de um lado e de outro. Buscamos um ponto de vista para melhor a fruir." Pois é isso que se propõe aqui. "O ponto de partida é olhar para o teatro como uma escultura, mas que é aberta por todos os lados, permitindo a circulação, a entrada e a saída, e a apreciação ." Gustavo Ciríaco junta neste espetáculo dois verbos por si inventados: arquitetar e teatrar. "Como é que na arquitetura existe a performatividade? E como é que no teatro existe a arquitetura?"
Dois grupos de espectadores vão estar "em itinerância" pelos vários recantos do teatro. "Em cada lugar temos uma sensação de espaço e de tempo, existem barulhos, como o ruído do ar condicionado ou som dos sapatos no soalho, existe a luz, a temperatura, os cheiros, uma energia de cada espaço, pode haver pessoas a conversar no bar ou nos cruzamos com a senhora da limpeza - e com a ajuda dos atores vamos ser tocados pelas características dos espaços", explica.
Depois de residências noutros teatros e trabalhando com atores profissionais e amadores, já no Teatro Nacional, Gustavo Ciríaco fez uma longa pesquisa e entrevistou quem ali trabalham ou que têm alguma relação com o espaço mas essas memórias acabam por não entrar diretamente no espetáculo. "Talvez alguém tenha uma sensação de déjà vu de um determinado ingrediente, mas será apenas isso", esclarece. Integrado no Festival Alkântara, Cortado por todos os lados, aberto por todos os cantos será apresentado nos dias 29 a 31 pelas 19.00. Depois daquela hora e meia de espetáculo, espera que os espectadores saiam felizes e levem consigo um novo modo de ver "a arquitetura e o teatro associados".