Aljube. Um museu ainda à procura de uma Constituição Portuguesa
Vários são os pontos da Constituição da República Portuguesa que procuram garantir a todos os cidadãos a dignidade e a igualdade perante a lei ( ou concursos)
Na lei fundamental se consagra, de facto, que "ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual."
No caso do processo de recrutamento, atempadamente publicitado, que, sob a designação de "concurso/procura", visava selecionar uma nova direção para o Museu do Aljube, constam exemplarmente elencados os requisitos e competências afetos ao exercício do cargo em questão, e a que o candidato deve corresponder.
Com isso, intentava seguramente a EGEAC, entidade responsável pelo sobredito procedimento, dar testemunho de uma nova metodologia comunicacional e de um ideário de transparência institucional e profissional no contexto da nomeação dos cargos diretivos de museus e de outros espaços musealizados.
Então, onde está o problema?
No simples facto de os requisitos publicitados serem, ao menos aparente e parcialmente, omissos do curriculum da candidata vencedora, nomeadamente no que tange às habilitações e à prática no âmbito da museologia e da arquivística.
A dúvida impõe-se: terá qualquer dos demais candidatos finalistas um perfil menos consonante com aquele de que a EGEAC publicitou a procura? Acreditamos que não, ao menos a atentar na palavra de alguns dos excluídos.
Em comunicado entretanto emitido, asseverou a EGEAC ter sido exemplar o projeto apresentado na entrevista de seleção pela candidata vencedora. Acreditamos que sim, mas, novamente, uma dúvida ressuma: terão os outros candidatos sido avisados da necessidade ou obrigatoriedade de apresentação de um tal projeto? Não, a seu próprio dizer...
Tratando-se de questão tão relevante para fins de seleção, deveria figurar no regulamento do procedimento e ser a todos acessível, só assim se evitando e dissipando dúvidas acerca da imparcialidade da apreciação.
O resultado do "concurso/procura" subvalorizou as qualificações académicas adequadas ao desempenho do cargo em análise, e, com elas, as universidades que as concedem e chancelam - estranha e sistematicamente silentes a respeito de atropelos desta ordem -, os docentes envolvidos na sua promoção, enfim, os alunos e as famílias destes, crentes numa sociedade democrática empenhada na valorização da pessoa enquanto ser humano livre e plural, com direito à educação e à participação da mesma na construção de uma sociedade mais justa.
Ademais, a experiência profissional na área dos museus não foi valorizada, quando o cargo em causa o reclamava por simples definição.
Quanto à entrevista profissional, essa espécie de "final por penalties", o que dela pensar perante um empate inexistente? Considerando a formação curricular e profissional da candidata vencedora, poderia ele ter existido?
Deverão as classificações do júri ser passíveis de consulta, ainda que "condicionada"? Julgamos que sim.
Assiste à EGEAC o direito de nomear, mas não por isso o apanágio de ficar bem na fotografia - onde figura igualmente sombria exibiram aqueles que reverberaram em defesa do indefensável, chegando mesmo a "moldar" a designação do processo de recrutamento.
À transparência inerente à publicitação do procedimento concursal e à definição dos critérios de seleção contrapôs-se, afinal, a opacidade de uma decisão. O que tudo desvirtua e a todos desabona.
Qual a saída?
Possivelmente, o bom senso deveria imperar anulando o "concurso/procura" e nomear frontalmente o candidato pretendido. Porque, afinal, e relembrando o programa de Ricardo Araújo Pereira,"isto é gozar com quem trabalha" e aposta numa formação académica especializada.
Presidente da Associação Portuguesa de Museologia