Aliados de Israel. E agora?
Limitando-nos aos aliados árabes e africanos de Israel, os mais antigos são o Egipto (Camp David-1978) e a Jordânia (1994). Estes são também países com fronteira com a Palestina/Israel e ultimamente vistos como "os amigos de Peniche dos palestinianos", já que se recusam a receber os civis de Gaza que pretendem fugir ao conflito com as suas famílias. As razões são óbvias, já que ambos os países têm uma considerável parte das respectivas populações de origem palestiniana, fruto de quase oitenta anos de tensões, fugas e permanente ambiente de guerra latente, que sazonalmente vêm ao de cima e explode no cano de um obus ou numa rampa de lançamento de rockets. A Jordânia tem cerca de 70% da sua população de origem palestiniana, percentagem da qual faz parte a Rainha Consorte Rania al-Yassin (apesar de nascida no Kuwait), mas nem isso facilita uma "política de portas abertas"no actual contexto de urgência humanitária. Quanto ao Egipto, não tem percentagem demográfica palestiniana tão alta, mas tem um posto fronteiriço com a Faixa de Gaza (Rafah), o que implica ter/ver há décadas a realidade dos tuneis, cujas "bocas de acesso/saída" ficam no Sinai, território egípcio. A gestão deste dossiê tem obrigatoriamente que agradar ao aliado israelita, sob pena de fazer do Egipto um "colabô islamista" óbvio, já que o Hamas é subsidiário da Irmandade Muçulmana (IM), com sede no Cairo, apesar de ilegalizada desde 2014 pelo General al-Sissi, primeira medida tomada pelo próprio logo após a sua eleição enquanto Presidente da República Árabe do Egipto.
Na Cimeira do Cairo de meados de outubro, ambos estes países vizinhos da Palestina e de Israel, foram essencialmente redondos no discurso e nas intensões. Não que discurso e intensões "não tivessem ponta por onde se lhe pegue", mas "redondos" porque bateram na tecla de sempre, "apelo à paz e reforço dos esforços para a resolução do problema e a garantia de que a Palestina seja finalmente um Estado oficial e não oficioso". O Rei da Jordânia, por exemplo, pediu o impossível ao "apelar a uma abordagem imparcial ao conflito israelo-palestiniano"! Em resumo, falaram muito e no final não se entenderam (árabes e europeus/UE presentes) para a redacção de uma simples declaração final conjunta. Os Árabes insistiam na exigência de um cessar-fogo imediato por parte de Israel e os europeus, mais práticos e realistas, queriam concentrar os esforços e a declaração na urgência da ajuda humanitária aos civis.
Perante tal postura, caso se confirme a invasão terrestre em grande escala a Gaza, Egipto e Jordânia terão como principal actividade a chamada "diplomacia da guerra" e maior problema a chamada "rua árabe", a sua própria população que vai contestar a investida israelita e exigir uma resposta militar que nunca acontecerá, sob supervisão americana, o "irmão mais velho" (Big Brother) do Mediterrâneo Oriental.
Os Acordos de Abraão de 2020, na reta final da Administração Trump, foram ao longo dos meses seguintes convencendo vários países tradicionalmente hostis a Israel, a aderirem aos mesmos, regularizando relações diplomáticas e comerciais com Israel. Da primeira leva, Emirados Árabes Unidos (EAU)e Bahrein (setembro), da segunda, Marrocos (dezembro) e República do Sudão (janeiro 2021). Também em 2021, Omã foi sondado mas afirmou estar contente com o nível de relações que tem com Israel. A Jordânia, aliada de Israel desde 1994, aproveitou este "contexto Abraão" para reforçar laços com os EAU, para a exportação de 600 MW de electricidade/ano para Israel.
Destes novos aliados, três monarquias e uma república, permitem contas prospectivas mais ou menos simples. As monarquias vão, em teoria, segurar a "rua árabe", apesar da contestação. Porquê? Porque o rei tem sempre razão! Porquê? Porque é considerado iluminado por Deus! A este propósito convém recordar que o Rei de Marrocos, Mohamed VI, descendente directo do Profeta Maomé eLíder dos Crentes, só na nova Constituição de 2011 (a resposta marroquina à Primavera Árabe) é que perdeu o seu carácter divino, continuando, no entanto, figura intocável.
A República do Sudão, actualmente a atravessar uma guerra civil, é o aliado recente que levanta dúvidas credíveis sobre a sua postura futura face a Abraão, mediante um avanço israelita sobre Gaza. Porquê? Porque se trata da base de rectaguarda da IM, entretanto ilegalizada no Egipto,conforme já referido. Por outro lado, o Exército Nacional do Sudão está há décadas infiltrado pela IM, representando também a última esperança islamista de um exército competente, para num cenário de fim do mundo erguer a bandeira do Islão na batalha final. E ainda, pela "curiosidade histórica" do Sudão ter reestabelecido relações diplomáticas com o Irão a 9 de outubro último, dois dias após o ataque relâmpago do Hamas! Até ao Natal, certamente teremos respostas a todas as dúvidas actuais, estando as mesmas concentradas nas opções iranianas futuras, que podem passar pela retórica e apoio material actuais ao Hamas e ao Hezbollah, ou a escalada irracional do "ou vai ou racha" de quem tem Deus a "passar-lhe a mão pelo pêlo"!
O que me parece importante entender, já nesta fase, é que jogo está no patamar da sobrevivência. De Israel, do Hamas e do próprio regime iraniano, pelo que convém mudar alguma coisa, para que fique tudo na mesma!
Politólogo/Arabista
www.maghreb-machrek.pt (em reparação)