"Alguns têm a audácia de dizer que a Grécia sofreu pressão para cair do penhasco"
Presidente do Parlamento grego, Nikos Voutsis foi ministro no anterior governo de Alexis Tsipras e é tido como um dos políticos mais próximos do primeiro-ministro. Chega hoje a Portugal para uma curtíssima visita oficial, onde estão previstos para amanhã encontros com o seu homólogo português, Eduardo Ferro Rodrigues, e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa receberá também o político grego.
Qual o seu grau de otimismo em relação à saída da Grécia do programa de resgate nos próximos meses?
O nosso otimismo deriva de dois fatores: por um lado, os números da economia, a sensação que se tem da economia real, o até agora bem-sucedido regresso aos mercados e o êxito das inspeções, agora finais, do programa de resgate financeiro. No entanto, uma vez que as indicações e previsões positivas acima não seriam suficientes por si só, sinto que é importante que todos na Grécia, mas também que muitas organizações internacionais e partes interessadas considerem que o programa de resgate terminará no final de agosto de 2018. Também estamos a assistir a um enfraquecimento da retórica política que falava de um possível quarto resgate para o nosso país depois de agosto, bem como das previsões de mais apoio ao crédito, algo que teria implicado novos compromissos com a austeridade e uma supervisão rigorosa. Além disso, é importante notar que a totalidade do sistema bancário passou facilmente pelos testes de stress europeus e que foi submetido um pormenorizado plano abrangente, com o consentimento das instituições, sobre o crescimento e a reconstrução do setor de produção na Grécia para os anos pós-resgate.
Sendo um crítico violento da forma como a União Europeia lidou com a crise grega, como avaliaria o trabalho do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, nos últimos anos?
Recentemente, altos funcionários de todas as instituições com as quais a Grécia assinou os planos de resgate admitiram, de uma forma ou de outra, não só que foram usados os "tratamentos" errados como também falaram de previsões e calendários desacertados ligados ao primeiro e segundo programas, assumindo a culpa, especialmente o FMI. Alguns, na verdade, têm a audácia de dizer que o nosso país sofreu "pressão para cair do penhasco" porque os bancos franceses e alemães precisavam de ser resgatados e por isso foi negado à Grécia um corte generoso da sua dívida antes de qualquer ajustamento orçamental, que seria sempre suave, no âmbito de um resgate. O nosso primeiro-ministro e os nossos governos de 2015 até hoje, no primeiro dos quais participei como ministro do Interior e da Reforma Administrativa, estiveram na vanguarda de um confronto com estas mentalidades e práticas à escala europeia, não apenas em nome de Grécia, mas também, pelo menos, em nome dos países do sul. O confronto que resultou de um equilíbrio de poder desfavorável à custa do nosso país levou a situações extremas de extorsão relativas à permanência da Grécia na UE e a favor de uma austeridade e supervisão mais severas. O compromisso que foi alcançado com as instituições com o terceiro acordo de resgate recebeu a aprovação popular e foi amplamente tolerado pela sociedade, apesar do facto de esta sentir ainda o peso destes oito anos. Eu acho que as escolhas feitas pelo nosso primeiro-ministro para sair da crise com a sociedade de pé e a economia a crescer já estão a provar serem as corretas mesmo antes de agosto de 2018.
O senhor está prestes a visitar Portugal. Qual a sua opinião sobre a recuperação da economia portuguesa após o final do programa de resgate? O que se está a passar de positivo é uma fonte de inspiração para o seu país?
Com efeito, para nós, a cooperação com Portugal, no quadro da cooperação entre os países do sul, faz-nos sentir muito confiantes quanto ao facto de, pela primeira vez na UE, uma agenda social e uma política económica mais popular, e uma arquitetura democrática da Europa, estarem entre as prioridades. Além de tudo isso, o que também nos aproxima é o tamanho dos nossos países e das nossas economias, e a imperturbada tradicional amizade dos nossos povos. Por isso, o roteiro económico que Portugal seguiu para sair da crise e as cuidadosas políticas progressistas que se seguiram são um ponto de referência para os membros do governo responsáveis pelos assuntos económicos e financeiros e, diria, para o país em geral. Além disso, penso que é importante que haja uma cooperação de forças progressistas que apoiem um governo de amplo consenso e estamos a trabalhar para que, no futuro, a referência progressista na Grécia possa ser reformulada.
Está otimista sobre o futuro da União Europeia, mesmo depois do brexit? Tem medo de uma Europa ainda mais "alemã" ou considera que o presidente francês Emmanuel Macron tem o poder de atuar como um contrapeso a Angela Merkel?
Não estou otimista em relação ao futuro da UE, especialmente depois dos resultados eleitorais nos grandes países em 2017 e da ascensão de forças da extrema-direita xenófoba, da formação e das políticas dos países do Grupo de Visegrado, da falta de iniciativa e da seletividade ao lidar com os becos sem saída da crise em setores-chave. Becos sem saída que vimos em domínios como a questão dos refugiados/migrantes, a democratização da UE, o aumento do orçamento da UE, a nova arquitetura que possibilita a convergência social e uma orientação política progressista que permite à UE desempenhar um papel distintivo e papel decisivo na arena internacional globalizada. A Grécia está a trabalhar no quadro dos países do sul e também no âmbito da região dos Balcãs, onde as relações desanuviaram, uma vez que estes países estão prestes a aderir à UE ou estão em vias de adesão à UE. Penso que conseguimos ser, como podemos ver pelo crescente fluxo turístico - mais de 30 milhões em 2017 para o nosso país - durante a crise, um país de estabilidade nas fronteiras da Europa com dois outros continentes e um país que age como uma ponte pacífica com os povos desta região, quase permanentemente desestabilizada.
Qual é a sua opinião sobre as negociações entre a Grécia e a FYROM [antiga república jugoslava da Macedónia, na sigla em inglês] relativamente à resolução da questão do nome?
Esse problema deveria ter sido resolvido anos atrás, com base num nome composto, que é a única solução realista. Infelizmente, houve um atraso muito grande, principalmente devido ao governo anterior da FYROM, que seguia uma política nacionalista intransigente. A mudança de governo no país vizinho, juntamente com a determinação do nosso governo de normalizar as nossas relações com os nossos vizinhos, deu-nos a possibilidade de iniciar negociações substanciais que, ao que parece, terão um resultado positivo, em benefício de ambos os países e da estabilidade de toda a região do sudeste da Europa.
Durante a sua visita em março à Grécia, o presidente turco Recep Erdogan fez declarações sobre a minoria muçulmana na Grécia. Há também problemas com soldados gregos detidos na fronteira com a Turquia e com um grupo de militares turcos que solicitou asilo na Grécia depois do golpe falhado de 2016. Como descreveria, pois, as vossas relações atuais com a Turquia? Prevê também algum desenvolvimento em relação a uma solução para a divisão de Chipre num futuro próximo?
As nossas relações com a vizinha Turquia enfrentam por vezes dificuldades, apesar do quadro estável de coexistência e debate que se estabeleceu entre nós nos últimos anos. Essas dificuldades, que às vezes se referem até mesmo ao questionamento indireto dos nossos direitos soberanos e de tratados internacionais por membros da atual liderança política na Turquia, refletem a realidade da situação geopolítica volátil e transitória da Turquia na região. Contudo, esse comportamento inconsistente comporta riscos e, portanto, destacamos a importância do respeito pelos tratados e acordos internacionais entre os dois países. Neste contexto, o papel da UE e de outras organizações internacionais na defesa do respeito pelo direito internacional é crucial. No que diz respeito à questão do Chipre, houve esforços reais para a sua resolução, especialmente tendo em conta que Chipre tem sido durante anos um membro da UE. Estou confiante de que os esforços para a sua resolução não serão abandonados. Temos de recomeçar onde parámos e ajudar a demolir o último muro da Europa. No que diz respeito aos oito turcos que requerem asilo na Grécia, esta questão está a ser examinada pelo sistema judiciário grego. Recordo que a separação de poderes é uma regra rigorosa no nosso país. Este caso não tem nada que ver com o caso dos dois oficiais do exército grego que estão detidos ilegalmente pela Turquia há quase três meses, sem quaisquer acusações oficiais. A UE já manifestou a sua preocupação pela sua detenção.