Alexandre usa a corrida na luta contra a esclerose múltipla
Sessenta e quatro corridas, entre as quais seis maratonas e um triatlo de média distância. É a correr que Alexandre Dias, de 31 anos, luta contra a esclerose múltipla. "Aceitei a doença, mas estou sempre na esperança de que um dia haja cura. Tudo o que faço é preservar o meu corpo." Seis anos após o diagnóstico, treina para participar em outubro no Ironman Barcelona: 3,8 quilómetros de natação, 180 de bicicleta e 42 de corrida.
A história de Alexandre, natural de Vimioso, cruza-se com a de Ramón Arroyo, atleta com esclerose múltipla que completou a mesma prova e que serve de inspiração para o filme 100 Metros, de Marcel Barrena, com estreia marcada para o dia 30 de março em Portugal. Ambos são exemplos de superação da doença, que estará em discussão, entre hoje e sábado, na Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, no Porto, no âmbito do 4.º Congresso Internacional de Esclerose Múltipla.
Em Portugal, a esclerose múltipla afeta cerca de seis mil pessoas. "É uma doença autoimune, ou seja, o próprio organismo gera a ocorrência de lesões ao nível do sistema nervoso central", explica José Vale, presidente do Grupo de Estudo de Esclerose Múltipla. É crónica e degenerativa. Provoca perdas de sensibilidade, alterações na visão, no equilíbrio, fadiga, dificuldades no controlo do esfíncter, fraqueza.
O primeiro sintoma, recorda Alexandre, foi uma mancha no olho esquerdo. Seguiram-se 6 a 7 meses de exames e, por fim, um diagnóstico que mudou a sua vida. Acompanhado pela mãe, fez o caminho do hospital até casa sem dizer uma palavra. "Não sabia o que era a doença". Decidiu desvalorizar. "Continuei como se nada fosse. Foi a minha maneira de lidar, embora hoje saiba que não foi a mais correta. Isso levou-me aos 116 quilos." No ano seguinte teve vários surtos. "Faltas de equilíbrio e perda de sensibilidade no dedo grande do pé". A fadiga obrigava-o a descansar todos os dias durante a tarde.
Quando conheceu o caso de uma dinamarquesa com a mesma doença que fez 365 maratonas em 365 dias, Alexandre pensou: "Se ela fez tantas, não serei capaz de fazer uma?" Começou a "odisseia da maratona". Vestiu a camisola da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla e fez a primeira, no Porto, em 2014. Nunca mais parou. "No ano seguinte, na minha loucura, quis fazer três num mês". Mas ainda não era suficiente. Um vídeo do Iron-man deixou-o com "pele de galinha". "Transmitiu-me uma sensação de superação." Aprendeu a nadar e prepara-se para concluir a prova, em outubro.
Não há cura para a esclerose múltipla. Nas últimas duas décadas, conta José Vale, surgiram novos remédios que ajudam a controlar o processo, o que faz que existam "menos lesões no sistema nervoso central, menos manifestações". Alexandre faz medicação injetável três vezes por semana. "Há quatro anos que não tenho surtos e acho que isso se deve a três pilares: alimentação, desporto e medicação". Através do desporto, combateu a fadiga.
Alexandre é licenciado em Economia e está neste momento a estagiar na Câmara Municipal de Vimioso, de onde é natural. Sofre de esclerose múltipla surto-remissão, ou seja, pode ter surtos, mas os efeitos acabam por passar. "Não se nota, mas as lesões no cérebro ficam lá", ressalva.
Já o presidente do Grupo de Estudo de Esclerose Múltipla diz que há um estigma "muito negativo" em torno da doença, porque existe a imagem de que "a pessoa está condenada, que vai ter muitas limitações." Isto porque a patologia é associada apenas aos casos mais graves, o que leva a discriminação e falta de oportunidades a nível profissional. Um problema que se torna ainda mais grave quando se trata de uma patologia cujo "pico de incidência ronda os 30 anos".
Embora ainda não se conheça a causa, sabe-se que a esclerose afeta mais as mulheres. Muitas vezes, é altamente incapacitante. "Ao final de 15 a 20 anos de evolução da doença, uma grande percentagem de doentes está muito dependente do ponto de vista motor", conclui José Vale.