Alexandre Borges: "Abri o meu coração ao máximo para fazer o Cadinho"
Quando Avenida Brasil terminou no seu país, o destino dado à sua personagem [Cadinho acaba por casar com Noémia, Verónica e Aléxia] foi criticado por alguns especialistas em televisão, que viram neste desfecho uma legitimação da poligamia. Se o Alexandre tivesse escrito o guião, teria dado outro rumo à história?
Não, não... daria o mesmo rumo!
Porquê?
Tentei fazer uma interpretação de maneira que essa poligamia não fosse levada para um lado maldoso, que não fosse uma coisa canalha, cafajeste. É lógico que a situação do Cadinho não é comum nem é o que é socialmente aceite. Existem casos, claro, mas era uma personagem em que esse lado moral não era o mais importante. Quisemos fugir disso. O importante era que as três mulheres fossem só uma na cabeça das pessoas e todos fossem uma coisa só. Tive a preocupação de não representar de uma maneira com uma e de outra com as outras. Torci para que Cadinho não tivesse de escolher. Ele esforça-se e desdobra-se para ser o melhor para as três. Avenida Brasil foi uma novela em que se buscou mais o lado da fantasia do que o da vida real, mais verosímil. A intenção não era fazer um elogio à poligamia.
Preocupou-se em não fazer do Cadinho um mau caráter?
Sim, mas o João [Emanuel Carneiro, autor de Avenida Brasil] fez isso muito bem. Quando me convidou, disse-me: "Quero investir muito no humor com o Cadinho." Porque o centro da novela é um núcleo de vingança, com a história da Nina e da Carminha. O Cadinho ama a Verónica, a Noémia e a Aléxia, ele ama as famílias e não tem problemas com nenhuma delas. Abri o meu coração ao máximo e tentei fazer o Cadinho de um jeito gostoso, agradável, engraçado.
Houve alguma altura, durante as gravações da novela, em que se tenha sentido cansado de interpretar três vidas paralelas?
É um desafio, é muito dinâmico! Por exemplo, num dia em que gravava primeiro com a Débora Bloch [que dá vida a Verónica] fazia oito, dez cenas. Depois, quando chegava a Camila [Morgado, que interpreta Noémia], tinha de estar como se estivesse a começar naquele momento. Claro que houve dias em que estava mais cansado... Às vezes, a dificuldade era essa. E quando começámos a gravar juntos, a única dificuldade era esperar que três mulheres ficassem prontas [risos]!
Quem reagiu melhor à sua personagem, as mulheres ou os homens?
Os homens, de caras! Geralmente, as mulheres têm um vínculo maior com a novela. Mas, hoje em dia, os homens veem muito e isso aconteceu com Avenida Brasil. E o Cadinho fez com muitos homens, que habitualmente não viam novelas, começassem a fazê-lo... na rua, chegavam ao pé de mim e faziam uma festa [risos]!
Qual foi a coisa mais interessante que lhe disseram?
"Me dá a receita! Me dá a receita! Você é o meu exemplo, você é o meu herói!", e coisas como "Passa aqui a mão, me dá um pouco desse mel!" [risos]. E até o contrário, homens que passaram pela mesma situação do Cadinho, que diziam que quase iam morrendo de medo de serem descobertos, e que me diziam que até tinham suores frios quando viam a novela!
Mas da parte das mulheres não houve uma reação propriamente negativa.
Sim, também tive muito disso! "Quero ser a quarta!" Muito por causa dele saber tratar bem, de ser um cara educado, de pagar os presentes, de ser bom pai. A reação das pessoas foi sempre uma coisa muito alegre na abordagem, fiquei muito feliz com isso.
Porque é que acha que o fenómeno Avenida Brasil extravasou o público consumidor de novelas?
É difícil explicar. É o público que faz isso e foi impressionante o fenómeno criado nas redes sociais junto de pessoas que não viam novelas, intelectuais, jornalistas, e que começaram a falar e a escrever tratados sobre a novela. A Carminha [personagem interpretada por Adriana Esteves] arrebatou as pessoas e criou uma empatia muito grande, apesar de ser uma vilã. O mérito é muito do João Emanuel Carneiro, que estruturou muito bem a novela. Logo na primeira semana em que a novela foi apresentada as pessoas ficaram loucas, o que, ultimamente, é uma coisa rara de acontecer. Foi um fenómeno.
Apesar do sucesso de Avenida Brasil, a Globo perdeu pela primeira vez na sua história, durante o horário de day time, para a Record. Acha que a Globo está a aproximar-se do fim de uma era de hegemonia?
Acho que a direção da Globo sabe que existem fatores como a internet, o cabo, outras emissoras, que cresceram muito e que estão a fazer um ótimo trabalho. Hoje em dia, o público é diferente. Grava, vê na internet... Há vários fatores que fazem que a hegemonia da Globo, aquele auge dos anos 70, tenha terminado. Por isso é que, para todos nós, Avenida Brasil foi uma coisa muito importante. A novela teve uma interação com os outros media muito forte e percebemos que as pessoas também querem isso! É tudo uma questão de entregar um bom produto, bem acabado. Acho que estamos todos a adaptar-nos a este processo entre o digital, a internet, a televisão, o que tudo isto vai ser no futuro. É um momento histórico importante, somos da geração que está a fazer esta transição e isso é importante. É um desafio.
A ministra da cultura Marta Suplicy disse recentemente que o Brasil devia abandonar o estereótipo de país do Carnaval e do futebol. Não considera que esta afirmação, vinda de uma ministra do país que vai receber o Mundial de Futebol, é contraditória?
Eu tenho orgulho desses aspetos. De alguma maneira, o samba e o futebol são o resultado da mistura de raças que é o povo brasileiro.
Acha que o Brasil está preparado para receber o Mundial de Futebol e os Jogos Olímpicos?
Acho que vai estar preparado. O que não podemos esquecer é que estamos a fazer um Mundial num país latino-americano, tropical. Vai haver confusão, trânsito, aeroportos cheios, algumas coisas prontas em cima da hora. Não é preciso que seja uma coisa com um luxo impecavelmente organizado, com tudo direitinho. É diferente! É uma Copa no Brasil, não é uma Copa na Alemanha (risos)! O que importa é o futebol, é você ir lá e ver! Um vai ganhar, outro vai perder... e pronto! Espero que o samba, o Carnaval, o futebol, o sol e a praia sejam um diferencial para a pessoa que sai da China, da Alemanha e vai para esse evento familiar possa ver a beleza da desorganização (risos)!
"O espírito português é mais contido, mesmo quando tudo estava maravilhoso"
Portugal não é um país estranho para si, porque já cá viveu. Quando cá está, a sensação é de estar na sua segunda casa, imagino...
É verdade. É aquela sensação de você estar passando em alguns lugares, e aquele filme passa nas várias épocas em que você passou naquele lugar... E, ao mesmo tempo, há sempre uma surpresa, um espanto... "uau, estou aqui!'"
Viveu cá um ano e meio. O que esteve a fazer em Portugal nessa altura?
A primeira vez que vim cá foi em 1986. Estava recém-tornado ator profissional... sou da cidade de Santos, tinha-me mudado para São Paulo e entrei num grupo de teatro profissional. Montámos uma peça chamada Velhos Marinheiros, de Jorge Amado, e essa peça foi convidada para o FITEI [Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica]. Ficámos duas, três semanas, adorei, foi aquela emoção de estar nessa viagem. Em 1989, o diretor dessa companhia, o Ulisses Cruz, foi convidado para fazer uma peça no Porto, na Seiva Trupe. Eu ofereci-me para vir com ele e deu certo! Fui morar para o Porto, para fazer essa peça. Foi um processo de trabalho maravilhoso, durante o qual entrei em contacto com o processo de trabalho dos atores portugueses, com o próprio jeito de fazer teatro aqui, numa época em que a televisão ainda não estava tão forte como é agora.
Que diferenças nota entre esse Portugal e o de agora?
O maior marco de mudança, para mim, foi a Expo'98. Foi um momento em que, por sorte, acabei por me apresentar, no Teatro Camões. Aquele ano foi uma coisa meio mágica, sabe... Vi Lisboa numa modernidade, num requinte de acabamento de coisas. O próprio Parque das Nações e tudo o que foi feito para receber a Expo... foi uma coisa muito bonita, muito marcante. Mas a essência é a mesma, embora ache que há uma geração que cresceu com a Expo, que na altura era criança, e que agora está a trazer coisas novas. E, por outro lado, é uma pena, porque essa mesma geração está a sofrer bastante com a crise.
Nota isso nos portugueses?
O Brasil tem uma coisa muito diferente. Mesmo em crise, temos o Carnaval, a praia... as pessoas estão sem dinheiro mas vão curtir o samba. O espírito português é mais contido, mesmo na bonança, mesmo no momento em que tudo estava maravilhoso. Apesar do país estar a viver um momento de crise, os investimentos que foram feitos trouxeram muitas coisas boas. Agora, está na altura de acertar os excessos.
"No casamento, é preciso haver uma generosidade grande e ceder. É uma troca"
Alexandre e a sua mulher [a atriz Júlia Lemmertz] comemoram duas décadas de casamento este ano. Qual é o segredo?
(pausa) Pois é... o tempo passa muito rápido. Temos uma afinidade muito grande na maneira como vemos as coisas, a paixão que temos pelo nosso trabalho, a admiração que eu tenho pelo que é a Júlia como atriz, como pessoa. A nossa amizade, antes de começarmos a namorar, foi muito bem alicerçada, sincera. O nosso envolvimento, o começo do nosso casamento, o facto de termos feito trabalhos juntos, de termos viajado... fui eu que apresentei Portugal à Júlia. Quando casámos, ela já tinha uma filha, a Luiza, que na altura tinha 5 anos, depois veio o Miguel, o nosso filho, que agora tem 12... A nossa vida tem estado sempre cheia de novidades, de coisas boas. Sempre houve poucas cobranças na nossa relação. Por mais que tenhamos saudades de fazer um programa mais normal, sabemos que não dá, porque o ensaio acaba à meia-noite mas o diretor quis ficar mais meia hora a ensaiar. No casamento, é preciso haver uma generosidade grande e ceder. É uma troca.
Como é que lida com o facto de a sua mulher beijar outros homens no ecrã?
Pois é... ela está a beijar um português agora [Júlia Lemmertz contracena com Paulo Rocha em Fina Estampa] [risos]. Não é uma coisa de me importar ou ter ciúmes... Fico feliz quando ela faz um par romântico que seja credível... fico a ver e, quando acontece o beijo... fecho os olhos [risos]! Depois fica um silêncio, passa... e depois digo "bom beijo. Gostei!" O meu filho, às vezes, diz-me: "Pai, você sabe que é novela, não sabe?" Ele dizia-me isso quando víamos Fina Estampa e depois dizia à mãe durante a Avenida Brasil.