Alertas sobre casal de Caxias chegaram a oito entidades públicas
Samira faria hoje 4 anos. E Viviane completaria 2 anos a 9 de junho. As meninas morreram na segunda-feira na praia da Giribita, em Caxias, para onde foram levadas pela mãe, que está em prisão preventiva por suspeita de dois crimes de homicídio. O pai viu-as pela última vez a 6 de fevereiro numa visita na presença de outras pessoas, como acontecia desde que o casal se separou, a 4 de novembro. A mãe acusava-o de abusos sexuais às menores, de lhes dar beijos na boca. Ele queixou-se dela por o querer impedir de estar com as filhas. Ambos fizeram as denúncias às instituições adequadas, oito no total. Mas nenhuma conseguiu evitar a tragédia.
Na noite de segunda-feira o corpo da bebé foi encontrado uma hora depois de a polícia marítima chegar ao local do afogamento. O alerta foi dado por um taxista que parou junto à praia e viu Sónia Lima, a mãe, a gritar por socorro e pelas filhas, pedindo-lhe que as salvasse, contou o próprio à TVI. Também disse ter sentido que a mulher estava arrependida.
O cadáver de Viviane será levantado hoje na delegação sul do Instituto Nacional de Medicina Legal, em Lisboa, e estará amanhã a partir das 10.00 na Igreja de Rio de Mouro, freguesia onde o casal morou nos quatro anos que viveu em união de facto. O funeral será pouco depois, às 15.00. Amanhã vão também terminar as buscas para encontrar a irmã, Samira. É o pai das crianças, Nélson Ramos, que está a tratar das cerimónias fúnebres.
O casal conheceu-se através de um chat na internet e começou a viver junto quando Sónia engravidou. Houve uma segunda gravidez que foi interrompida e uma terceira, da qual resultou o nascimento de Viviane. Os últimos tempos foram tempestuosos e terminaram com a expulsão de casa de Nélson, a 4 de novembro, reconheceu o pai ontem, em entrevista à RTP.
Trocaram acusações e não se ficaram por aí. Denunciaram formalmente os factos, o que envolveu as instituições que em Portugal têm a responsabilidade de investigar, ou mandar investigar, as situações de violência doméstica e de abuso sexual, acusações de Sónia contra Nélson. E, também, de alienação parental, acusação de Nélson contra Sónia. Foram estes os organismos envolvidos: Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), PSP, Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), o Ministério Público (MP), Tribunal de Família e Menores, PJ, Segurança Social e o Hospital Amadora-Sintra.
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O MP instaurou um inquérito que ainda decorre e "encontra-se em segredo de justiça", diz a Procuradoria-Geral da República (PGR). Requereu, também, a abertura do processo judicial de "promoção e proteção das duas crianças, "que é de natureza reservada", sublinha. Agentes da PSP e da PJ investigaram as situações denunciadas.
A PSP ouviu Sónia e as suas testemunhas e concluiu o inquérito no início deste mês. Consideraram que "havia um risco elevado" de violência doméstica. Propuseram a acusação de Nélson, o seu afastamento da família e a teleassistência para proteger mãe e filhas do alegado agressor. Além disso, este sistema de monitorização faz o acompanhamento diário das vítimas através de uma equipa de psicólogos. A PGR diz que "foi elaborado um plano de segurança". Não responde à pergunta porque é que a medida ainda não tinha sido aplicada. Hugo Palma, porta-voz da PSP, esclareceu o DN que a rapidez de instalação depende da avaliação do risco. "Pode levar uma semana se há um risco efetivo, se há ameaças de morte, por exemplo."
Nélson Ramos admite que havia violência, física e verbal, mas por parte da ex-mulher. E aponta o dedo às instituições. "Houve falhas. Não fui ouvido nem me quiseram ouvir." Rui Maurício, o seu advogado, disse ao DN que recebeu o relatório da Segurança Social sobre as acusações de Sónia na terça-feira, dia em que o país acordou para a tragédia de Caxias. Tinha sido enviado por correio na sexta-feira anterior. Justificam os técnicos que não conseguiram ouvir o pai das crianças. "Fomos formalmente à CPCJ da Amadora e ao Tribunal de Família e Menores, onde deixaram a nova morada de Nélson", contrapõe o advogado.
"O sistema está preparado para proteger as vítimas mas não para estas se protegerem de si próprias", disse Daniel Cotrim, assessor da direção da APAV, um dia depois das mortes em Caxias. Defende a criação redes integradas, que incluam especialistas em saúde mental.