Alemanha oriental vendeu prisioneiros políticos ao ocidente

A braços com uma situação económica caótica, autoridades da RDA entregaram à RFA prisioneiros em troca de dinheiro, mas também café, cobre e petróleo, diz historiador.
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A operação tinha um nome: haeftlingsfreikauf. A partir de 1964, a administração da República Democrática Alemã começou a trocar prisioneiros políticos, detidos quando tentavam desertar para o ocidente, por dinheiro e outros bens.

"Entre 1964 e 1989, cerca de 33.755 prisioneiros políticos e 250.000 seus familiares foram vendidos para a Alemanha Ocidental, por um valor total de 3,5 mil milhões de marcos", diz o historiador Andreas Apelt à BBC, no dia em que se assinalam os 25 anos da queda do Muro de Berlim.

Há também registo de negociações de presos por bens de primeira necessidade ou matérias primas, como café, cobre e petróleo.

Todas as negociações foram mantidas no mais absoluto secretismo: nem o regime comunista podia qualquer fraqueza a nível internacional; nem o governo democrático da República Federal Alemã queria fazer parecer que estava de alguma forma a financiar o estado totalitário vizinho.

Escreve a BBC que todos os movimentos foram feitos em ambiente de clandestinidade, em túneis de comboio desertos ou através de autocarros equipados com placas de matrícula rotativas, ao estilo dos filmes de espiões.

Filha de uma família vendida

Daniela Walther tinha 5 anos em 1961 quando foi detida, junto com a família, a tentar fugir de Berlim oriental. Hoje, conta à BBC porque a família decidiu arriscar a fuga: o pai, Karl-Heinz Prietz, que escrevia para uma revista de educação, tinha sabido junto de fontes das autoridades que a fronteira entre o leste e o oeste ia ser fechada.

"Ele sabia que eles iam construir o muro", conta Daniela. Lembra-se bem da noite em que tentaram passar a fronteira, numa zona menos vigiada: "O meu pai avançou e chamou a minha mãe, mas ela paralizou, não teve coragem. Lembro-me de estar junto dela, a ouvir o meu pai chamar".

A hesitação revelou-se fatal. Foram todos detidos. A mãe foi condenada a nove meses de prisão por cumplicidade na tentativa de atravessar a fronteira e Daniela Walther foi mandada para a cidade de Stockhausen, para viver com os avós. Aqui permaneceu até que a mãe foi libertada. Os avós pediam-lhe para ela dizer que era filha da tia, que vivia na Alemanha Ocidental. "Ser filha de alguém que tinha tentado passar a fronteira era pior do que ser filha de um assassino", afirma.

Quanto ao pai, estave oito anos preso - "Foi torturado. Ele nunca explicou os métodos que utilizaram, mas destruíram-lhe a saúde. Penso que não viu a luz do dia durante anos" - até que foi vendido.

Já em Berlim ocidental, Karl-Heinz Prietz conseguiu que se fizesse um negócio para reaver a família. "Penso que pagaram 100 mil marcos por nós", diz Daniela Walther. "Eu na altura não queria ir, queria ficar no leste com os meus avós, na o acordado era para a mulher e filha".

Daniela tinha então 13 anos - estávamos em 1969 - e teve pena de deixar os amigos e a vida que conhecia. "A minha amiga Gudrun veio despedir-se de mim. Tive muita pena de a abandonar. Ela disse que me viria visitar quando tivesse 60 anos, porque era autorizado sair da Alemanha Ocidental a partir dos 60 anos".

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