"Ainda vai demorar até termos uma cura"

Médico em Coimbra e presidente da Associação Portuguesa para o Estudo Clínico da Sida, Joaquim Oliveira admite que há doentes que deixam de ir às consultas e as razões podem ser várias
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Um estudo recente mostrou que é a meta de ter 90% dos doentes diagnosticados em tratamento a mais difícil de atingir. Como vê estes resultados?

Os números foram alguma surpresa, porque todos imaginávamos que o primeiro objetivo fosse o mais difícil de alcançar. É preciso continuar a aferir. No fundo se virmos o que se passa nos nossos centros hospitalares provavelmente corresponde à realidade. Temos uma taxa de doentes que desaparecem do seguimento, apesar de todos os esforços de contactar e de remarcar as consultas.

Porquê?

Há realidades muito distintas e provavelmente não conhecemos exatamente bem a dimensão das diversas nuances. Uns, simplesmente, mudam de residência ou emigram e não dizem nada. Alguns, podemos admitir, procuram outros centros, mas não há um mecanismo a nível nacional que permita ter essa informação. Outros têm uma perceção da doença que acham que não precisam de seguimento e desaparecem. É sobretudo verdade em franjas com fragilidades sociais. Depois há doentes que morrem e não sabemos.

Houve relatos de hospitais que estavam a dar medicamentos para um curto prazo de tempo.

A realidade é muito diferente e depende do tempo que estamos a falar. A passagem do ano é sempre um momento problemático por causa das questões burocráticas de aprovação e relacionadas com as compras. Neste momento não sei exatamente o que se passa, mas houve fases em que alguns hospitais tiveram dificuldades em dar medicação aos doentes. Que saiba não houve interrupções da medicação, mas houve necessidade de os doentes irem ao hospital com periodicidades que não são aceitáveis. O que está preconizado em termos legais é que os doentes possam ter medicação para três meses. Há hospitais que continuar a dar sistematicamente para um mês.

Que novos tratamentos poderemos ter em breve?

Neste congresso começou a emergir como opção exequível para alguns doentes uma terapêutica dupla, que tem vantagens em termos de custo e de efeitos secundários. Há outras linhas de investigação, nomeadamente os fármacos de longa duração que permitirão eventualmente injeções a cada dois meses. Poderá ser interessante para algumas populações que têm dificuldade em tomar medicações diárias.

Estamos mais próximos da cura?

De cada vez que vamos assistindo a estas sessões há avanços, vamos dando pequenos passos. Mas a perceção com que fico é que vai ser extremamente complexo. Acredito que vá demorar ainda muito tempo a termos uma cura funcional ou outra.

Por ser uma doença crónica não há risco de os jovens desvalorizarem a infeção?

A desvalorização existe de facto. Não sei se há uma explicação cabal. Esta camada mais jovem não vivenciou a mortalidade que a doença provocava antes do início da terapêutica antirretrovírica nem tem a perceção do custo pessoal e social que é viver com esta doença. Embora seja facilmente controlável, desde que a pessoa faça a sua medicação sem interrupções, o certo é que é uma doença para toda a vida e é preciso tomar medicação para toda a vida. Só isto é um desafio brutal. Por outro lado continuamos com um estigma muito grande. Dá-me ideia de que os jovens veem este como um problema menor, como uma outra qualquer doença de transmissão sexual que se trata facilmente. E não é assim.

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