Espanha: as europeias começaram ontem

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Como sempre, houve vencedores e derrotados, ascensões e declínios, erros táticos e acertos estratégicos. A esmagadora maioria das análises estão aqui concentradas, dando um pequeno salto até aos cenários aceitáveis com a nova aritmética parlamentar. Não quero ir por aí. Também não quero insistir nas dinâmicas que levaram à fragmentação partidária ou ao crescimento da extrema-direita. As últimas crónicas semanais neste jornal trabalharam essa argumentação, isto se não contarmos com os últimos anos de análise sobre a política europeia. Há, porém, três ângulos que gostaria de trazer ao debate.

O primeiro diz respeito ao cálculo que hoje atravessa o espectro político espanhol, nomeadamente entre aqueles onde a pressão para encontrarem uma solução é maior: PSOE, Ciudadanos, Podemos, PNV e ERC. E o cálculo é 26 de maio, dia das europeias e de doze eleições autonómicas. Qualquer passo em falso ou voluntarista no sentido da promoção de uma maioria de apoio a um governo liderado por Sánchez tem hoje em conta os custos a pagar nessa data. É por isto que, se em tese, um acordo entre o PSOE e o Ciudadanos seria uma boa solução para o momento espanhol, na prática prejudica os dois partidos. Sánchez abriria uma ferida na esquerda do seu partido e daria ao Podemos uma nova linha de choque capaz de inverter as perdas ontem sofridas. Rivera contradiria tudo o que disse em campanha e poderia perder daqui a um mês os votos que ontem ganhou ao PP. Ao intitular-se "líder da oposição", Rivera procura entrar neste mês decisivo com a força que lhe pode valer uma ultrapassagem ao PP nas europeias, empurrando agora Sánchez para os braços de uma solução à esquerda, com independentistas a bordo. É por não querer um vínculo apressado a esta tipologia maioritária que Sánchez tentará novo governo minoritário, de preferência investido só após 26 maio. Até lá, poria culpas na esquerda e no Ciudadanos por não permitirem soluções razoáveis à estabilidade da legislatura. E, com isso, capitalizar em urna.

O segundo ângulo diz respeito à estabilidade do eleitorado de direita. Fragmentado ou unificado sob o chapéu federalista do PP, não há praticamente novos acrescentos a esta frente nas últimas quatro eleições legislativas. O aparecimento do Vox não acrescenta rigorosamente nada a soluções de governo à direita, pelo contrário: canibaliza o PP, sendo este penalizado; motiva uma participação elevada, o que beneficia o espaço de moderação do PSOE; e oficializa uma falange que, já existindo antes dentro do PP e estando ativa na sociedade espanhola, só polariza o debate quando ele precisa de ser recentrado, trazendo mais propostas que acrescentam agressividade e bloqueios aos dilemas internos (mais centralismo politico; plano económico inconsistente) e externos (colagem ao modelo húngaro na relação com a UE) que atravessam Espanha. A acomodação da agenda do Vox por Pablo Casado revelou-se desastrosa para o PP, uma lição que alguns políticos portugueses deviam tirar.

Por fim, a morte da social-democracia na Europa pode ter sido manifestamente exagerada. Continua a haver espaço político para um discurso mais institucional do que histriónico, para uma agenda mais cosmopolita do que nativista, para uma moderação programática, para uma predisposição negocial em detrimento do choque frontal, para medidas sociais em consonância com as metas orçamentais. O que faltou a Sánchez foi acrescentar ao discurso uma dimensão aspiracional junto da classe média espanhola, e como vê o papel de Espanha na Europa e nas várias dinâmicas em curso na globalização. Se o fizer ao longo do próximo mês, pode sair beneficiado e até crescer à custa do Ciudadanos. Em Espanha, as europeias começaram ontem.

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