Os últimos acontecimentos em Paris exigem o concílio da reflexão com a inquietação. A consciência do peso simbólico da cidade associada à reivindicação, à Revolução Francesa, ao Maio de 68 e até à revolução pela revolta das massas em fúria é histórica, global e plena. Mas confesso que a minha curiosidade me exige percecionar a mudança nas formas de protestar e reivindicar. A frescura do hashtag, bastante mais amigo do ambiente do que o panfleto ou o cartaz, a T-shirt estampada e a manifestação convocada "na net" confirmam-nos que a tradição já nem aqui é o que era. Definitivamente e pedindo ajuda ao Rui Veloso, quase apetece dizer que já não há canções de intervenção como havia antigamente....O mundo de hoje exige-nos um espírito de síntese que reformule valores, direitos e tradições. A nível global, por exemplo, dos 193 países que compõem as Nações Unidas, 164 adotaram recentemente em Marrocos o chamado Pacto Global das Nações Unidas para as Migrações Seguras, Ordeiras e Regulares. No entanto, e simultaneamente, a Europa debate-se com a ameaça, no sentido contrário, do ressurgimento de movimentos populistas e nacionalistas. Há, claramente, uma vontade da sociedade de reformular pressupostos e conceitos. Às instituições democráticas cabe (re)orientar essa mudança no sentido da igualdade, da tolerância e do multilateralismo. .Em essência, a simples existência do protesto, por si só, será sempre sinal de vitalidade para um regime democrático e livre. A liberdade, em democracia, é exigência e condição da sua própria sobrevivência, como sabemos. O único limite da liberdade em democracia deverá ser o de nunca se transformar em meio de advogar valores que lhe são contrários, permitindo alavancar populismos estéreis em reivindicação e férteis em demagogia. O exercício do direito à greve, por exemplo, não deve poder colidir com o direito de todos ao bem-estar e à saúde. Quando tal sucede, a escassa democraticidade desse mesmo protesto resulta apenas da possibilidade de fazê-lo..Qual a melhor resposta ao populismo? A nível europeu, há que refletir sobre a forma como a mensagem dos regimes democráticos e nomeadamente da esquerda democrática está a chegar aos cidadãos. Decisora vai ser a nossa capacidade de apostarmos nas nossas juventudes. Temos de equacionar a melhor forma de chegar aos millennials e com eles construir uma ponte. Se não o fizermos, teremos como resposta, a prazo, um muro de intolerância. .A democracia não precisa, na Europa, de novos valores. Precisa de fazer realçar na sua mensagem que é o meio mais efetivo para promover a justiça e a tolerância. Precisa de redefinir noções de fiscalidade e assumir, mais do que nunca, o rosto do diálogo e da solidariedade. Precisamos, em conjunto, de perceber que um dos maiores perigos para a democracia, hoje, é precisamente o risco de a mesma se tornar autofágica. .Deputada do PS.Escreve de acordo com a antiga ortografia