Águia bicéfala mira ricos russos
A águia bicéfala inscrita no escudo nacional da Rússia ajuda a perceber melhor como é que no país de Tolstoi e Dostoievski, de Bakunine e Kropotkine, de Lenine e Trotsky há, actualmente, tantos amantes do fausto e do luxo, do glamour das peles e do status do smoking, de canetas de ouro e de colares de muitos quilates, de Bugattis e de Bentleys, de cavalos puro sangue e de charutos puros.
Ao jeito da imagem inscrita no peito da dourada águia heráldica, em que um cavaleiro mata um dragão a golpe de lança, os novos capitalistas, os senhores de fortuna, os milionários com nome na revista Forbes querem esquecer as frases dos romancistas cristãos, dos pensadores anarquistas, dos políticos comunistas quando adquirem iates ou ilhas, pompas ou caprichos, o sumptuoso e o supérfluo.
Agora, para esquecer as fardas medalhadas nos desfiles bélicos do 1.º de Maio, parece que alguns moscovitas tentam recriar os requintes da corte czarista - afinal, a bandeira com a foice e o martelo não conseguiu varrer de muitos imaginários a águia das três coroas. Não se estranha, pois, que o champanhe substitua o vodka, que as matrioskas dêem lugar a rodas de joalharia, que o tradicional samovar não resista a porcelanas e a cristais com selo de garantia.
Na terceira edição da Feira Milionária (ou, no idioma da libra e do dólar, que não o do rublo, Millionaire Fair) há limusinas longas e rápidos carros desportivos, stands da Ferrari e da Jaguar, sedas luxuosas e veludos sem peso nem conta, lustres de design e tapeçarias de antiquário, famosos relógios e refinados perfumes, jactos privados e helicópteros discretos.
No recinto da feira, nos arredores de Moscovo, onde há mulheres de beleza natural e cosméticos para enganar a fealdade, disserta-se acerca de clássicos e de novíssimos, dos melhores pergaminhos de uma peça e dos modelos de última geração, da exuberância do escol fidalgo, da ostentação da aristocracia dos negócios.
Entre a alta costura e a alta cozinha, férias exóticas e presentes inúteis, tudo parece imitar os dourados tempos em que Fabergé criava ovos de joalharia para Alexandre III e Nicolau II - e em que Tolstoi escrevia que "os ricos fazem tudo pelos pobres, menos descer das suas costas".
E a águia bicéfala não sabe se mira os 53 multimilionários que querem esquecer os tempos do terror de Ivan e de Estaline ou os 25 milhões de pobres do actual país de Putin. | - F. M.