Águia benta

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s salamaleques empatadores em que Sporting e Benfica se comprazem há duas jornadas fazem-me lembrar aquelas estranhas corridas de bicicleta em pista coberta, nas quais os ciclistas se vão encostando e vigiando mutuamente e só se decidem pelo sprint na curtíssima recta final. Aí, vencem quase sempre os que arrancam lá de trás.

Se nos lembrarmos do que sucedeu ao Sporting na época passada, ao perder tudo na recta final, a tentação do remake é grande e ainda maior o suspense dos espectadores ansiosos, à espera do desenlace. Como explicava o grande mestre, Sir Alfred Hitchcock, a ideia do suspense é deixar que o público fique por dentro de tudo, sabendo que há uma bomba armadilhada, enquanto os personagens não o sabem. Depois, só resta ao público - neste caso aos sportinguistas - esperar ansiosamente pela explosão da bomba.

Em todo o caso, convém não perder totalmente a esperança num novo guião para este filme. É que - diz quem sabe e eu li neste jornal a semana passada - "o Glorioso não luta por segundos lugares". Isso é para "todos os pequenos clubes", como o Sporting ou o Naval, imagine-se! Deminimis non curat praetor, que é como quem diz que um clube importante não se ocupa de ninharias. Só lhe interessa alcançar o primeiro lugar.

Ao ler tal bazófia - mesmo dando de barato que ironia e sarcasmo fazem parte do jogo da escrita - tornou-se irresistível a tentação de adaptar um ditado popular bem mais antigo do que "o Glorioso": "Presunção e águia benta, cada qual toma a que pode." E a verdade é que "o Glorioso" já não pode voar até ao primeiro lugar. Nem na Liga de cá, nem na Taça de Portugal, nem na Liga dos Campeões. E, por isso, despreza os milhões que premeiam o acesso directo à mais importante competição da UEFA. Haverá mesmo quem sustente que, como "o Glorioso" se finou nos quartos-de-final da Liga milionária, devia distribuir os 14 milhões que ganhou pelos clubes à beira de fechar as portas.

Tanta generosidade comove. Mas o Sporting parece que não quer aproveitar este gesto tão largo e liberal da gloriosa águia benta. Depois da derrota no jogo decisivo com o FCP, em Alvalade, tornou-se preguiçoso e adquiriu o mau hábito de fazer a sesta nas primeiras partes, acordando estremunhado, tarde e más horas, nas segundas partes. Bem sei que o ambiente eleitoral que se vive no Sporting não ajuda a equipa e que a perda do título a terá deixado de rastos. Mas, no futebol profissional, é vital ser competitivo e não desfalecer. Quem vencer o torneio da Segunda Circular abicha um prémio de quase seis milhões de euros. A equipa do leão Paulo Bento deve combater o fatalismo e marimbar-se para a proverbial jactância da águia benta. Aliás, quem desdenha quer comprar.

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