Os agricultores e produtores pecuários esperam há um ano por um subsídio de 20% na fatura da eletricidade que até agora não chegou. A medida foi aprovada no parlamento em maio de 2021, chegou a ser publicada em Diário da República, e deveria ter entrado em vigor em janeiro desde ano, mas tal nunca aconteceu. "Todas as semanas pergunto pelos formulários que supostamente deveria preencher para ter direito a esse apoio e até agora nada", revela ao DN António A. , um entre centenas de agricultores que estará nessa situação e que prefere o anonimato..Aprovada em 14 de maio de 2021, e promulgada em 5 de junho, a medida deveria ter entrado em vigor a 1 de janeiro de 2022, tal como se pode ler na portaria publicada em Diário da República. Onde se estabelecia aquilo que foi um sinal de alento para o setor: os agricultores e produtores pecuários, as cooperativas agrícolas e as organizações de produtores representativas da agricultura familiar passariam a contar com um novo apoio aos custos com a eletricidade nas atividades de produção, armazenagem, conservação e comercialização de produtos agrícolas e pecuários..Determinado com base no valor do consumo constante da fatura de eletricidade, acrescido do valor da potência contratada, o apoio seria correspondente a 20% da fatura para as explorações agrícolas até 50 hectares ou pecuárias que incluísse até 80 cabeças de gado. No caso de dimensões maiores, assim como para as cooperativas e organizações de produtores, o valor baixaria para os 10%..De acordo com o diploma, publicado em meados de junho de 202, para beneficiar do apoio - que deveria entrar em vigor a 1 de janeiro de 2022 - os agricultores só teriam de comprovar "que os contadores eram dedicados em exclusivo ou maioritariamente à atividade agrícola"..O documento referia ainda que as candidaturas teriam de ser apresentadas junto do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP)..Ora, é à porta desse organismo que António e vários companheiros agricultores têm batido nos últimos meses, antes de denunciarem a situação ao DN. Porque nessa altura o Ministério da Agricultura prometera "para os próximos meses" a regulamentação das candidaturas, bem como definir o modelo de apresentação, os prazos e indicar todos os elementos necessários ao pedido deste apoio. "Lá ninguém sabe de nada. Mas o que nos chateia mais nisto tudo, é que tanto o primeiro-ministro como a ministra da Agricultura vão à televisão dizer que uma das coisas que fizeram para ajudar os agricultores foi esta lei. E na verdade isto nunca saiu do papel", afirma António, 67 anos, ligado desde sempre à agropecuária na região do Ribatejo. Nunca foi associado de nenhuma organização, mas nos últimos tempos ponderou fazê-lo.."O setor está neste momento entregue a si próprio", afirma ao DN Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal. "Na altura, a portaria tinha deixado de fora as associações de regantes. Em vez de ser sobre a fatura, pôs sobre o valor da potência contratada. Ou seja, se a fatura forem 10 mil euros, e a potência contratada forem 50 euros, o Estado vai pagar 20 por cento sobre esses 50 euros", explica Oliveira e Sousa, dando ideia de que "na verdade, não é nada". Posteriormente, haveria de ser alterado para o valor da fatura. "Mas até agora não fizeram nada", confirma o representante dos agricultores, numa altura em que são muitas e diversas as preocupações. "Tudo o que tenha a ver com medidas da seca, por exemplo, já nem falam nelas. Decidiram isto e aquilo e aqueloutro, mas não deram um tostão a ninguém", considera Oliveira e Sousa, admitindo que, neste momento, os agricultores "já não estão a fazer face a coisa nenhuma: estão a jogar completamente às escuras, estão a atirar-se para o abismo, alguns deles, porque não há medidas nenhumas que o Governo esteja a tomar que tenham aplicação prática neste momento"..No que respeita à energia e aos combustíveis, o presidente da CAP considera mesmo que "é até escandaloso o que está a passar-se em Portugal, quando comparado com a situação da vizinha Espanha; porque os agricultores para além de terem um valor bastante mais baixo do que aquele que se pratica em Portugal (o gasóleo agrícola lá não chega a 1 euro, aqui é quase 1,50), foram abrangidos pela medida extraordinária no âmbito da guerra na Ucrânia, a um abaixamento de 20 cêntimos a varrer para toda a gente, que é um desconto feito na hora do pagamento, ao ir à bomba". O presidente refere que, por comparação, "em Portugal isso foi transformado primeiro naquela coisa que se chamava auto voucher, e agora esta diminuição dos 15 cêntimos, deixando os agricultores de fora dessa medida. Ou seja, quando há 15 dias houve uma descida para o cidadão comum na bomba de gasolina, para os agricultores o preço aumentou", afirma Oliveira e Sousa, considerando estarmos perante "uma situação perfeitamente absurda, num setor que está na base da nossa vida, que é a segurança alimentar dos portugueses"..O presidente da CAP enfatiza ainda que, por esta altura, há agricultores que já sabem que aquilo que vão colher (firmado em contratos antes do início da guerra) "não é suficiente para suportar o agravamento dos custos de produção que entretanto se estão a verificar, quando ainda por cima há dois fatores - a eletricidade e os combustíveis - que em conjunto podem representar 50% dos custos de produção e não se sabe quando é que para as subidas"..Questionado pelo DN, o Ministério da Agricultura justifica o atraso com os "constrangimentos provocados pelo chumbo do Orçamento de Estado 2022, a marcação de eleições e até o adiamento da tomada de posse do novo Executivo". O gabinete da ministra Maria do Céu Antunes refere que "a Portaria n.º 113/2022, de 14 de março, estabeleceu as condições gerais aplicáveis à atribuição do apoio financeiro previsto na Lei n.º 37/2021, de 15 de junho estando, neste momento, a aguardar a publicação do Despacho conjunto do Ministério da Agricultura e da Alimentação e das Finanças". "Nessa altura será conhecida a dotação e o respetivo calendário, sendo que há retroatividade a 1 de janeiro de 2022, pelo que nenhum agricultor será prejudicado na atribuição deste apoio", garante a ministra..dnot@dn.pt