Agência Mundial Antidoping suspende laboratório de Lisboa
A Agência Mundial Antidoping (AMA) suspendeu ontem, por seis meses, a acreditação do laboratório de Lisboa, com "efeitos imediatos", proibindo esta entidade de realizar qualquer análise de urina e sangue, confirmou ao DN Lídia Praça, a vogal do Conselho Diretivo do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), entidade que tutela o laboratório de Lisboa. Na prática, e até decisão em contrário, todas as análises a atletas portugueses terão de ser feitas a partir de agora fora de Portugal.
A decisão tomada ontem pela AMA não apanhou de surpresa quase ninguém. João Wengorovius Meneses, secretário de Estado da Juventude e Desporto até... terça-feira, explicou ao DN o que esteve na origem da perda da acreditação, apesar de não querer ser "deselegante" por já não estar "em funções".
"A AMA fez uma inspeção surpresa no final de 2014 e identificou um conjunto de problemas; tempo de resposta da análise das amostras era demasiado longo - o tempo previsto era de 15 dias e naquele momento estava nos três meses; falta de tecnologia e de novos equipamentos que pudessem despistar compostos químicos atuais - era preciso adquirir dois equipamentos, muito dispendiosos; falta de autonomia do laboratório face à Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP) - fisicamente estavam no mesmo edifício e a coordenadora do laboratório não devia reportar ao responsável da ADoP", começou por dizer o ex--governante, que lamenta que o anterior executivo não tenha feito "rigorosamente nada".
E continua: "Em novembro de 2015 houve uma nova visita surpresa da AMA e constata-se que não tinha havido progressos. Tínhamos acabado de tomar posse, foi coincidente. Então, decidimos introduzir no orçamento do IPDJ o valor dos dois equipamentos a rondar os 700 mil euros. Para diminuir os tempos de resposta contratámos mais três técnicos, dois que começaram agora em abril e outro em junho de modo a encurtar os tempos de resposta. Alterámos a dependência para o IPDJ. O laboratório passou a reportar ao conselho diretivo do IPDJ", salienta Wengorovius Meneses, que revela ainda uma outra medida tomada para evitar a decisão de ontem: "Em março enviámos uma carta de conforto à AMA a dizer que já tinham sido tomadas medidas em relação às solicitações de 2014 e a garantir que este governo estava muito comprometido em manter a creditação do laboratório internacional."
O alerta do COP
José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, confessa que há muito vinha alertando para este desfecho: "É com enorme tristeza que vejo uma decisão desta natureza atingir o desporto nacional. Há muito que o COP alertava para este desfecho, para a degradação do laboratório de Lisboa, sobretudo depois da saída de Luís Horta. É uma situação terrível, que pode ter custos, pois várias competições internacionais a realizar-se em Portugal estão em risco a partir deste momento."
Nos termos do artigo 13.7 do Código Mundial Antidoping, o laboratório de Lisboa poderá apelar da decisão para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) no prazo de 21 dias a contar da receção da notificação. Mas, para Constantino, "a reconquista da acreditação será difícil". "Demos um enorme sinal de incapacidade. Os problemas arrastavam-se há muito tempo sem que alguém tivesse feito alguma coisa para mudar as coisas", assinalou o dirigente, lembrando que agora os atletas portugueses "terão de realizar as análises fora de Portugal e isso irá ter custos para o país."
Luís Horta, ex-presidente da ADoP e atual consultor internacional da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem, vai ao encontro do referido por Wengorovius Meneses e José Manuel Constantino.
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"Houve muitos problemas com o laboratório após a minha saída da ADoP. Houve técnicos essenciais que abandonaram o laboratório - como, por exemplo, a que realizava a técnica de análise de EPO. Entraram novos mas precisavam de experiência. Também foi cometido um erro crasso: o afastamento do coordenador científico João Ruivo. Havia problemas com equipamentos, mas julgo que isso não terá sido o mais relevante para a decisão da AMA. A divulgação de resultados era feita com um atraso muito grande. Deveu-se ao facto de terem recolhido amostras a mais e não terem capacidade para analisá-las", refere Luís Horta, numa declaração corroborada por Wengorovius Meneses: "No ano passado, a ADoP pediu mais mil amostras do que era habitual. O laboratório analisa 3300 amostras anuais, é isso que está previsto. Com 4300 amostras o laboratório atrasou-se porque tinha mais amostras e os mesmos técnicos, acabámos o ano com mil amostras para analisar que enviámos, após concurso, para os laboratórios estrangeiros de Barcelona e Bruxelas."
Retomando a conversa com Luís Horta, este faz uma confissão sentida: "Este é um dos dias mais tristes da minha vida. Foram 18 anos de luta para que a acreditação não fosse posta em causa. Espero que o governo desenvolva medidas para que possa voltar ao normal. Não é fácil, é uma tarefa muito difícil", diz, alertando que caso todas os problemas levantados pela AMA sejam resolvidos a suspensão pode ser levantada antes do final do prazo de seis meses. Se não forem resolvidos até aí, há o risco de se tornar definitiva.
Luís Horta exemplifica os custos desta suspensão. "Se não tivéssemos um laboratório acreditado não podíamos ter recebido o Euro 2004. Afeta a credibilidade do desporto português não ter o laboratório disponível para fazer análises. A que se deveu isto? Estou longe, mas isso deverá ser averiguado para se perceber como aconteceu", conclui.
O DN tentou contactar, em vão, Emídio Guerreiro, secretário de Estado da Juventude e Desporto do anterior executivo, e Rodrigo Jóia, presidente da ADoP.
Com Isaura Almeida