Agatha Ruiz de la Prada
Uma paleta infinita de cores cobre as salas do estúdio madrileno da criadora, onde se respira actividade intensa. A mesma paleta percorre a lista infindável de produtos. Roupa, calçado, mobiliário, materiais escolares, perfumes, jóias, relógios, óculos. Um império que há muito ultrapassou as fronteiras do vestuário. Com lojas próprias em Madrid, Barcelona, Milão, Paris e Nova Iorque, a marca está presente em mais de 150 países. Em trinta anos de carreira, a enfant-terrible da aristocracia espanhola impôs-se pelo uso abundante da cor, dos volumes desmedidos, pelos vestidos-escultura que agitam palcos e passerelles. Difícil foi furar a sua agenda apertada, o que se traduziu num encontro breve.
_Quais eram os sonhos de menina? Já queria ser criadora de moda, gostava dos vestidos, dos trapos?
Em pequena, queria ser pintora. Gostava muito do mundo da arte, estava sempre, sempre a desenhar. Aos fins-de-semana ia a umas aulas especiais de desenho.
_E já desenhava roupas?
Aos 15 anos já desenhava roupas, sim. Em criança desenhava coisas, passava o dia a desenhar.
_Iniciou a sua carreira muito jovem. O primeiro desfile aconteceu aos 21 anos.
Não tinha 21, tinha 20 anos.
_Começou no estúdio de Pepe Rubio, aos 20 anos, em 1980. O primeiro desfile em nome próprio aconteceu no ano seguinte.
Sim, mas o meu aniversário é em Julho, e o meu primeiro desfile foi a 25 de Março, ainda tinha 20 anos. Às vezes penso nisso, que barbaridade, porque eu tenho um filho com 23 anos e uma filha que vai fazer 20 agora. E se pensar que eu, com 20 anos, já tinha o meu dinheiro... Fiz o meu primeiro desfile com o meu dinheiro, organizei-o todo, as modistas, a maquilhagem, a música, tudo.
_Como foi esse dia?
Muito emocionante. A verdade é que o mais emocionante de todos os meus desfiles foi o primeiro.
_Porquê?
Porque a primeira vez que se faz alguma coisa é muito emocionante. Talvez pela idade, pelo que me custou. O primeiro desfile que fiz em Paris também foi muito emocionante. O ano passado fiz 23 ou 24 desfiles, e ainda que tenham sido intensos, nunca é tão emocionante como a primeira vez. A emoção do primeiro desfile é uma coisa lendária.
_O que é que pretendia acrescentar no mundo da moda?
Sempre foi muito importante para mim a mistura entre o mundo da moda e o da arte. Que agora é muito evidente, mas quando eu comecei, há trinta anos, não era assim tão evidente. O mundo da moda estava muito, muito separado do mundo da arte. Hoje está muito mais próximo.
Nessa relação com a arte já existia, entre os criadores espanhóis, o exemplo brilhante de _Cristóbal Balenciaga.
Mas o Balenciaga nesse tempo já levava muitos anos fora de Espanha. E não era um momento bom de Balenciaga. Das últimas coisas que fez foi o vestido da neta de Franco, quando esta se casou.
_Não era uma referência em Espanha?
Não. Eu gostava muito de Balenciaga, porque tinha visto uma exposição que ele fez nos anos setenta, na Biblioteca Nacional, mas não era uma referência. Nessa época quem mais êxito tinha era Yves Saint-Laurent. E Espanha estava muito fechada, não havia boas escolas de desenho.
_Estudou em Barcelona, na Escola de Arte e Técnicas da Moda?
Sim, mas muito pouco. Estive lá uns meses, e em Itália.
_Como define a sua linguagem estética, visual?
Tem muito que ver com esta coisa minha do mundo da arte, isso vê-se a todo o momento. Sou uma desenhadora de moda, mas sou uma desenhadora muito gráfica também.
_A cor é o seu traço distintivo?
É um dos meus traços. Isso serviu-me para fazer de tudo. Creio que houve muito poucos desenhadores no mundo que se tenham diversificado tanto como eu.
_Disse um dia que «para criar algo tens de destruir algo». O que significa isto?
Por exemplo, para construir um edifício muito bonito têm de eliminar o edifício que lá estava. Inclusive numa paisagem, pois se havia uma árvore tem de se que tirar essa árvore. Tem de se romper com algo para fazer uma coisa maravilhosa. Estou certa de que onde hoje está a Fundação Serralves havia algo. Algo havia ali.
_Na moda acontece o mesmo, criar algo novo pressupõe uma ruptura com o estabelecido?
Quando as pessoas vêem as minhas roupas, significa que há uma crítica às mulheres que vão vestir de uma forma diferente. Tu vês as minhas roupas com muitas cores, estou a criticar as mulheres que só vestem de negro.
_Combateu a vertente conservadora da moda?
Creio que sim. Porque sempre foi assim desde pequena. Não faço o que é suposto fazer.
_Quais são as suas referências? Para além da arte contemporânea, onde se inserem nomes como Juan Miró ou o escultor Eduardo Chillida.
A minha maior fonte de inspiração é o meu próprio trabalho. E uma coisa que me encanta, depois de todas estas colaborações, é quando uma se converte numa coisa tão bonita e tão emocionante como isto do Banco Espírito Santo. Qualquer coisa que faça com o Banco Espírito Santo é maravilhosa. Vocês não se dão conta porque estão habituados, mas dizer Espírito Santo é uma coisa... Há muito poucos apelidos no planeta que sejam tão impressionantes para um espanhol. Não pode haver um nome mais bonito.
_É uma mulher religiosa, portanto.
Creio que a religião é muito importante. Não sou muito praticante, mas fui educada no catolicismo e parece-me de muito má educação alguém meter-se com a religião. Seja qual for.
_Tem uma relação com Deus?
Quando vou num avião e vejo que a coisa fica muito má, a primeira coisa que faço é falar com os santos [risos].
_Uma religiosidade que se resume a instantes aflitivos?
Não, para mim é importante que os meus filhos sejam baptizados, que tenham feito a primeira comunhão. Eu frequentei colégios católicos, a minha filha frequentou um colégio católico. Parece-me que é muito importante viver na nossa religião, historicamente, pela cultura, por tudo. Não gosto nada das pessoas que se metem com a religião.
_Recebeu muitos prémios ao longo da carreira. Em Outubro recebeu mais dois, no México e em Sevilha. Isto traduz-se em quê? Aumenta a responsabilidade?
Isto diz que já sou mais velha, em 2010 fiz 50 anos. Há um momento em que te dão os prémios porque és mais velha. Em Espanha criaram o Prémio Nacional de Desenho de Moda, que começou no ano passado. No primeiro ano tive a sorte de ser jurada, e atribuímos o prémio a Manuel Pertegaz, porque Pertegaz é um senhor mais velho e foi muito importante. E também queríamos dá-lo a Elio Berhanyer, que eu também adoro. E pensei que este ano ia ganhar o Elio, mas ganhou - e é fantástico que tenha ganho - o Paco Rabanne, que vive em França. É estupendo, o Paco Rabanne. Quando passarem mais vinte ou 25 anos que remédio terão se não darem-no a mim, até porque não somos muitos.
_Pertence à aristocracia espanhola, é marquesa de Castelldosríus e baronesa de Santa Pau. O que representa isso para si?
É uma coisa muito pessoal. Eu, em pequena, estava em dois mundos - e o meu pai era o mundo da arquitectura. Vem de uma família em que ele era o oitavo arquitecto, uma família muito relacionada com a arquitectura e com o mundo da arte. A família da minha mãe era muito monárquica, de Barcelona, e relacionava-se com toda esta coisa dos títulos, mas também com muita gente do mundo da arte. Na minha família materna havia muita relação com Gaudí e com grandes artistas e intelectuais.
_Como é a sua relação com a aristocracia?
Bem, são coisas que tens... Cada um tem o que teve. Se alguém em pequeno ia muito ao campo, pois gosta de campo. Havia muita gente na minha família que gostava dos animais, e o meu grande sonho era ter animais. Tenho muitos cães e agora estou a cuidar de uma cadelinha pequena, que é da minha filha. São coisas com as quais viveste.
_Participa na vida social da aristocracia?
Não. Conheço-a, mas digamos que conheço porque a vivi. Significa que eu sei o que é, e há gente que não sabe e nem lhe importa nada. Eu sei quais são as famílias, a história. São coisas que tu sabes e outras pessoas não sabem.
_É a sua realidade, o contexto que a envolveu sempre.
Não é uma realidade, é o que eu vivi toda a minha vida.
_Tem dois filhos. Eles têm relação com a moda, com o universo artístico?
Os meus filhos saíram, para já, muito intelectuais. Do que gostam é de ler. Mas gosto que sejam assim, porque creio que ler é uma das coisas melhores que se pode fazer. Tenho uma filha que agora está a descobrir tudo o que é o existencialismo. Proust, por exemplo - bem, eu toda a vida fui superproustiana. Quando me falas da aristocracia, pois todo o Proust fala desse assunto, e torna-se muito divertido lê-lo porque conheces essa realidade. É diferente, claro, mas viveste-a, de certa maneira.
_Apresentou hoje a «Avozinha», a nova edição do porquinho mealheiro do BES, desenhado por si. O que significa esta parceria, que já leva sete anos?
Adoro, encaro-a um pouco como uma amizade. Tenho uma amizade que já dura há anos, e isso é muito bonito. Para mim, o mais emocionante no BES é que fazem tudo de forma fenomenal. Gosto muito de como cuidam de tudo. Conheci o Ronaldo e pareceu-me simpatiquíssimo também. É uma relação muito bonita porque ainda por cima tem esta continuidade.
_Não é a única empresa portuguesa com a qual se relaciona.
Não, eu trabalho muito com outras empresas, como a Lameirinho.
_E oitenta por cento da sua produção vem de Portugal?
Sim.
_O que lhe falta fazer? O que lhe interessa «agathizar» depois de trinta anos de carreira?
A verdade é que tenho muita sorte. Fiz de tudo, fiz muitíssimas coisas. Estes são momentos difíceis para toda a gente, e é importante aguentar, reflectir e ver como vai passar esta crise, e como vamos sair da crise. E como podemos converter uma coisa muito negativa numa coisa positiva.
_O que lhe apetece fazer agora?
Neste momento de crise não quero abrir cinquenta lojas. Quero aguentar, quero ser capaz de continuar a trabalhar, de continuar a ter projectos, de continuar a ter uma equipa. Há muita gente que teve de fechar.
_Que momentos especiais destaca no seu percurso?
Ui, não me recordo, tenho uma memória fatal. Tenho milhares de momentos.
_A retrospectiva na Trienal de Milão, nos 25 anos de carreira, pode ser um exemplo?
No ano passado fiz uma retrospectiva num museu de França, que se chama La Piscine [Musée d"Art et d"Industrie André Diligent, em Roubaix], que é o quinto museu mais importante de França, o primeiro fora de Paris. E foi a segunda exposição mais visitada do museu, a primeira foi a de Picasso. Esse momento foi maravilhoso. Houve milhares de momentos, graças a Deus tenho muitíssimos momentos muito bonitos.
A «Avozinha» e a pedagogia da poupança
Chegou em ritmo acelerado, figura elegante, a ocupar a dianteira de um séquito. Uma lufada de cor, a desafiar o cinzentismo formal de quem enchia o espaço. Azul, verde e rosa no vestido. Um grande laço azul no cabelo. Collants azuis, sapatos rosa. A rodeá-la, aqueles que com ela trabalham, a sua trupe de «agathizados». Com o verde, rosa e laranja a ditar a sincronia cromática nos outfits. Invasão inusitada de cor no contexto de um banco. E a que se deve tamanho frenesim matinal na sede do Banco Espírito Santo (BES), em Madrid, na movimentada Calle Serrano? Ao lançamento da «Avozinha», a edição mais recente dos porquinhos mealheiros da Poupança BES Júnior que há sete anos asseguram uma parceria entre o banco português e a designer espanhola Agatha Ruiz de la Prada, e que chegará a Portugal em Dezembro.
Na apresentação à imprensa, é Rita Torres Baptista, directora de marketing do BES, quem faz o historial de um projecto que começou em 2004, com a Piggy e o Oinc, os primeiros mealheiros de uma série que tem como objectivo aproximar a instituição do público infantil. «Esta é uma história de poupança que queríamos que fosse divertida. A linguagem dos bancos estava sempre muito afastada das crianças, havia que aproximá-las. Incentivar a poupança e posicionar o BES como o banco das crianças.» O projecto encontrou em Agatha Ruiz de la Prada uma parceira natural, pela força cromática da linguagem visual com que os mais novos facilmente se identificariam.
«De banca sabíamos nós, mas de crianças um banco sabe pouco. Fomos olhar para o universo das crianças e percebemos que havia alguém que começava a ser importante para elas, mesmo em Portugal. Porque a Agatha tem um papel importante nos materiais escolares. Uma imagem que ia com muita naturalidade fazer parte do seu universo», explica Rita. E a designação «Avozinha»? «Porque os avós são os que melhor sabem poupar e mais contribuem para as finanças dos miúdos.»
A Poupança BES Júnior alcançou já números expressivos. São 208 milhões de euros amealhados por 210 mil crianças. A apresentação do projecto em Madrid não terá, para já, efeitos concretos, uma vez que o BES em Espanha não está posicionado no mercado de retalho, focando a sua acção nas empresas e no private banking. Serviu para dar visibilidade à parceria com a criadora espanhola, que se prepara para lançar a Fundação Agatha Ruiz de la Prada, a 25 de Março, o mesmo dia em que assinala os trinta anos do primeiro desfile.