África e o Covid-19

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Embora seja a região menos afetada, por enquanto, o novo coronavírus já chegou ao continente africano. No momento em que atualizo este texto para o DN, 33 dos 54 países do continente já registaram mais de 680 casos confirmados do Covid-19. Também ocorreram 18 falecimentos. Até agora, trata-se de casos importados, ou seja, a chamada propagação comunitária ainda não começou.

Enquanto alguns dos habituais idiotas que pululam nas redes sociais são obrigados a silenciar as patetices com que reagiram ao surgimento deste surto, tipo "o coronavírus não nos contamina a nós, negros", "já temos malária, o coronavírus não vai apanhar-nos" e outras que tais, outros preocupam-se em levantar suspeitas, subtis ou não, acerca da fidelidade desses números.

A verdade é que, neste momento, os especialistas não sabem por que razão tão poucos casos (relativamente) do Covid-19 foram registados em África. Mas Marry Stephen, funcionária da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Brazzaville garante que a contagem tem sido precisa. "Eu não diria que se trata de subestimação", disse ela, citada pela revista brasileira Exame.

De sublinhar que a crença de que o vírus morre mais rapidamente sob temperaturas altas não está provada cientificamente. Para Stephen, o número baixo de infetados com o novo coronavírus no continente africano implica, provavelmente, que ainda não existem grandes surtos detetados. Se os houvesse, acrescentou a funcionária da OMS, o número de mortos estaria "bem acima" do verificado até agora.

Uma das razões para o reduzido número, talvez por enquanto, de casos de coronavírus em África foi a decisão da maioria dos países da região de fechar rapidamente as suas fronteiras, pelo menos em relação aos passageiros oriundos dos países estrangeiros mais afetados pelo Covid-19. Nos últimos dias, vários países, como Angola, avançaram mesmo para a suspensão temporária de todos os voos internacionais.

Entretanto, todos - africanos e não-africanos - concordam que a possibilidade de o novo coronavírus se espalhar pelo continente africano é especialmente preocupante por causa da fragilidade dos sistemas de saúde da maioria dos países da região. Mas a questão também pode ser vista por outro ângulo: África tem uma grande experiência de lidar com surtos epidémicos, que pode, se necessário, ser útil neste caso.

A grande vantagem das nações africanas, em relação à luta contra o Covid-19, é sem dúvida o facto de o epicentro do surto ter estado, até agora, na Ásia e na Europa. O continente africano tem a obrigação, por conseguinte, de ter aprendido com o que sucedeu desde o final de 2019 nessas duas regiões, sobretudo, preparando-se adequadamente para enfrentar o novo coronavírus.

Aparentemente, está a fazê-lo, com o apoio das organizações internacionais especialistas em saúde pública, a começar pela OMS. Esta última, por exemplo, apressou-se a reforçar a capacidade dos países africanos de testar o vírus e de treinar profissionais para tratar das pessoas infetadas. No fim de Janeiro, apenas o Senegal e a África do Sul tinham laboratórios que podiam testar o vírus, mas agora 37 países do continente têm essa capacidade.

Para resumir, os governos africanos têm de agir com antecipação (afinal, tiveram três meses de avanço), lucidez e decisão. O fechamento de fronteiras é necessário, em alguns casos, mas tem de ser temporário. O principal - como recomenda a OMS - é testar e tratar. A parceria entre a rede pública e o sector privado de saúde parece-me, mais do que imperiosa, vital.

Uma cautela particular deve ser evitar as enchentes nos hospitais. Parece confirmado que 80 por cento dos doentes infetados com o novo coronavírus não precisam de ser hospitalizados. Assim, seria útil se os governos criassem as condições (equipamentos e pessoal) para a realização de testes rápidos em casa e até em locais públicos, como na Coreia do Sul.

Aos cidadãos africanos pede-se, em primeiro lugar, calma e a tranquilidade. Não acreditar em fakenews. Não cair na tentação da politiquice barata, tão comum nos nossos países, em especial naqueles onde a democracia ainda é demasiado incipiente. Acompanhar as informações e seguir as recomendações oficiais. Manter a higiene pessoal e "social" (nada, por enquanto, de apertos de mão, beijos e abraços, manifestações tão características do modo africano de ser). Evitar grandes aglomerados.

Como lembra um quadro postado no Twitter (sim, nas redes sociais também há vida inteligente), "quanto mais cedo nos distanciarmos, mais cedo nos abraçaremos".

Escritor e jornalista angolano e Diretor da revista ÁFRICA 21

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